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Sœur Philomène
, dos irmãos Goncourt,
das páginas aos palcos
Zadig Gama
Para citar este artigo:
GAMA, Zadig.
Sœur Philomène
, dos irmãos Goncourt,
das páginas aos palcos.
Urdimento
Revista de
Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 4, n. 49,
dez. 2023.
DOI: 10.5965/1414573104492023e0207
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Sœur Philomène
, dos irmãos Goncourt, das páginas aos palcos1
Zadig Gama2
Resumo
O objetivo deste artigo é contribuir para o conhecimento que se tem sobre a estreia
das duas primeiras temporadas do Théâtre Antoine, em 1887, na França. Trata-se,
mais precisamente, de voltar o olhar para a adaptação para o teatro do romance
Sœur Philomène
(1861), escrito pelos irmãos Edmond e Jules de Goncourt, feita por
Jules Vidal e Arthur Byl, e montada na ocasião da estreia de sua segunda temporada.
Interrogam-se, assim, as condições nas quais essa adaptação foi produzida assim
como sua circulação e recepção junto à crítica teatral feita na imprensa. Isso permite
reconstituir, apresentar e analisar a dinâmica das tensões entre diferentes gerações
de agentes atuantes nas letras e nas artes cênicas que estiveram engajadas na
concepção e estabelecimento do Théâtre Antoine.
Palavras-chave
: Adaptação teatral. Sœur Philomène. Irmãos Goncourt. André
Antoine. Théâtre Libre.
Sœur Philomène
, by the Goncourt brothers, from pages to stage
Abstract
The aim of this article is to contribute to general knowledge about the premiere of
the first two seasons of the Théâtre Antoine in 1887. More precisely, it aims to look
at the adaptation for the theater of the novel
Sœur Philomène
(1861), written by the
brothers Edmond and Jules de Goncourt, made by Jules Vidal and Arthur Byl, and
mounted on the premiere of its second season. The conditions under which this
adaptation was produced, its circulation in France and its reception by theatrical
critics in the press are thus questioned. This makes it possible to reconstruct,
present and analyze the dynamics of tensions between different generations of
agents active in the literary field and the performing arts field, who were engaged in
the conception and establishment of the Théâtre Antoine.
Keywords
: Theatrical adaptation. Sœur Philomène. Goncourt Brothers. André
Antoine. Théâtre Libre.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Zadig Gama devido sua formação
acadêmica. zadiggama@id.uff.br
2 Doutor em Letras Neolatinas (literaturas de língua francesa) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), com estágio doutoral na Université Sorbonne Nouvelle Paris III. Mestrado em Letras Neolatinas
(literaturas de língua francesa). Especialização em Tradução em língua francesa pela Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ). Especialização em Design Instrucional (SENAC-SP). Licenciatura plena em Letras
Português-Francês pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor substituto do
Departamento de Letras Estrangeiras Modernas (GLE) da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do
Departamento de Letras Neolatinas (LNEO) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
zadiggama@id.uff.br
http://lattes.cnpq.br/3054913229373171 https://orcid.org/0000-0002-5422-1031
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Sœur Philomène
, de los hermanos Goncourt, de las páginas a los
escenarios
Resumen
El objetivo de este artículo es contribuir al conocimiento sobre el estreno de las dos
primeras temporadas del Théâtre Antoine en 1887. Más concretamente, se centra en
la adaptación teatral de la novela
Sœur Philomène
(1861), escrita por los hermanos
Edmond y Jules de Goncourt, realizada por Jules Vidal y Arthur Byl, y puesta en
escena en el estreno de su segunda temporada. Se cuestionan así las condiciones
de realización de esta adaptación, su circulación en Francia y su recepción por la
crítica teatral en la prensa. Eso permite reconstruir, presentar y analizar la dinámica
de tensiones entre las diferentes generaciones de agentes activos en la literatura y
las artes escénicas que participaron en la concepción y creación del Théâtre Antoine.
Palabras-clave
: Adaptación teatral. Sœur Philomène. Hermanos Goncourt. André
Antoine. Théâtre Libre.
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Introdução
Sœur Philomène
, se comparado aos demais romances escritos pelos irmãos
Edmond (1822-1896) e Jules (1830-1870) de Goncourt, será aquele de menor
expressividade no campo literário francês, não tendo despertado a simpatia no
público leitor à época de seu lançamento, em meados do século XIX, tampouco o
interesse da comunidade acadêmica ao longo do século XX. Quando foi lançado,
em 1861, a editora Librairie Nouvelle que o publicou faliu poucas semanas depois,
tendo sido comprada pela editora Michel Lévy, para a qual o manuscrito havia sido
apresentado e recusado categoricamente algum tempo antes. Essa primeira
edição, financiada pelos próprios irmãos Goncourt, não contou com uma
publicidade que alavancasse suas vendas, muito menos chamou a atenção da
crítica literária. A partir da década de 1870, esse título ganha novas edições e é
incorporado às obras completas de seus autores. Entre 1930, quando o Prêmio
Goncourt começa a encobrir a produção literária de seus idealizadores, e 1990,
quando uma equipe interinstitucional de pesquisadores passa a se reunir
periodicamente em Paris para estudá-la e reeditá-la, esse romance, ao contrário
de outras obras, não havia sido reeditado na França (Gama, 2021).
Mesmo que
Sœur Philomène
tenha passado por uma série de percalços à
época de seu lançamento e ainda hoje seja um romance pouco lembrado pela
crítica, ele representa para a literatura uma renovação estética, tendo inaugurado
um
topos
naturalista: o hospital – sendo considerado o primeiro a localizar seu
enredo naquele ambiente (Hamon & Viboud, 2008; Becker, 2011). O romance é
ambientado mais precisamente no Hôtel Dieu de Paris, hospital construído no
século VII da Era Comum, localizado no 4º distrito da capital francesa, e conta a
história da irmã Philomène, nome religioso de Marie Gaucher, dividindo-se em dois
grandes momentos: uma longa analepse, que conta da infância da personagem
principal, e o presente da narração, que se volta para sua afeição por Barnier,
estudante de medicina, e para sua antipatia por Romaine, antiga amante do
médico interno – por este operada e que acaba morrendo.
A trama se desenvolve por meio de uma escrita pautada na observação, cujo
processo de tomada de notas
in loco
em diversos hospitais pode ser
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acompanhado no
Journal des Goncourt
, diário íntimo que os irmãos Goncourt
escreveram em parceria. Por um lado, é possível observar um certo discurso
científico, consoante não somente ao ambiente hospitalar, mas também à estética
naturalista que se erigia. Por outro lado, é possível constatar um discurso
interartes, no qual o texto literário se apropria de temas e técnicas da gravura,
sobretudo da água forte, fazendo prevalecer tanto elementos que evocam o
entalhe e a impressão quanto tons de preto e branco assim como tons que
declinam do vermelho das sanguíneas (Gama & Lobão, 2022). O romance, então,
por conjugar o discurso científico com o discurso interartes, acaba arrefecendo a
narração em detrimento de longas descrições. A atenuação do romanesco,
entretanto, não impede que o romance desenvolva parcamente ações
melodramáticas e melodramas interiores (Dufief, 2011). Em outras palavras, a
placidez que sustenta a descrição – modo de organização do discurso
predominante no romance – do banal e do quotidiano de um hospital é, ainda que
de maneira comedida, entrecortada por breves passagens narrativas com
peripécias e ações que beiram à inverossimilhança. O pouco de ação de que o
romance dispõe servirá de material para uma adaptação para o teatro, feita por
Jules Vidal e Arthur Byl, supervisionada por Edmond de Goncourt, representada
pela primeira vez em 1887, na ocasião da estreia da segunda temporada do Théâtre
Antoine.
O objetivo deste artigo é reconstituir e analisar as condições nas quais a
adaptação do romance
Sœur Philomène
foi realizada assim como apresentar sua
circulação e recepção na França junto à crítica teatral. Em um primeiro momento,
discute-se o lugar do teatro na produção literária e artística dos irmãos Goncourt.
Isso permite observar a dinâmica das tensões entre diferentes gerações de
agentes atuantes nas letras e nas artes cênicas no momento da concepção e de
estreia das duas primeiras temporadas do Théâtre Antoine, em cuja segunda
temporada essa adaptação foi montada. Finalmente, uma leitura detida da crítica
permite colocar em perspectiva parte das convenções poéticas da época por meio
dos diferentes posicionamentos da crítica teatral, desafiadas e transgredidas pela
adaptação de
Sœur Philomène
para os palcos, em 1887, assim como o romance
fizera em 1861.
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Teatro: um gênero à parte na obra dos irmãos Goncourt?
Apesar de, hoje, o nome Goncourt ser comumente lembrado graças ao
Prêmio Goncourt, distinção literária de maior prestígio na França, ele ficou
conhecido no meio literário e foi institucionalizado em forma de academia por
obra dos irmãos Goncourt, escritores que, ao longo da segunda metade do século
XIX, praticaram diversos gêneros. O gênero dramático, que julgavam ser o meio
pelo qual conseguiriam notoriedade na qualidade de homens de letras e com o
qual não lograram êxito; em seguida os estudos históricos e biográficos;
paralelamente, a escrita memorialística no famoso diário íntimo que redigiram em
parceria, o
Journal des Goncourt
; e, finalmente, o romance, gênero no qual
firmaram suas carreiras e que defenderam enquanto representante de uma certa
modernidade em literatura. Atualmente, a produção teatral dos irmãos Goncourt
permanece eclipsada pelo Prêmio Goncourt, pelo diário e pelos romances.
O teatro, entretanto, foi uma das artes pelas quais os irmãos Goncourt
tiveram grande fascínio e que aparece de maneira onipresente ao longo de suas
carreiras. Edmond e Jules de Goncourt foram, antes de tudo, espectadores e
entusiastas das artes dramáticas, como pode ser visto em diversas passagens do
Journal
sobre os espetáculos que assistiram. Em seguida, foram críticos, tendo
publicado diversas crônicas na revista
L’Éclair
, mais tarde reunidas em livro com
o título de
Mystères des Théâtres
(1853). Foram igualmente pesquisadores,
debruçando-se sobre documentos pessoais e rastros do passado de atrizes e
cantoras de ópera do século XVIII para escreverem os estudos biográficos
Sophie Arnould
(1857),
La Saint-Huberty
(1882) e
Mademoiselle Clairon
(1890).
Finalmente, eles estiveram sensíveis às artes cênicas, representando-as em
diversas obras, como na fisiologia “Un comédien nômade” (1855), na novela
Les
Actrices
(1856), e nos romances
Les Frères Zemganno
(1878) e
La Faustin
(1882).
O interesse dos irmãos Goncourt pelo teatro, para além da crítica, do estudo
minucioso e de sua representação em literatura, torna-se ainda mais evidente ao
se voltar o olhar para sua produção dramática. Jules de Goncourt, quando
estudante, compõe, na aula de retórica,
Étienne Marcel
, drama em cinco atos em
verso. Em 1850, Edmond e Jules escrevem em parceria
Sans titre
,
vaudeville
em
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dois atos sobre a vida de um artista em seu ateliê. Em 1852, escrevem
La Nuit de
la Saint-Sylvestre: Tête à tête
, peça em um ato em prosa, que coloca em cena um
casal recapitulando, horas antes de saberem da notícia do golpe de Louis-
Napoléon Bonaparte, os eventos ocorridos no ano de 1851. Em 1865,
Henriette
Maréchal
, drama em três atos em prosa sobre mãe e filha que se apaixonam pelo
mesmo homem. Em 1873,
La Patrie en danger
, drama em cinco atos em prosa
sobre momentos-chave da Revolução Francesa. O que essas peças, em sua
maioria escritas ao longo do Segundo Império (1851-1870), têm em comum é o fato
de não terem sido bem compreendidas em sua época, seja pela censura, seja pela
crítica ou pelo público.
As adaptações de romances dos irmãos Goncourt, por sua vez, acontecem
nas primeiras décadas da Terceira República (1870-1940), tendo sido mais
numerosas e mais bem aceitas pela crítica e pelo público. Isso se explica, por um
lado, pelo fato de, naqueles primeiros anos de maior estabilidade política, ter
havido um abrandamento da censura e a criação de uma lei de liberdade de
imprensa, que estimulou a atualização de parâmetros na crítica literária e teatral.
Por outro lado, os romances escritos pelos irmãos Goncourt estabelecem laços
estreitos com o teatro, representando-o enquanto tema ou o tomando como
modelo para a construção de diálogos, que tentam emular a realização da
enunciação de diferentes grupos sociais, ou de descrições, que muitas vezes se
assemelham a didascálias. Trata-se de uma tentativa de renovação de formas
gastas em literatura, mais tarde adaptadas aos palcos pelo próprio Edmond de
Goncourt – que seu irmão Jules havia morrido em 1870 – ou por jovens
dramaturgos que viam naquele escritor uma figura de autoridade na qual poderiam
se apoiar em busca de legitimidade. Assim, em 1886, sobe aos palcos
Renée
Mauperin
, adaptação em dez atos tirada do romance de 1866; em 1887,
Sœur
Philomène
, em três atos, do romance de 1861; em 1888,
Germinie Lacerteux
, em
dez quadros, do romance de 1865; em 1890,
La Fille Élisa
, do romance de 1877, e
Les Frères Zemganno
, do romance de 1878, ambas em três atos; em 1896,
Manette
Salomon
, em nove quadros, do romance de 1867; em 1892,
Charles Demailly
, em
cinco atos, do romance de 1861; e em 1893,
La Faustin
, em dez quadros, do
romance de 1882.
O teatro, assim, não constitui um gênero à parte na produção literária dos
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irmãos Goncourt, mas uma das diversas formas pelas quais se expressaram
artística e intelectualmente, seja escrevendo peças de teatro e adaptando seus
romances para os palcos, seja assistindo a espetáculos a fim de registrarem suas
impressões em seu diário íntimo ou darem seu parecer crítico na imprensa. Trata-
se de um gênero que permeia toda a carreira dos escritores, que entrou em tensão
com as convenções no interior das quais foram praticados, tanto pelos temas
abordados quanto por suas condições materiais de representação.
O Théâtre Libre: André Antoine entra em cena
Edmond de Goncourt pertencia a uma geração de homens atuantes nas
letras e nas artes anterior à de André Antoine (1858-1943), 36 anos mais novo. Nas
décadas de 1870 e 1880, enquanto Edmond de Goncourt havia firmado seu nome
nas Letras francesas em consequência da publicação de seus romances e estudos
históricos, biográficos e sobre arte, André Antoine ainda estava no final da
adolescência e no início da primeira juventude. Em seus
Souvenirs
(1921) sobre os
momentos que precedem à criação do Théâre Libre, Antoine lembra das aulas de
teatro que teve com o Marius Laisné, da leitura dos clássicos, da tentativa frustrada
de juntar-se aos alunos do Conservatório de Paris e do serviço monótono exercido
na Companhia de gás da capital francesa. No entanto, foi graças a um colega de
trabalho que Antoine, em 1883, conheceu o Cercle Gaulois, grupo de atores
amadores que representava peças curtas a familiares e amigos – embrião do que
veio a ser o Théâre Libre.
A primeira temporada do Théâtre Libre: abre-se o pano
Será essa relação de apoio mútuo e de relações pessoais mobilizadas com o
interesse de promover sua empreitada que marcará a estreia do Théâtre Libre de
André Antoine. Segundo o professor, diretor e dramaturgo Jean-Pierre Sarrazac,
desde a estreia da primeira temporada de espetáculos, no dia 30 de março de
1887, o Théâtre Libre se propunha a dar espaço a novos atores e a representar os
textos literários recusados em outros teatros, combinando:
[...] a fórmula de um “teatro de aplicação” para os atores iniciantes com
aquela do teatro que se designava na época como “à margem”, isto é,
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como literário, irregular, destinado a ser encenado a portas fechadas e
em pouquíssimas representações diante de um pequeno público de
assinantes (Sarrazac, 1999, p. 8-9)3.
A primeira temporada do Théâtre Libre se divide em duas datas. O dia 30 de
março de 1887, que teve em sua programação quatro peças em um ato:
Mlle
Pomme
, comédia de Louis Edmond Duranty (1833-1880) e Paul Alexis (1847-1901),
Un préfet
, drama de Arthur Byl (1859-1908),
La Cocarde
, comédia de Jules Vidal
(1858-1895) e
Jacques Damour
, drama adaptado por Léon Hennique (1850-1935)
do romance homônimo escrito por Émile Zola (1840-1902). no dia 30 de maio
daquele ano:
Une Nuit de Bergamasque
, tragicomédia em três atos de Émile
Bergerat (1843-1923) e
En Famille
, comédia em um ato de Oscar Méténier (1859-
1913).
A empreitada, que poderia ter sido marcada pelo fracasso, motivou, nos três
primeiros anos, mais de doze mil artigos na imprensa (Antoine, 2014, p. 31). Dentre
os incontáveis artigos sobre o início do Théâtre Libre, destaca-se aquele assinado
pelo jornalista René de Cuers (1855-19?) na edição do dia 6 de setembro de 1887
do jornal
Le Figaro
. Em seu texto, o crítico informa que Auguste Vitu (1823-1891),
Henry Fouquier (1838-1901) e Émile Blavet (1828-1924) sob o pseudônimo de Parisis,
críticos teatrais do jornal, haviam entrevistado alguns de seus leitores a fim de
saber suas impressões sobre a estreia da primeira temporada do Théâtre Libre.
O resultado da enquete foi unânime: as peças encenadas naquela ocasião
agradaram àqueles que as assistiram e despertaram o interesse público leitor do
jornal, o que, segundo o jornalista, teria encorajado Antoine a levar sua ideia
adiante. De acordo com Cuers, além do sucesso das primeiras representações, a
continuidade do Théâtre Libre teria acontecido em virtude de Antoine ter colocado
seu teatro sob a patronagem de um grupo de pessoas distintas que consentiam
em dar suporte às necessidades da trupe de sua companhia. Essa provavelmente
foi uma forma de Antoine se certificar de que a então sala Elysée des Beaux-Arts
recebesse duas
soirées
memoráveis e que, assim, seu trabalho pudesse despertar
fortemente o interesse da crítica. Cuers ainda acrescenta que o princípio que podia
3 La formule d’un ‘théâtre d’application’ pour comédiens débutants avec celle du théâtre qu’on désignait à
l’époque comme ‘à té’, c’est-à-dire comme littéraire, irrégulier, voué à jouer à huis clos et pour très petit
peu de représentations devant un petit public d’abonnés. Esta e as demais traduções, quando não assinalado
o nome do tradutor, são de autoria do autor do artigo.
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ser depreendido do programa da temporada do Théâtre Libre, enviado por Antoine
à redação do jornal, era o de encenar uma obra de um nome conhecido, a fim de
despertar o interesse da crítica e do público, e, segundo o crítico, promover a
carreira de dois ou três jovens envolvidos na montagem.
A segunda temporada do Théâtre Libre:
Sœur Philomène
sobe ao palco
Naquele contexto de efervescente interesse pela empreitada de Antoine,
mais precisamente no dia 11 de outubro de 1887, data de estreia da segunda
temporada do Théâtre Libre, vem à luz a adaptação de
Sœur Philomène
para os
palcos, cuja publicidade havia começado a ser feita cerca de quatro meses antes
de sua estreia, criando uma atmosfera de expectativas em torno do espetáculo.
Como aponta o crítico Jules Prével (1835-1889) na edição do dia 11 de junho de
1887 do jornal
Le Figaro
, essa adaptação estava devidamente autorizada por
Edmond de Goncourt, que havia aconselhado e supervisionado o trabalho dos
adaptadores Jules Vidal e Arthur Byl. O fato de, segundo ele, haver um quadro de
hospital no romance e de os dois atos de
Sœur Philomène
se passarem em meio
a leitos e tisanas fez com que o jornalista previsse como seria a reação do público
e a de Edmond:
Poderia ser que esse meio especial produzisse, em setembro, no
Théâtre Libre, um certo efeito sobre o público, e o sr. Goncourt não
gostaria, alguns meses mais tarde, de parecer ter seguido a via aberta,
aparentemente, pelos seus jovens protegidos (
Le Figaro
, 11 jun. 1887, p. 3)4.
Os jovens protegidos a que Prével se referia provavelmente foram vistos por
Antoine como o canal de comunicação mais eficaz com Edmond de Goncourt,
pois o idealizador do Théâtre Libre não havia se dirigido diretamente a Edmond
para pedir sua autorização, mas solicitado seu consentimento por meio desses
dois jovens que frequentavam Sótão de Auteuil (Baron, 2006)5. Se, por um lado, o
4 Il se pourrait que ce milieu spécial produisît, en septembre, au Théâtre Libre, un certain effet sur le public,
et M. de Goncourt ne voudrait pas, quelques mois plus tard, paraître avoir suivi la voie ouverte, en apparence,
par ses jeunes protégés.
5 O
Grenier d’Auteuil ou Grenier d’Edmond de Goncourt
(Sótão de Auteuil ou Sótão de Edmond de Goncourt,
respectivamente) era o segundo andar da casa dos irmãos Goncourt, no bairro de Auteuil, no 16º distrito de
Paris, e consistia em um espaço organizado por Edmond, após a morte de seu irmão Jules, em 1870, para
de reunir homens de letras em torno de si e discutir literatura. Tratava-se de mais um dos artifícios por
meio dos quais Edmond colocou em prática um projeto de perenidade de sua obra no campo literário, uma
vez que esse cenáculo foi o embrião do que veio a ser, na virada do século XIX para o século XX, a Academia
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nome de Arthur Byl não é mencionado no
Journal
antes da data de estreia de
Sœur Philomène
, por outro lado, é possível observar que a relação de Edmond
com Jules Vidal teria começado cerca de dois anos antes dessa adaptação. Na
passagem do
Journal
referente ao dia 16 de setembro de 1885, Edmond registra o
recebimento de uma edição de
Un Cœur fêlé
, romance escrito por Vidal e recém-
publicado à época pela editora Giraud. O título de “protegido” não é atribuído a
Vidal pelo crítico sem razão: na mesma passagem de seu diário, Edmond
acrescenta: “É incontestável, a juventude vem mais a mim que a Zola, que a
Daudet” (Goncourt, t. II, 1889, p. 1181)6.
Da página ao palco: o romance, a adaptação e a
mise en scène
A adaptação de
Sœur Philomène
para o teatro, como não poderia deixar de
ser, apresenta certas diferenças em relação ao romance, sobretudo no que se
refere à supressão de determinados episódios. A peça em dois atos, publicada em
1887 pela editora Léon Vanier, se comparada ao romance, revela que essas
supressões incidem em sua maioria sobre suas partes iniciais e finais, tendo como
resultado a seguinte correspondência entre cenas e capítulos:
Correspondência entre as cenas da peça e os capítulos do romance
Primeiro ato
Segundo ato
Cena
Capítulo
Cena
Capítulo
1
IX
1
XXXVII
2
XVIII
2
XXXIV e XXXVI
3, 4, 5 e 6
III
3
XXXV
7
XXXIX
4
XXXI
8
XXIX
5, 6, 7 e 8
XXXVII
9
III
10
XXX
11
XXIX
Apesar da variedade de capítulos adaptados para a cena, aqueles que mais
se fazem presentes no primeiro e no segundo atos da peça são os capítulos III
e XXXVII do romance, nos quais há, respectivamente, o diálogo dos médicos
Goncourt. Sobre o assunto, consultar: Gama, 2020.
6 C’est incontestable, la jeunesse vient plus à moi qu’elle ne vient à Zola, qu’elle ne vient à Daudet.
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internos e a cena de operação do seio da personagem Romaine, amante do médico
interno Branier.
A eleição do capítulo III como base para o primeiro ato provavelmente se deu
pelo fato de este ser o capítulo em que a maioria dos personagens é apresentada
no romance. Já a escolha do trigésimo sétimo capítulo para estruturar o segundo
ato e encerrar o espetáculo poderia ser entendida como uma espécie de
concessão ao gosto do público, pois, pelo fato de o romance ser marcado pela
atenuação de sua intriga em relação às descrições, este parece ser o capítulo com
maior apelo dramático, apresentando uma alternativa mais comercial e cativante
do que o final do romance. É possível supor ainda que a não inclusão de
determinados capítulos do romance em sua adaptação possa ter sido motivada
por uma preocupação com o tempo de duração do espetáculo, que o Théâtre
Libre se propunha a representar mais de uma peça por sessão.
Quanto aos cenários, a comparação do texto do romance com o da peça
permite observar que a sala de descanso médico do primeiro ato foi feita baseada
sobretudo no capítulo III do romance, visto que os capítulos XXVI e XXXIX, nos quais
o mesmo ambiente é descrito, foram suprimidos da adaptação. A descrição da
sala de descanso médico, no capítulo III do romance, aparece emoldurada por
uma abóboda em arco, tendo ao fundo do cômodo uma janela que dava para o
pátio do hospital. Os elementos presentes na descrição do ambiente são, à direita
da porta de entrada, um grande roupeiro; à esquerda, embaixo de uma bacia de
cobre presa à parede e coberta por um guardanapo, um cacifo de madeira pintado
de preto em que haviam maços de papel, cadernos e jornais velhos; um aquecedor
de louça branca e uma cama de ferro sem cortinas; contra uma parede branca,
uma grande estante e uma placa de ardósia com recados; afixadas à parede por
pregos, uma folha de papel com a caricatura do diretor do hospital e a lista de
nomes dos doentes em ordem alfabética com as idades na margem; aventais
pendurados em ganchos; ao centro do cômodo, uma grande mesa com oito
cadeiras (Goncourt, 1889 [1861]). A transposição desses elementos para a
composição do cenário do primeiro ato da peça se deu, de acordo com as
indicações dispersas em suas didascálias, de modo tão minucioso quanto o
descrito no romance, levando ao palco portas ao fundo e à direita, uma grande
janela também ao fundo, uma bacia de cobre, cadeiras, uma mesa sobre a qual
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havia papéis, talheres, copos, xícaras com café e pratos com sopa.
Assim como no primeiro ato, a transposição dos elementos descritos no
romance se manteve fiel ao colocar em cena, no segundo ato, os elementos
descritos no capítulo XXVII, no qual a descrição da ala de recuperação de pacientes
recém-operados apresenta um ambiente onde predominam leitos enfileirados,
protegidos por cortinas brancas; ao fundo da sala, um altar com uma imagem
branca da Virgem Maria coberta por um manto azul acetinado, hortênsias de papel
em vasos acobreados, uma pequena imagem de Jesus em cera num pequeno
presépio com o teto pontiagudo; uma cruz presa à parede; dois candelabros com
quatro círios cada; ao lado do altar, um armário onde estavam jogadas muletas e
bengalas de madeira branca; e um sininho preso à parede (Goncourt, 1889 [1861]).
As didascálias do segundo ato, além de indicarem os mesmos elementos
presentes na descrição do romance, ainda informam que, no alto da porta que
ligava o palco à coxia, estava escrito o nome da sala: Salle Sainte Thérèse.
As didascálias ainda sugerem ter havido um trabalho de sonoplastia: no
primeiro ato, a indicação de um barulho de carruagem para a anunciar a
chegada de Romaine ao hospital “Escuta-se o rolar de uma carruagem” –, e o
soar de um sino quando os médicos são avisados de que estava na hora da ronda
– “escuta-se o soar de um sino” (Vidal & Byl, 1887, p. 15 e 24)7.
A transposição do romance para o teatro cria, assim, uma nova configuração
enunciativa, na qual a topografia do romance circunscreve-se em uma
composição cênica e as descrições físicas e psicológicas dos personagens
passaram a ser, ao mesmo tempo, produtoras e produto da obra que se enuncia
nesse novo espaço de negociação com o espectador. Nesse sentido, assim como
as didascálias fornecem subsídios suficientes para recompor aspectos de sua
primeira montagem ligados ao cenário e às condições do espaço cênico, as críticas
de que a imprensa periódica dispõe sobre a representação de
Sœur Philomène
permitem destacar a reação da crítica à direção do espetáculo ou à performance
dos atores.
7 On entend un roulement de voiture”; “on entend un coup de cloche.
Sœur Philomène
, dos irmãos Goncourt, das páginas aos palcos
Zadig Gama
Florianópolis, v.4, n.49, p.1-25, dez. 2023
14
Sœur Philomène e a crítica teatral
Após algumas especulações da crítica em torno da adaptação de
Sœur
Philomène
, sua estreia finalmente ocorreu no dia 11 de outubro de 1887, uma terça-
feira, como indica a edição do jornal
Le Figaro
. Além de anunciar a abertura do
Théâtre Libre para a segunda temporada de espetáculos, a edição do jornal ainda
trazia em destaque a lista dos atores envolvidos na montagem de
Sœur
Philomène
:
Barnier: o sr. Antoine; Pluvinel: Hanryot; Malivoire: Bertin;
O cirugião: Dowe; O médico: Gaston Larchal; Um velhinho:
Edmond Marcel; Um interno: Chamoisel; Irmã Philomène: Mlle Deneuilly;
Romaine: Sylviac; Enfermeira plantonista: Barny; Primeira mulher: Luce
Colas; Segunda mulher: Goss (
Le Figaro
, 11 out. 1887, p. 3)8.
Na seção dedicada às primeiras representações da edição seguinte do
mesmo jornal, o crítico Auguste Vitu afirma que, encorajado pela simpatia
adquirida nas representações de
Une Nuit de Bergamasque
, de Émile Bergerat, et
En Famille
, de Metenier, o Théâtre Libre prometia novas surpresas em um
programa completo (
Le Figaro
, 12 out. 1887, p. 6). Esse era o caso de
Sœur
Philomène
. Segundo o crítico, como este não era o mais conhecido dos romances
dos irmãos Goncourt, o leitor de sua coluna não precisaria evocar lembranças
antigas porque sua crítica sintetizaria, em alguns parágrafos, todo o enredo da
trama:
A peça se passa inteiramente no Hôtel-Dieu, o primeiro ato, na sala de
descanso médico dos internos, que é ao mesmo tempo gabinete de
consultas, farmácia e refeitório; o segundo ato, na sala das mulheres
operadas, aprovisionada de dez leitos, dispostos em duas fileiras, entre
as quais é possível perceber, ao fundo, um altar com uma Virgem em
gesso pintado, algumas flores artificiais e três círios. O drama, que se
forma e se desenlaça nesse asilo dos sofrimentos humanos, é simples e
envolvente. O interno Barnier e a Irmã Philomène, uma das religiosas
agostinianas encarregadas secularmente do serviço do Hôtel-Dieu, se
conheceram e se estimaram nas cabeceiras dos doentes. O sentimento
puro e suave, que os atrai mutuamente, foi percebido sem que
provocasse comentários maldosos. Mas ele não ultrapassa os limites da
simpatia da parte do jovem interno, incrédulo e materialista, como todos
os estudantes de medicina. Barnier amou, e ainda ama, uma jovem do
8 Barnier: M. Antoine; Pluvinel: Hanryot; Malivoire: Bertin; Le Chirurgien: Dowe; Le Docteur: Gaston Larchal; Un
Petit Vieux: Edmond Marcel; Un Interne: Chamoisel; Sœur Philomène: Mlle Deneuilly; Romaine: Sylviac; La
Fille de garde: Barny; Première femme: Luce Colas; Deuxième femme: Goss.
Sœur Philomène
, dos irmãos Goncourt, das páginas aos palcos
Zadig Gama
Florianópolis, v.4, n.49, p.1-25, dez. 2023
15
Quartier Latin, chamada Romaine, que o deixou para viver aventuras
galantes. Subitamente, chamam o interno para supervisionar as
instalações de uma recém-chegada: é Romaine, acometida por um
câncer no seio, que exige uma operação quase imediata e, é a ele, Barnier,
que o cirurgião-chefe confia a execução. A cirurgia não é bem-sucedida,
e Romaine agoniza, enquanto a Irmã Philomène recita a reza da tarde.
Barnier, desesperado, acusa-a de ter faltado à caridade em relação à
pecadora que acabara de morrer, em seguida, ele retira o que disse e
suplica por seu perdão. A Irmã Philomène, sempre misteriosa e contida,
lhe responde somente: “Eu não sou uma mulher, eu sou apenas uma
serva do Senhor e o perdão pertence somente a Deus”. Depois, quando
fica sozinha, se ajoelha soluçando diante da morta que, esta sim, foi
amada (
Le Figaro
, 12 out. 1887, p. 6)9.
A intriga da peça é considerada por Vitu, ao mesmo tempo, simples,
surpreendente, escabrosa e lúgubre, em razão dos personagens e dos quadros
compostos por médicos, cirurgiões, jantares de estudantes que conversam sobre
a natureza e a extirpação de tumores enquanto se alimentam (
Le Figaro
,
12 out. 1887, p. 6). O crítico vai além e se indaga: “Como é possível suportar tais
tristezas e tais horrores?” (
Le Figaro
, 12 out. 1887, p. 6)10. A resposta para a essa
questão, segundo ele, vem do fato de o público de homens de letras e de artistas
ter sido pego, durante dois longos atos, por uma irresistível espécie de
encantamento.
No que se refere à adaptação de Jules Vidal e de Arthur Byl e às performances
de Deneuilly, esposa de Antoine à época, cujo nome verdadeiro era Pauline
Verdavoine (1838-1913), como Irmã Philomène, de Antoine como Barnier e de
Sylviac como Romaine sem deixar de lado Hanryot, que representou o estudante
9 La pièce se passe tout entière à l'Hôtel-Dieu, le premier acte dans la salle de service des internes, à la fois
cabinet de consultation, pharmacie et réfectoire; le second dans la salle des femmes opérées, garnie de dix
lits, disposés en deux rangées, entre lesquelles on aperçoit au fond un autel modestement garni d'une Vierge
en plâtre colorié, de quelques fleurs artificielles et de trois cierges. Le drame qui se noue et se dénoue dans
cet asile des souffrances humaines est simple et saisissant. L'interne Barnier et la Sœur Philomène, l'une
des religieuses Augustines chargées séculairement du service de l'Hôtel-Dieu, se sont connus et estimés au
chevet des malades. Le sentiment pur et doux, qui les attire l'un vers l'autre, a été remarqué sans qu'on ait
à en médire. Mais il ne dépasse pas les bornes de la sympathie de la part du jeune interne, incrédule et
matérialiste, comme presque tous les étudiants en médecine. Barnier a aimé, il aime toujours une fille du
quartier Latin, nommée Romaine, qui l'a quitté pour courir les aventures galantes. Tout à coup, on appelle
l'interne pour veiller à l'installation d'une nouvelle arrivante: c'est Romaine, atteinte d'un cancer au sein, qui
exige une opération presque immédiate et c'est à lui, Barnier, que le chirurgien en chef en confie l'exécution.
Elle ne réussit pas, et Romaine agonise, pendant que Sœur Philomène récite la prière du soir. Barnier,
désespéré, accuse Sœur Philomène d'avoir manqué de charité envers la pécheresse qui vient de mourir,
puis il rétracte ses paroles et la supplie de les lui pardonner. Sœur Philomène, toujours mystérieuse et
contenue, lui répond seulement: Je ne suis pas une femme, je ne suis que la servante du Seigneur, et le
pardon n'appartient qu'à Dieu’. Puis, lorsqu'elle est demeurée seule, elle s'agenouille en sanglotant devant la
morte, qui, elle, fut aimée.
10 Comment peut-on supporter de pareilles tristesses et de pareilles horreurs?
Sœur Philomène
, dos irmãos Goncourt, das páginas aos palcos
Zadig Gama
Florianópolis, v.4, n.49, p.1-25, dez. 2023
16
de medicina Pluvinel, amigo de Barnier –, Vitu tece comentários curtos, porém
elogiosos. Encerrada, finalmente, a crítica à primeira representação de
Sœur
Philomène
no Théâtre Libre, referindo-se aos atores dessa peça, Vitu declara:
“Todos esses jovens interpretam com um cuidado muitíssimo estudado, não como
amadores, como pessoas da sociedade, nem como cabotinos, mas como
verdadeiros artistas” (
Le Figaro
, 12 out. 1887, p. 6)11.
Na sequência da crítica à representação de
Sœur Philomène
, Auguste Vitu
avalia, em poucas linhas,
L'Evasion
, peça de Villiers de l'Isle-Adam, que encerrou
aquela noite no Théâtre Libre. A peça, que havia sido publicada na
Revue des
Lettres et des Arts
, em 1870, é entendida pelo crítico como apresentando algo
improvável de acontecer na vida real. Trata-se de um escravizado fugitivo que
hesita em matar um jovem casal que estava em seu caminho, deixando-se levar
preso novamente e ser reintegrado ao estabelecimento penitenciário de Toulon,
onde a morte o esperava, que ele havia tirado a vida de seu companheiro de
cela. Segundo o crítico, o que fez a engenhosa e quimérica peça de Villiers de l'Isle-
Adam ser aplaudida foi o desempenho dos atores e não o texto. A crítica às duas
primeiras peças encenadas na estreia da segunda temporada do Théâtre Libre
finalmente chega ao fim com a seguinte síntese: “Muito interessante
soirée
dessa
interessante empreitada do Théâtre Libre, que aliás não parece ambicionar o título
de Teatro Alegre” (
Le Figaro
, 12 out. 1887, p. 6)12. Vitu ainda acrescenta o seguinte
comentário que afirma ter ouvido de um jovem entusiasmado na saída do teatro:
“Aí estão duas peças que vão nos fazer ter pesadelos” (
Le Figaro
, 12 out. 1887,
p. 6)13.
Na mesma edição do
Figaro
em que Auguste Vitu fez sua crítica outra
crítica à adaptação de
Sœur Philomène
para o palco, essa assinada por Un
Monsieur de l'orchestre, pseudônimo utilizado por Émile Blavet (1828-1924) na
coluna La soirée théâtrale. Sua crítica destaca, dentre outros pontos, o público que
assistiu ao espetáculo: “Muitos chamados, poucos eleitos” (
Le Figaro
, 12 out. 1887,
11 Tous ces jeunes gens jouent avec un soin très étudié, non pas en amateurs, en gens du monde, ni en cabotins,
mais en véritables artistes.
12 Très intéressante soirée de cette intéressante entreprise du Théâtre Libre, qui d'ailleurs ne paraît pas briguer
le titre de Théâtre Gai.
13 Voilà deux pièces qui vont nous faire faire de mauvais rêves.
Sœur Philomène
, dos irmãos Goncourt, das páginas aos palcos
Zadig Gama
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17
p. 6)14. Essa frase se explica pelo fato de que, naquela noite, o Théâtre Libre
receberia somente aqueles que tivessem o convite para a estreia da segunda
temporada:
O Théâtre Libre. 9 de outubro de 1887.
O Senhor Conde de Villiers de l'Isle-Adam, o Senhor Jules Vidal e o Senhor
Arthur Byl têm a honra de convidá-los para assistir à representação que
acontecerá no Théâtre Libre, terça-feira, 11 do corrente, às 8h½.
L'ÉVASION
peça em um ato em prosa.
SŒUR PHILOMÈNE
peça em dois atos em prosa
(
Le Figaro
, 12 out. 1887, p. 6)15.
Apesar de, na ordem em que os títulos das peças aparecem no convite,
L’Évasion
constar antes de
Sœur Philo
mène, foi esta última que deu início à
segunda temporada do Théâtre Libre. Além da entrada somente por meio de
convite, Blavet destaca alguns elementos cênicos de
Sœur Philomène
que,
segundo ele, lhe deram a impressão de estar dentro de um quarto de hospital,
como a bacia de cobre na qual os estudantes de medicina se lavam após terem
decepado alguma carcaça humana, presente no primeiro ato, ou a dupla fileira de
leitos acortinados de onde se podia sentir a Morte (
Le Figaro
, 12 out. 1887, p. 6). De
L’Evasion
, Blavet destaca somente a atuação de Mevisto, o ator principal,
encerrando sua coluna, após poucas linhas sobre essa peça, em um tom elogioso
à nova fase do Théâtre Libre.
Na edição do dia 12 de outubro de 1887 do jornal
Le Gaulois
, Raoul
Toché (1850-1895), sob o pseudônimo de Frimousse, pôs em perspectiva as
condições do espaço no qual aconteceu a estreia da segunda temporada do
Théâtre Libre: “O Théâtre Libre abriu sua porta somente uma – e a passagem
de l'Elysée-des-Beaux-Arts reconquistou a animação com a qual estava
inacostumada” (
Le Gaulois
, 12 out. 1887, p. 3)16. Situado na então passagem de
14 Beaucoup d’appelés, peu d’élus.
15 Le Théâtre Libre. Le 9 octobre 1887. Monsieur le Comte de Villiers de l'Isle-Adam, Monsieur Jules Vidal,
Monsieur Arthur Byl vous prient de leur faire l'honneur d'assister à la Représentation qui sera donnée au
Théâtre Libre, le mardi 11 courant à 8h½. L'ÉVASION. Pièce en un acte en prose. UR PHILOMÈNE. Pièce
en deux actes en prose.
16 Le Théâtre Libre a ouvert sa porte il n'y en a qu'une et le passage de l'Elysée-des-Beaux-Arts a repris
son animation inaccoutumée.
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, dos irmãos Goncourt, das páginas aos palcos
Zadig Gama
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18
l'Elysée des Beaux-Arts, atual rua André Antoine, no 18º distrito da capital francesa,
o teatro a que Frimousse se refere é descrito por ele como estranho, pois nele
recebia-se bem e sentava-se mal.
Segundo Frimousse, durante as duas horas de espetáculo, podia-se sentir, ao
mesmo tempo, espanto e encantamento, o que seria uma extravagância em
qualquer outro teatro parisiense. O crítico acrescenta que o que considerava peça
propriamente dita não havia: tratava-se de uma história simples, encenada com
uma admirável perfeição de detalhes e interpretada com superioridade, o que o
levava a se indagar: “É realismo? É naturalismo?” (
Le Gaulois
, 12 out. 1887, p. 3)17.
Não encontrando resposta, conclui que o espetáculo foi lindamente envolvente e
que, no segundo ato, a longa e sinistra fileira de leitos cercada de cortinas brancas,
em um dos quais uma mulher doente agonizou, teve um efeito extraordinário de
prodigiosa intensidade de emoção.
Ao final do espetáculo, de acordo com o que declara o crítico, os
espectadores que o assistiram estavam ofegantes e os aplausos eram tão intensos
que a sala que os abrigava naquela noite estava a ponto de cair. Frimousse chama
a atenção também para as atuações de Hanryot (Pluviel), Bertin (Malivoire), Dowe
(cirurgião), Larchal (médico), que foram de uma naturalidade perfeita. a atuação
de Deneuilly (Irmã Philomène) foi descrita como tocante e a de Sylviac (Romaine)
como memorável. O destaque maior foi dado a André Antoine (Barnier), retratado
como um artista de raça que chegou a efeitos grandiosos pela simplicidade de
seus modos, sem nada de forçado, tampouco de melodramático, mantendo-se
em tom de conversa.
Após breves linhas sobre a representação de
L'Évasion
, Frimousse conclui
sua crítica declarando ter sido aquela uma de suas noites mais interessantes e
acrescenta: “Proponho uma moção: que a Opéra-Comique seja instalada
tranquilamente na passagem de l'Elysée-des-Beaux-Arts e, que se uma nova sala
for construída, que esta seja para o Théâtre Libre” (
Le Gaulois
, 12 out. 1887, p. 3)18.
A montagem e representação de
Sœur Philomène
, assim, inseriram essa obra
diretamente em uma nova proposta de dramaturgia, que visava fazer frente ao
17 Est-ce du réalisme? est-ce du naturalisme?
18 Je propose une motion: qu'on installe donc tranquillement l’Opéra-Comique au passage de l'Elysée-des-
Beaux-Arts, et, si l'on construit une nouvelle salle, que ce soit pour le Théâtre Libre.
Sœur Philomène
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Zadig Gama
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19
teatro burguês e pós-romântico:
[...] dominados durante trinta anos pelo trabalho de um pequeno grupo
de dramaturgos: as engenhosas comédias sociais de [Eugène] Scribe
[(1791-1861)]; as altamente estereotipadas sobre infidelidade marital e
reconciliação de [Victorien] Sardou [(1831-1908)] e o melodrama dos
problemas sociais do mundo das finanças e adultério na classe média-
alta, de [Guillaume-Victor-Émile] Augier [(1820-1889)] e de [Alexandre]
Dumas filho [(1824-1895)], que usavam um
raisonneur
, um personagem
carismático para expressar os valores esperados da audiência e apontar
a moral (Chothia, 2009, p. 2)19.
As inúmeras críticas e menções às peças representadas na estreia da
segunda temporada do Théâtre Libre, publicadas após o dia 12 de outubro de 1887,
apenas parafraseiam ou reproduzem tal e qual aquelas publicadas imediatamente
depois do alvoroço provocado por Antoine e sua trupe no dia 11 daquele mês20.
Destacam-se, das críticas e menções a essa montagem, textos como o de Jules
Prével que, na edição do dia 13 de outubro de 1887 do jornal
Le Figaro
, lembrou do
segundo ato, caracterizado como muito emocionante, e reproduziu, na sequência,
com a devida autorização de Jules Vidal e Arthur Byl, as cenas 4 e 7 do primeiro
ato da peça (
Le Figaro
, 16 out. 1887, p. 3). O escritor e jornalista Jules Lemaître
(1853-1914) parece ter sido um dos poucos críticos, senão o único, a relacionar
explicitamente a peça ao romance: “Há um andamento, uma progressão, um
começo, um meio e um fim? Não sei!... Mas ao menos, no romance, os sentimentos
dos dois personagens principais são explicados e desenvolvidos” (
Journal des
Débats
, 17 out. 1887, p. 1-2)21.
Cerca de um mês depois de sua montagem, corria a notícia de que havia
pouco sido publicada o texto da adaptação de
Sœur Philomène
para o teatro pela
editora de Léon Vanier (
Le Figaro
, 13 nov. 1887, p. 4).
19 [...] dominated for thirty years by the work of a small group of dramatists: [Eugène] Scribe’s [(1791-1861)]
dexterous social comedies; [Victorien] Sardou’s [(1831-1908)] high formulaic of marital infidelity and
reconciliation, and the social problems melodrama of high-finance and upper-middle-class adultery of
Auguier and Dumas fils who used a
raisonneur
, sympathetic character to voice the presumed values of the
audience and point the moral.
20 Das críticas e menções à representação de
Sœur Philomène
no teatro que foram publicadas durante o mês
de outubro na imprensa francesa, além dos textos mencionados, os textos de: sem assinatura (
Le
Temps,
13 out. 1887, p. 4); Parisis (
Le Figaro
, 14 out. 1887, p. 2); Jules Cougnard, com o pseudônimo de Lazarille
(
Gil Blas
, 13 out. 1887, p. 3); e Francisque Sarcey (
Le Temps
, 17 out. 1887, p. 4).
21 Y a-t-il une marche, un progrès, un commencement, un milieu et une fin? Eh ! je ne sais pas, moi… Mais au
moins, dans le roman, les sentiments des deux principaux personnages s'expliquent et se développent.
Sœur Philomène
, dos irmãos Goncourt, das páginas aos palcos
Zadig Gama
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20
Sœur Philomène
parte em turnê
Pouco mais de uma semana depois da estreia da segunda temporada do
Théâtre Libre, Antoine começou a colher os louros de sua empreitada. Nas edições
dos dias 19 de outubro de 1887 do jornal
Le Figaro
e do dia 21 do mesmo mês do
jornal
Gil Blas
era possível ler a seguinte notícia:
Na sequência do sucesso obtido, no Théâtre Libre, por
Sœur Philomène
,
um empresário italiano acabou de comprar dos dois jovens autores o
direito de representar a peça, no curso desta temporada, em Turim, em
Roma, e em Gênova. Isto para a Itália. Esperamos anunciar logo outra
novidade menos distante (
Le Figaro,
19 out. 1887, p. 6)22.
Esse foi apenas o começo da circulação internacional dos valores estéticos
defendidos pelo Théâtre Libre, que, na França, “revelou-se recentemente por meio
de ensaios literários provenientes de uma certa escola que se autointitula:
Escola
realista
ou
Escola naturalista
” (
Le Monde Illustré
, 22 out. 1887, p. 274)23.
O sucesso que o Théâtre Libre fez em sua estreia foi tamanho que se
encontrava nas páginas da edição do jornal
Le Figaro
do dia 9 de dezembro de
1887 a notícia de que, por volta do dia 10 de janeiro do ano seguinte, Antoine e sua
trupe sairiam em turnê por Bruxelas para representar, no Théâtre Royal du Parc, o
mesmo repertório representado em Paris, e no Théâtre Molière daquela cidade,
Soeur Philomène
(
Le Figaro
, 9 dez. 1887, p. 3). Os jornais franceses ainda assinalam
que uma das cinco representações dessa peça em Bruxelas contou com a ilustre
presença do militar, político e bibliófilo Henri d'Orléans (1822-1897), também
conhecido como duque d’Aumale (
Le Figaro
, 8 jan. 1888, p. 3).
Ainda em 1888, corria a notícia de que o sucesso obtido por
Sœur Philomène
tanto no Théâtre Libre quanto no Théâtre Molière, de Bruxelas, levou essa peça a
mais três teatros: Teatro de Montparnasse, de Grenelle e dos Gobelins, em Paris,
com a devida autorização de seus autores, tendo lugares reservados para a
imprensa (
Le Temps
, 26 fev. 1888, p. 3;
Gil Bla
s, 26 fev. 1888, p. 4). A partir de
22 À la suite du succès obtenu, au Théâtre Libre, par
Sœur Philomène
, un imprésario italien vient d'acheter aux
jeunes auteurs le droit de représenter la pièce, dans le courant de cette saison, à Turin, à Rome et à Gênes.
Voilà pour l'Italie. Nous espérons annoncer bientôt une autre nouvelle moins lointaine.
23 s'est récemment révélé par des essais littéraires partis d'une certaine école qui s'intitule elle-même:
École
réaliste
ou
École naturaliste
.
Sœur Philomène
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21
novembro daquele ano, é possível constatar, por meio de anúncios quase diários
na imprensa, a permanência dessa peça no repertório representado na capital
francesa, ora no teatro Bouffes-du-Nord na sequência de
Monsieur Alphonse
, peça
em três atos de Dumas filho (
Le Gaulois
, 18 nov. 1888, p. 3), ora no Théâtre Libre
(
Le Figaro
, 19 abr. 1889, p. 4), que naquele momento também levava à cena outras
obras dos irmãos Goncourt, como
Les Frères Zemganno
, adaptação do romance
homônimo feita por Paul Alexis e por Oscar Ménetiner, e
La Patrie en danger
,
escrita por Edmond de Goncourt.
Sœur Philomène
circulou não somente em países da Europa, como também
em países da África e da Ásia, como aponta a notícia do dia 20 de setembro de
1894 do jornal
Le Figaro
:
O Théâtre Libre deixa Paris no dia 27 do corrente para a viagem que foi
anunciada pelo sr. Antoine no último mês de maio. Repertório:
Le Baiser
,
la Nuit Bergamasque, Les Fossiles, Leurs Filles, l'Ecole des Veufs,
Monsieur Lamblin, la Dupe, les Tisserands, les Revenants, la Fille Élisa,
Lidoire, Boubouroche, Blanchette, La Tante Léontine, Sœur Philomène,
Belle Petite, En Détresse, Son Petit Coeur, En Famille, Une Faillite, Les
Fenêtres, Jacques Damour
. Esta viagem comporta os seguintes países:
Bélgica, Holanda, Alemanha, Polônia, Rússia, Turquia, Egito, Áustria,
Romênia, Bulgária, Grécia, toda a Itália, Suíça e Monte Carlo, Nice,
Marselha etc. (
Le Figaro
, 20 set. 1894, p. 4)24.
A grande turnê na qual o Théâtre Libre se lançou em 1894, apesar de, em
certa medida, denotar o êxito da empreitada de Antoine, na verdade foi uma
maneira eficiente que seu fundador encontrou para resolver seus problemas
financeiros. De acordo com a análise da correspondência de Antoine e dos
balanços financeiros do Théâtre Libre feito por David Bourbonnaud (2002), o
diretor viu nas turnês nacionais, e sobretudo nas internacionais, a possibilidade de
aumentar o volume de atividades e a credibilidade financeira do Théâtre Libre.
Dessa forma, quando fosse preciso entrar em contato com algum mecenas, sua
reputação permitiria afirmar o estatuto semiprofissional de sua empresa, levando-
o a conseguir financiamento. Vale ressaltar que, segundo Bourbonnaud, sua
24 Le Théâtre Libre quitte Paris le 27 courant pour le voyage qui a été annoncé par M. Antoine au mois de mai
dernier. Répertoire:
Le Baiser, la Nuit Bergamasque, Les Fossiles, Leurs Filles, l'Ecole des Veufs, Monsieur
Lamblin, la Dupe, les Tisserands, les Revenants, La fille Elisa, Lidoire, Boubouroche, Blanchette, la Tante
Léontine, Sœur Philomène, Belle Petite, En Détresse, Son Petit Coeur, En Famille, Une Faillite, les Fenêtres,
Jacques Damour
[...]. Ce voyage comporte les pays suivants: la Belgique, la Hollande, l'Allemagne, la Pologne,
la Russie, la Turquie, l'Egypte, l'Autriche, la Roumanie, la Bulgarie, la Grèce, toute l'Italie, la Suisse et Monte-
Carlo, Nice, Marseille, etc.
Sœur Philomène
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22
intenção não era a de cortar radicalmente os laços com a capital francesa, onde
pretendia desenvolver e renovar a criação dramática, mas de passar de uma
modesta companhia itinerante a uma prestigiada companhia residente.
Mesmo com problemas financeiros, o Théâtre Libre manteve-se em atividade
até 1897, quando mudou de nome para Théâtre Antoine, em cujos anúncios na
imprensa podia-se ler: “Na próxima semana,
Sœur Philomène
, umas das obras
mais reputadas do repertório do ex-Théâtre Libre, seria igualmente representada”
(
Le Figaro
, 8 dez. 1897, p. 4;
La Presse
, 10 dez. 1897, p. 3)25. Nos anos seguintes, é
possível ainda encontrar informes de que essa peça estaria em cartaz em Paris
entre janeiro e abril, e em outubro de 1898 e novembro de 1899.
Nas duas primeiras décadas do século XX, as críticas e menções a
Sœur
Philomène
na imprensa francesa ficam mais escassas, entretanto, por meio de
anúncios é possível verificar sua adaptação para o teatro continuou a ser montada.
Na edição do
Journal des Débats
do dia 9 de junho 1903, havia a notícia de que
Antoine estava prestes a deixar sua terra natal para sair em turnê pela “América
do Sul, começando pelo Rio de Janeiro. Entre outras peças, o sr. Antoine
representar[ia]
La Fille Élisa
, [...],
Jacques Damour
,
Sœur Philomène
[...]”26. Apesar
de não ter sido possível encontrar registros de que
Sœur Philomène
tenha sido
representada no Brasil, vemos na edição do jornal carioca
A Notícia
referente aos
dias 15 e 16 de outubro de 1902 “que o sr. Visconde de S. Luís de Braga, empresário
do Teatro D. Amélia, escriturou o sr. Antoine e a sua companhia para uma
tournée
pela América do Sul” e indica o mesmo repertório arrolado no jornal francês (
A
Notícia
, 15-16 out. 1902, p. 3).
Conclusão
O teatro, para a obra dos irmãos Edmond e Jules de Goncourt, constitui-se
primeiramente como um espaço de sociabilidade no qual não somente
entretinham-se enquanto espectadores, como também criavam laços de amizade,
que mais tarde se converteriam em alianças úteis no campo literário e artístico.
25 La semaine prochaine,
Sœur Philomène
, l'une des œuvres les plus réputées du répertoire de l'ex-Théâtre
Libre, sera[it] également représentée [...].
26 Amérique du Sud en commençant par Rio-de-Janeiro [...]. Entre autres pièces, M. Antoine jouera: La fille
Elisa, [...],
Jacques Damour, Sœur Philomène
[...].
Sœur Philomène
, dos irmãos Goncourt, das páginas aos palcos
Zadig Gama
Florianópolis, v.4, n.49, p.1-25, dez. 2023
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Em seguida, o teatro serviu de tema representado em suas obras literárias e de
material para textos críticos veiculados na imprensa. Finalmente, o teatro foi um
dos recursos aos quais Edmond de Goncourt recorreu, após a morte de seu irmão,
para colocar em circulação novamente os romances publicados havia algum
tempo, dessa vez por meio de adaptações. Esse é o caso de
Sœur Philomène
,
história de pouco sucesso de público e crítica à época de seu lançamento em livro,
em 1861, que encontrou o aplauso destes quando subiu aos palcos do Théâtre
Libre a partir de 1887. Da mesma forma como essa obra esteve inserida em uma
proposta de renovação das convenções poéticas da época de seu lançamento em
romance, participando da gênese do movimento naturalista em literatura, quando
adaptado para o teatro, para além de ter feito os valores estéticos da obra
goncourtiana alcançarem um novo público, inseriu-se nas propostas de renovação
poética ligadas à dramaturgia do final do século XIX.
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A Notícia
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Recebido em: 02/08/2023
Aprovado em: 15/11/2023
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