Chamada para Dossiê Repensar o Sublime

30-09-2025

Chamada para Dossiê Repensar o Sublime

Organização: Alexandre Ragazzi (PPGHA/Uerj) e Maya Suemi Lemos (PPGHA/Uerj)

Data limite para submissões: 10/12/2025

O conceito de sublime, conforme as interpretações que lhe foram dadas no século XVIII, pode ser compreendido como uma experiência estética resultante da incapacidade humana de lidar com o que está além do seu domínio, como a natureza ou os mistérios da existência. Em termos artísticos, tratava-se de sugerir visualmente o encontro com o grandioso, o ilimitado, com algo que podia, por extensão, ser considerado amedrontador.

 

Com a Revolução Industrial e os avanços tecnológicos, intensificou-se a ilusão de que era preciso subjugar a natureza para ampliar a riqueza e o conhecimento humanos. Esse domínio da natureza, contudo, levou ao desencanto, ao fim do espanto diante do desconhecido. Assim como hoje não nos surpreendemos ao apertar um botão para iniciar um computador que nos oferecerá uma infinidade de informações instantaneamente, não nos importando os meandros tecnológicos de seu funcionamento quase transcendental, parece que tampouco nos abismamos como outrora com as grandes aporias filosóficas, existenciais ou artísticas.

 

Estaria o sublime, então, ausente de nossas experiências? Ou teria assumido novas feições? Teria ele deixado de ser unicamente o assombro diante do incomensurável, do desconhecido ou da vastidão da natureza para abranger, por exemplo, as tensões entre beleza e ameaça de destruição, contemplação e colapso ambiental, estética e ética?

 

No século I, o chamado Pseudo-Longino publicou o “Do sublime”, obra que versa sobre crítica literária e retórica e na qual foram definidas as características elementares para a compreensão do conceito de sublime. Tratava-se de uma coletânea de exemplos que tinham em comum o fato de conduzirem o leitor ao arrebatamento, ao êxtase, à perda do juízo racional. Podemos afirmar que o tema do sublime atravessa a mente humana ao menos desde esse momento de teorização até as reelaborações mais próximas da contemporaneidade sobre o assunto. Que se pense nas contribuições, no âmbito da filosofia, de Jean-François Lyotard, ou, no campo visual, de Barnett Newman, Mark Rothko, Clyfford Still, Olafur Eliasson ou Anselm Kiefer, ou ainda nas mais recentes interpretações feitas a partir da ecocrítica como resposta ao Antropoceno. Orientados por esses desdobramentos epistemológicos, chegamos então a novas categorias do sublime a serem exploradas: o sublime abstrato, que evoca ideias de finitude e transcendência; o sublime tecnológico, que decorre da disparidade entre o engenho humano e as potencialidades de suas criações científicas; enfim, o sublime ecológico, o sublime do desastre e o sublime da destruição, os três marcados pela crise ambiental que nos assola e que nos compele a um deslocamento da mera contemplação da grandiosidade da natureza para um misto de fascínio e temor da própria natureza humana e de seus impactos no mundo natural.

 

A partir dessas reflexões, convidamos autoras e autores a repensar o conceito de sublime, seja através de suas manifestações no mundo contemporâneo, seja por meio de revisões críticas do passado, salientando que não estabelecemos limitações geográficas ou cronológicas para isso. De fato, interessa-nos também revelar como diferentes culturas e épocas se referiram a experiências análogas ao sublime. Nesse sentido, sugerimos como possibilidades as seguintes linhas norteadoras de pensamento, mas, obviamente, poderão ser aceitas outras abordagens que dialoguem com o tema central desta chamada:

  • Em que medida o sublime é ainda hoje uma categoria válida para o julgamento e para a experiência estética? Que deslocamentos sofreu? Quais as suas formas contemporâneas? Como se declinou no pensamento sobre a arte ao longo dos séculos?
  • O sublime ainda pode ser compreendido como uma reação à racionalidade e ao progresso científico, como uma espécie de nostalgia da natureza diante dos avanços tecnológicos?
  • Pode haver um sublime metropolitano, identificável nos grandes centros urbanos a partir da diferença de escala entre o indivíduo e os arranha-céus ou as multidões?
  • Para se repensar o conceito de sublime, que contribuições podem oferecer, por exemplo, tradições estéticas africanas, indígenas ou asiáticas?
  • É possível afirmar que o sublime natural se transformou em sublime tecnológico ou sublime científico? E essas novas categorias ainda preservam vínculos com a natureza?
  • Considerados os impactos das mudanças climáticas e de um iminente colapso ambiental, o sublime pode – ou mesmo deve – ser pensado não apenas como experiência estética, mas como experiência ética? Como substituir a contemplação que caracterizou o sublime no século XVIII por responsabilidade e ação? Como a arte atua nesse novo cenário?
  • O sublime pode ser entendido como sublime negativo ou sublime do desastre em resposta às catástrofes ambientais?
  • Como a noção de sublime pode ajudar a sensibilizar o espectador para a fragilidade da natureza e a urgência das questões ambientais sem se esvaziar no mero espetáculo?

 

Marc Bloch, em “Apologia da história ou O ofício do historiador”, mostrou-nos que é preciso compreender o presente a partir do passado, e o passado a partir do presente. Nicole Loraux, em “Éloge de l’anachronisme en histoire”, complementou o célebre historiador e disse que isso deve ser feito com um “método que consiste em irmos ao passado com as questões do presente para voltarmos ao presente munidos do que compreendemos do passado”. Eis o que ambicionamos para este dossiê sobre o sublime.