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As Escolas de Circo no Brasil e a presença das
mulheres na formação circense
Eliana Rosa Correia
Para citar este artigo:
CORREIA, Eliana Rosa. As Escolas de Circo no Brasil e
a presença das mulheres na formação circense.
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas,
Florianópolis, v. 1, n. 46, abr. 2023.
DOI: http:/dx.doi.org/10.5965/1414573101462023e0109
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As Escolas de Circo no Brasil e a presença das mulheres na formação circense
Eliana Rosa Correia
Florianópolis, v.1, n.46, p.1-22, abr. 2023
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As Escolas de Circo no Brasil e a presença das mulheres na formação
circense
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Eliana Rosa Correia
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Resumo
A abertura das escolas de circo no Brasil favoreceu uma amplitude para a
aprendizagem dos saberes circenses e abrigaram uma dimensão interdisciplinar
dessas práticas, apresentando-se como proposta à formação de novos artistas
circenses. Para expandir esse diálogo, este artigo visa refletir sobre a formação do
circense brasileiro e os desdobramentos pedagógicos desenvolvidos por Amercy
Marrocos e Delisier Rethy, que trabalharam como professoras em escolas de circo
no Brasil, demonstrando que era possível formar pessoas nascidas “fora da lona”.
Essas mestras colocaram às avessas muitos valores depositados à presença da
mulher no universo circense e construíram narrativas sob referenciais femininos na
formação e na pedagogia dos saberes do circo, ampliando a influência das artes
circenses na cena brasileira.
Palavras-chave
: Circo. Escola. Formação. Mulheres. Pedagogia.
Circus Schools in Brazil and the presence of women in circus training
Abstract
The opening of circus schools in Brazil favored a range for learning circus knowledge
and sheltered an interdisciplinary dimension of these practices, presenting itself as
a proposal for the formation of new circus artists. To expand this dialogue, this article
aims to reflect on the formation of the circus in Brazil and the pedagogical
developments developed by Amercy Marrocos and Delisier Rethy, who worked as
teachers in Brazilian circus schools, demonstrating that it was possible to train
people born “off the canvas”. These masters turned upside down many values
deposited to the presence of women in the circus universe and built narratives based
on female references in the formation and pedagogy of circus knowledge, expanding
the influence of circus arts in the Brazilian scene.
Keywords
: Circus. School. Formation. Women. Pedagogy.
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Parte deste artigo resulta da publicação A Formação Circense no Brasil: a presença das mulheres na
pedagogia das artes do circo, realizada nos Anais do XI Congresso da ABRACE Associação Brasileira de
Pesquisa e Pós-graduação em Artes Cênicas. V21 (2021), file:///Users/elianarosacorreia/Downloads/5378-
Texto%20do%20artigo-15489-1-10-0211201%20(1).pdf
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Revisão ortográfica e gramatical do artigo realizada por Graziele Cristina Ribeiro, graduada e licenciada em
Letras, pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
3
Doutoranda em Artes, pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Mestrado em
Comunicação e Semiótica, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Graduação em Artes
Cênicas Direção Teatral, pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). eliana.correia@unesp.br
http://lattes.cnpq.br/7200256230963296 https://orcid.org/0000-0002-1435-4868
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Escuelas de circo en Brasil y la presencia de mujeres en la formación circense
Resumen
La apertura de escuelas de circo en Brasil favoreció una gama para el aprendizaje
de saberes circenses y cobijó una dimensión interdisciplinaria de estas prácticas,
presentándose como una propuesta para la formación de nuevos artistas circenses.
Para ampliar este diálogo, este artículo tiene como objetivo reflexionar sobre la
formación del circo en Brasil y los desarrollos pedagógicos desarrollados por Amercy
Marrocos y Delisier Rethy, quienes actuaron como maestras las escuelas de circo
brasileñas, demostrando que era posible formar personas nacidas “fuera de la lona”.
Estas maestras trastornaron muchos valores depositados sobre la presencia de la
mujer en el universo circense y construyeron narrativas a partir de referentes
femeninos en la formación y pedagogía del saber circense, ampliando la influencia
de las artes circenses en la escena brasileña.
Palabras clave
: Circo. Escuela. Formación. Mujeres. Pedagogía.
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Introdução
No período que corresponde os anos de 1950 a 1970, os saberes circenses no
Brasil, eram transmitidos tradicionalmente e apenas pelos grupos familiares ou
“sob a lona”. Os artistas circenses nasciam no circo ou se juntavam a ele e, desse
modo, o processo de formação e aprendizagem tinha início desde o seu
nascimento. De acordo com Silva (2003), o circo herdou dos artistas ambulantes
e saltimbancos a transmissão do saber de geração em geração. No Brasil, a partir
do início do século XIX, registra-se a presença de várias famílias circenses
europeias que chegou no país, trazendo a tradição da transmissão exclusivamente
oral do saber circense. Silva (2003, p. 34) comenta:
O circo herdou dos artistas ambulantes e saltimbancos uma
característica importante: a transmissão do saber de geração a geração.
Desde 1770, formaram-se dinastias circenses que saíram da Europa
Ocidental. A arte circense era transmitida de pai para filho. No Brasil, a
partir de 1830, registra-se a presença de várias famílias circenses
europeias. Muitas chegaram como saltimbancos, trazendo a tradição da
transmissão oral dos seus saberes.
No circo tradicional, o processo de ensino e aprendizagem era estruturado
em torno da família, sendo que a formação começava com as crianças, o que
caracterizava a representação da continuidade dos saberes de uma geração para
outra. Contudo, nem todas as crianças eram aptas ou queriam aprender números
que implicassem risco, mas, nem mesmo nestes casos, deixavam de trabalhar em
outras atividades que não exigissem a destreza corporal. Entravam em esquetes,
gags, atuavam nas peças teatrais, participavam da organização do circo,
trabalhavam na parte técnica, na armação e desarmação da lona e também na
bilheteria.
Para as crianças e os jovens, era muito comum aprender a tocar
instrumentos, cantar e dançar. Os números de risco não eram os únicos
apresentados durante o espetáculo e sempre havia o que aprender. De acordo
com a pesquisadora Erminia Silva (2016, p. 23), “a criança seria não a
continuadora da tradição, mas também um futuro mestre. Para ser um circense,
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tinha que assumir a responsabilidade de ensinar à geração seguinte”.
Ao longo de seu processo de aprendizagem, a criança “aprendia a aprender”
(Silva, 2016, p. 23) e assim ensinaria quando fosse mais velha. O contato com a
geração seguinte era permanente, havendo um envolvimento direto na
aprendizagem.
Nesse sentido, a formação circense, desenvolvida pela família de circo
tradicional, tornava-se uma rica produção cultural, com uma multiplicidade de
linguagens artísticas e técnicas, que transformava o circo em uma escola
completa. Sobre essa questão, Kronbauer e Nascimento (2017, p. 581) pontuam:
Desde pequenas companhias de circo-teatro até empresas circenses
maiores, sua organização social no século XX se manteve, em grande
medida, edificada sobre o núcleo familiar. Entre os elementos que
garantiram a sua sobrevivência, são apontados valores como a tradição,
a família, a maestria, a itinerância e, como eixo que conjuga todos eles, o
conhecimento. Transmitir para as novas gerações as técnicas, o trabalho,
os modos de se fazer circo sempre foi determinante para a sobrevivência
da instituição.
A partir das décadas de 1950 e 1960, esse modo de organização do trabalho,
cuja transmissão oral dos saberes era transferida para a geração seguinte, começa
a ser repensado. O ensino e a aprendizagem dentro da própria estrutura do circo-
família, a produção do espetáculo e o próprio circense começam a passar por
transformações significativas (Silva, 1996).
Nesse período, alguns artistas circenses iniciaram a busca por uma educação
“formal” para os seus filhos, deste modo, muitos deixaram de ser portadores dos
saberes circenses e aqueles que permaneceram trabalhando nos circos de lona
começaram a perder o aprendizado coletivo como condição de formação. A
configuração de multiplicidade aos poucos foi se modificando para especialidades,
não dos números apresentados, mas também em relação à parte
administrativa do circo.
As transformações ocorridas no modo de organização do circo,
particularmente no ensino/aprendizagem, foram aos poucos consolidando a ideia
de se montar uma escola de circo no Brasil. Esse conceito esteve presente nos
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debates e nas ações de várias pessoas envolvidas direta ou indiretamente com o
cotidiano dos circos de lona ou de famílias tracionais circenses.
Esses questionamentos faziam parte de um movimento que ia além das
terras brasileiras, acontecendo simultaneamente no Brasil e em diversos outros
países (Matheus, 2016). Desde o início do século XX, existiam escolas de circo
em vários países do mundo, como em Moscou e Pequim. Entretanto, apesar da
importância social e cultural da formação dessas escolas, somente depois de
muitos anos é que se percebeu uma movimentação mais efetiva voltada para a
multiplicação de se ensinar as artes circenses fora daqueles países.
A partir da década 1970, essas ideias se consolidaram e iniciou-se um
processo que levou à criação das escolas de circo no Brasil. Na cidade de São
Paulo, um grupo formado por profissionais e componentes de famílias tradicionais
circenses fundou, em 1978, a Academia Piolin de Artes Circenses (APAC) e na
cidade do Rio de Janeiro, em 1982, a Escola Nacional de Circo (ENC). Essas escolas
se multiplicaram pelo Brasil e jovens e adultos, artistas da cena e todos que
demonstravam interesse nas artes do circo tiveram a possibilidade de aprender
suas técnicas e seus saberes.
Para Duprat (2014), a multiplicação dessas escolas foi decisiva para a
democratização desse tipo de saber que se encontrava enraizado nas tradições
circenses. De acordo com Benício (2018), na década seguinte, temos no Brasil uma
multiplicidade de companhias que incorporaram o universo do circo em suas
pesquisas teatrais. A autora relata:
A década de 1990 é marcada pela multiplicidade de companhias que se
formam tendo como ideologia o teatro de grupo, incorporando às suas
pesquisas de linguagem teatral o universo do circo. Esses grupos são
influenciados pelas escolas de circo, surgidas na década anterior, assim
como pelo movimento do Novo Circo, iniciado pelo Cirque de Soleil, no
Canadá, e Archaos, na França. Através da criação de uma série de
espetáculos, os grupos conseguem desenvolver experimentos que
mesclam essas linguagens, criando novas perspectivas, além de se
utilizarem do espaço da rua e espaços não convencionais (Benício, 2018,
p. 219).
A abertura das escolas de circo favoreceu a possibilidade da aprendizagem
dos saberes circenses em locais diferenciados, como as escolas especializadas, os
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centros culturais e as escolas formais e não formais. Do mesmo modo do teatro
e da dança, o circo deixou de ser uma atividade unicamente profissional, tornando-
se o foco de muitos estudos, que enfatizam sua história, sua teatralidade, suas
relações sociais e culturais, assim como o desenvolvimento prático das atividades
circenses com fins educativos e sociais (Duprat, 2007).
Deste modo, favorecer nos diversos âmbitos educacionais as artes circenses
permitiu resgatar diversificadas fontes de informação e cultura, ampliando os
conhecimentos acerca dos saberes circenses e a construção de uma pedagogia
que antes era somente realizada dentro dos circos e pelas famílias tradicionais
circenses.
A dimensão interdisciplinar dessas práticas apresentou-se como proposta à
formação de novos artistas circenses, tal como a formação de artistas do teatro e
da dança, que buscaram nas artes circenses um novo modo para ampliar suas
criações artísticas. Muitos, depois de formados, foram trabalhar nos circos
brasileiros e internacionais, ou fundaram grupos e companhias, algumas com mais
relevância, como o Teatro de Anônimo, a Intrépida Trupe, os Parlapatões, Nau de
Ícaros, entre muitos outros (Benício, 2018).
Amercy Marrocos e a formação circense na Academia Piolin de
Artes Circenses em São Paulo
A Associação Piolin de Artes Circenses foi fundada, em 1976, sob a
coordenação de Francisco Colman, que na época atuava como artista e
empresário circense e, em 8 de agosto de 1978, a Academia Piolin de Artes
Circenses foi inaugurada. De acordo Matheus (2016), a Academia Piolin foi o
resultado de ações diversas de circenses provenientes de circos itinerantes de
lona, que, preocupados com o futuro das artes do circo, se juntaram para tornar
essa escola uma realidade.
De acordo com Lopes, Silva e Bortoleto (2020), muitos desses circenses que
foram trabalhar como professores na Academia, buscando unificar seu modo de
ensino, seguiram um manual intitulado “Monografia de Artes Circenses”, escrito
por Francisco Colman, entre 1976 e 1977. Colman era de família tradicional de circo
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e filho de circenses, foi literato, acrobata, ator e diretor, teve seus textos editados
em jornais e revistas e adaptados para o cinema e para peças de teatro e circo-
teatro. Os autores completam:
[...] o trabalho de Francisco Colman caracteriza-se como uma publicação
que organiza muito dos saberes circenses, tanto do próprio Colman,
como de Raul Olimecha, e que foi empregada como base para o currículo
da Academia Piolin, instituição que formou importante geração de artistas
circenses “para fora da lona”. Francisco Colman demonstrou apreço e
didatismo na composição de sua Monografia, evidenciando a
complexidade dos conhecimentos detidos pelos circenses,
principalmente referentes ao corpo, que sua obra se destinava
intensamente aos exercícios e às técnicas corporais acrobáticas
realizados em diversos aparelhos. Além disso, seu trabalho evidencia seu
esforço didático e pedagógico, uma vez que tratou de aspectos de
segurança, indicou vestimentas apropriadas às práticas e classificou
faixas etárias para as atividades e os elementos técnicos das
modalidades circenses com certo grau de detalhamento, buscando
ilustrar truques e exercícios com gravuras e fotografias diversas (Lopes;
Silva; Bortoleto, 2020, p.155).
De acordo com Lopes, Silva e Bortoleto (2020), dos muitos professores que
desenvolveram formações na Academia, podemos destacar: Leonardo Temperani
(aramista e globista), Roger Avanzi (palhaço e ciclista), (atirador de facas), Gibe
Fernandes (palhaço), Abelardo Pinto (trapezista e paradista), Zoraide Savala
(contorcionista), Juscelino Savala (acrobata de solo) e Amercy Marrocos (acrobata),
a qual destaco nesse artigo.
A Sra. Amercy Marrocos, nasceu em São Fidelis, no Rio de Janeiro, em 1940.
Acrobata, saltadora, paradista e equilibrista de rola; filha de Marrocos (Américo de
Paula) e Juracy Fabbri de Paula. Ela estreou aos quatro anos fazendo parada de
mão no Duo Marrocos com os pais e, aos quinze anos, começou a se apresentar
na corda e na rola. Integrou o Trio Marrocos com as irmãs Tania e Sadia, casou
com Jaime Rodrigues, o palhaço Mulambo, que conheceu no Circo do Cheiroso.
Após um período neste circo, o casal voltou a trabalhar com Marrocos e, em
seguida, adquiriu o Circo Iranjá, o qual foi vendido quando foram contratados pela
família do Circo Canelas.
Quando Amercy iniciou o trabalho na Academia Piolin, o Sr. Colman era o
diretor e conhecia a sua família. Nessa época, ela foi contratada junto a outros
professores do circo tradicional itinerante. Devido
à
demora para o local da escola
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ser finalizado, as aulas foram iniciadas no Estádio Pacaembu, em S
ã
o Paulo
(Helena, 2003).
Após um período nesse espaço, a Secretaria de Cultura forneceu uma lona
de circo e solicitou que todos os professores da Academia Piolin de Artes
Circenses fossem trabalhar no Festival de Verão do Guarujá, onde teve a estreia
oficial do Circo Escola Piolin. Começaram a ensinar todas as modalidades que
aprenderam no circo familiar e, segundo Amercy Marrocos, ela desenvolvia tudo o
que aprendeu no circo tradicional, como a corda indiana, solo, parada de mão e,
com outros professores, também colaborava em outras modalidades.
Foi a primeira vez que esses profissionais lecionavam em uma escola. Antes,
toda a formação era feita dentro dos próprios circos, com as famílias e os artistas
experientes do picadeiro. Os professores da Escola desciam para o litoral no fim
de semana, para ministrar as aulas e depois fazer miniespectáculos com os alunos.
Dona Amercy montava o bailado com as crianças e os adolescentes.
Em entrevista concedida
à
pesquisadora Emanuela Helena, criadora do site
Academia Piolin de Artes Circenses, Amercy Marrocos relata uma parte do trabalho
que realizava nessa escola:
[...] a gente tinha muitos alunos de S
ã
o Paulo. J
á
!
t
í
nhamos Regina, Gil,
Luis Ramalho, Ver
ô
nica Tamaoki, Everton de Castro e Claudia Gimenez.
T
í
nhamos uma porção de gente. Esse grupo de pessoas tinha o
Abracadabra, uma trupe que existe at
é
hoje. Foram para l
á
e aprenderam
com a gente. Ninguém sabia nada, foi a primeira escola de circo!
(Marrocos apud Helena, 2003,
online
).
Quando terminou o Festival de Verão, a TV Cultura propôs para a direção da
Academia Piolin de Artes Circenses a gravação do programa Bambalal
ã
o
4
dentro
da lona da escola, agora instalada no Anhembi. A Sra. Amercy se tornou a diretora
dos números circenses que participariam do programa. Ela contratava a equipe e
os artistas para se apresentarem aos sábados, nas gravações dos programas.
Nessa época, a Amercy Marrocos e os outros professores ministravam as
4
Bambalalão foi um programa infantil exibido pela TV Cultura de São Paulo, de 1977 a 1990, apresentado por
Gigi Anhelli e Silvana Teixeira. Era ambientado em um cenário similar a um circo e contava com a
participação de alunos da pré-escola e do Ensino Fundamental de escolas previamente inscritas. Deixou de
ser exibido em 2 de julho de 1990 após 13 anos no ar.
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aulas durante a semana e, aos sábados, gravavam o programa com os alunos.
Durante a semana, eles preparavam os estudantes para realizar números e
participações no programa e, na medida em que os alunos iam se
profissionalizando, participavam cada vez mais dos números e quadros.
Na entrevista concedida a Emanuela Helena, a Sra. Amercy relata sobre o
término do contrato com a TV Cultura, informando que a escola continuou seu
funcionamento no mesmo local, até ser embargada por problemas estruturais e
por falta de manutenção. Ela menciona que sem a verba e o apoio da Secretaria à
qual a Academia Piolin estava vinculada, a escola teve que desmontar o circo e
fechar suas portas no ano de 1983 (Helena, 2003).
Aulas em baixo do tobogã do Pacaembu, no período inicial de funcionamento da escola -
Fotógrafo não identificado. Amercy Marrocos, está em pé de costas. Foto publicada pela
pesquisadora Emanuela Helena no site da Academia Piolin.
5
Acervo: Verônica Tamaoki
Com o fechamento da Academia Piolin, outros espaços voltados para o
ensino das artes circenses ocorreram, porém, ao contrário da Piolin, eram
iniciativas de natureza não governamental. Na cidade de São Paulo, em 1984, houve
a fundação da primeira escola de circo de iniciativa privada a Circo Escola
Picadeiro, coordenada por José Wilson Leite, de tradicional família circense. A Sra.
5
Disponível em: https://academiapiolin.wordpress.com/2012/07/29/aula-debaixo-do-toboga-do-pacaembu/
Acesso em: 23 mar. 2023.
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Amercy também trabalhou nessa escola como professora e depois no projeto
Enturmando, na qual a Escola Picadeiro, com apoio do Governo do Estado, ampliou
as aulas de circo para as regiões periféricas de São Paulo. A mestra relembra:
[...] aprovaram o projeto “Enturmando” na gestão do Quércia e fomos dar
aula na periferia. Cada lugar longe tinha um circo escola. Começaram a
contratar professores e todo mundo queria sair do circo para dar aula. Na
época, o Z
é
!
mandou me chamar e eu fui uma das primeiras. Nas escolas
de circo, eu sempre era uma das primeiras a ser chamada. Primeiro foi a
Piolin, onde sou pioneira, depois o projeto Enturmando, onde também dei
aula. Nesse projeto, fiz um espetáculo com 240 crianças. Tinha outros
professores, mas quando
é
um trabalho em conjunto sempre tem um
que trabalha mais... E sempre fui eu porque eu sempre adorei fazer isso
e agarrava mesmo o trabalho com garra! (Marrocos apud Helena, 2003,
online
).
Amercy Marrocos começou a ministrar aulas de circo, em 1978, e teve uma
longa trajetória como mestra circense. Nos diversos projetos nos quais trabalhou,
desenvolveu sua pedagogia, na qual a oralidade e os saberes eram ensinados como
ofício e técnica, fosse este para crianças ou adultos. A experiência dessa artista e
professora de circo em São Paulo nos mostra que é possível formar pessoas
nascidas “fora da lona”.
Delisier Rethy e o ensino circense na Escola Nacional de Circo,
no Rio de Janeiro
Durante o período de consolidação da Academia Piolin em S
ã
o Paulo, outros
artistas de família tradicional circense desejando montar uma escola de circo
estavam se movimentando também em outros Estados do país. No Rio de Janeiro,
Franco Olimecha tinha como proposta a constru
çã
o de uma escola de circo e seus
argumentos se baseavam em pressupostos semelhantes aos circenses paulistas.
As famílias tradicionais do Rio de Janeiro também acreditavam que a tradição
familiar não seria suficiente para garantir e perpetuar a arte circense ao longo do
tempo. Acreditavam que uma escola de circo poderia promover a democratização
da informação e a ampliação de oportunidades. Angelo (2009, p. 30) comenta:
Como em S
ã
o Paulo, o amadurecimento de formação de uma escola
circense foi ganhando força entre os artistas cariocas. A proposta de uma
Escola Nacional de Circo chegou ao Serviço Nacional de Teatro, em 1974,
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quando assumia a direção Orlando Miranda. O projeto da Escola iniciava
seu desenvolvimento dentro de uma organização pública, de caráter
nacional, através do herdeiro de Franco Olimecha, o também circense
Luis Franco Olimecha. A criação do Instituto Nacional das Artes Cênicas
por Alísio Magalhães, em 1981, incorporadas às áreas j
á
absorvidas pelo
Serviço Nacional de Teatro foi o último passo necessário para a
consolidação e fundação, em maio de 1982, da Escola Nacional de Circo
no Rio de Janeiro.
No período que antecedeu a criação da Escola Nacional de Circo, no Rio de
Janeiro, o país estava vivendo sob um regime militar. Ernesto Geisel era o
Presidente da República e foi durante o seu governo que se deu o início do
processo de redemocratização do país. À frente do Ministério da Educação e
Cultura, o MEC, estava Ney Braga, e entre suas ações, destacamos a Política
Nacional de Cultura, de 1975, e a criação da Lei Federal 6.533/1978, que dispunha
sobre a regulamentação das profissões de artistas e de técnicos em Espetáculos
de Diversões, a reestruturação do MEC e a criação do Instituto Nacional de Artes
Cênicas – INACEN.
De acordo com Kronbauer e Nascimento (2017), o alargamento na estrutura
do MEC refletiu a intenção de envolver diversas formas de manifestação cultural.
De certa forma, assim como se ampliaram os investimentos culturais
contemplados pelas políticas de cultura, aumentou a influência dos ideais
hegemônicos expressos no Plano Nacional de Cultura, o PNC de 1975. Kronbauer e
Nascimento (2017, p. 590) escrevem:
Por intermédio da relação que se estabelecia com o governo e frente ao
cenário amplamente favorável à produção cultural brasileira, promovido
pela Política Nacional de Cultura de 1975, inaugurou-se uma política de
apoio aos circos que resultou, entre outras ações, no “Projeto Circo”.
(Ministério da Educação e Cultura, 1977). Este documento tratava da
criação da Escola Circense da América Latina”. Com o timbre do
Ministério da Educação e Cultura, mas sem assinaturas, especificava a
utilização de um terreno, para a construção de um complexo circense na
Praça da Bandeira, Rio de Janeiro”. O Projeto Circo veio trazer
alternativas para minimizar os principais problemas que o circo
vinha enfrentando.
A Escola Nacional de Circo ENC pôde ser constituída em 13 de maio
de 1982. Ela foi idealizada por Luís Olimecha e Orlando Miranda e está localizada
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na Praça da Bandeira, onde eram armados os circos no final do século XIX e início
do XX.
A inauguração da ENC trouxe a possiblidade de solucionar a maior
preocupação dos circenses: a falta de artistas profissionais no Brasil. Conforme já
mencionado, as crianças descendentes de famílias circenses estavam deixando o
circo para desenvolverem uma educação formal, e outra questão agravava essa
preocupação: a contratação de artistas profissionais para trabalhar nos circos
brasileiros, que ficava cada vez mais difícil.
Para resolver esse problema, seria necessário apostar na formação de
profissionais qualificados no Brasil e fora do circo tradicional. O processo de
aprendizagem que acontecia “sob a lona”, no contexto familiar, passaria agora a
ser realizado em uma escola formalizada.
De acordo com Kronbauer e Nascimento (2017), as relações de trabalho no
início da Escola Nacional de Circo foram desafiadoras, pois era a primeira vez que
circenses estariam ensinando fora do circo familiar e trabalhando com alunos de
perfis distintos e que, em sua maioria, não eram de família circense.
Segundo as autoras, no livro de matrícula da primeira turma da Escola
Nacional de Circo, 168 alunos ingressaram no curso em 1982. Eram crianças de 7
a 14 anos, filhos de pais e mães comerciantes, industriários, ferroviários,
advogados, professores, trabalhadores da construção civil, secretários, bancários,
enfermeiros, cabelereiros, funcionários públicos, artistas, teatrólogos, militares,
carpinteiros, trabalhadores do lar, entre outros muitos residentes nas
proximidades da escola. Apenas sete crianças eram filhos de famílias circenses.
No ano de 1983, mais algumas crianças se uniram a esta turma e cerca de 60
alunos participaram assiduamente dos primeiros dois anos do curso de Iniciação.
Desses, 45 concluíram com a formatura realizada no dia 20 de agosto de 1984, e
35 deram sequência ao curso, concluindo a etapa profissionalizante em maio de
1986 (Kronbauer e Nascimento, 2017).
Na sua inauguração, a escola contava com um time de professores, todos
artistas de tradicionais famílias de circo, entre eles Augusto Bastos, Roby Rethy,
Don Seppel, Edvar Ozon, Bernardo Farfan, George Laysson, Armando Pepino,
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Rogério Sá, Aberaldo Costa e Ubirajara Henriques. Dos professores contratados,
nove eram homens e apenas duas eram mulheres, Nelsa Matos e Maria Delisier
Rethy, que recebe destaque a seguir.
A Sra. Delisier Rethy foi professora da Escola Nacional do Circo (ENC) desde
1982. Nasceu em 8 de outubro de 1939, é filha de artistas circenses, nasceu e
cresceu no circo. Foi casada com Edvar Ozon, já falecido e também foi circense e
professor da ENC. Juntos dirigiram o circo Hong Kong e tiveram dois filhos que
também frequentaram a ENC. Enquanto realizava sua arte circense, executou
números de equilíbrio, trapézio, parada de mãos, patins, número de contorção, lira
e bambu. Trabalhou em diversas companhias, entre elas: Águias Humanas,
Stevanowich, Romano, Robattini, Gomes, Cosmopolitano e Circo Garcia, com o
qual viajou em turnê para o exterior, entre muitos outros (Circodata, 2016).
Frame do vídeo comemorativo dos 35 anos da ENC. Primeiros Professores contratados da
Escola Nacional do Circo. No centro à esquerda, Delisier Rethy, ao seu lado, Nelsa Matos.
6
As
fotos exibidas no vídeo comemorativo dos 35 anos da ENC. Acervo: Escola Nacional de Circo.
Delisier Rethy lecionou aulas de patins, passeio aéreo, corda indiana, bambu,
percha, tecido marinho e lira. Foi umas das primeiras professoras de acrobacia
aérea em tecido do Brasil. No vídeo “Escola Nacional de Circo: 35 anos” foram
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Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=g4B08v4uMJ0&t=5s. Acesso em: 28 jan. 2023.
As Escolas de Circo no Brasil e a presença das mulheres na formação circense
Eliana Rosa Correia
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realizadas entrevistas com os professores da ENC e Delisier Rethy relatou:
Meu mestre foi meu pai, que me ensinou todas as modalidades de circo,
tudo! Minha família era circense, eles profissionais circenses também e
eu nasci e me criei em circo. Eu fui trapezista, trabalhei em número de
equilíbrio, fiz corda indiana, fiz vários aparelhos, sempre na altura. E hoje
eu passo para os alunos o que eu aprendi, o que eu sempre trabalhei,
com alturas, aéreas. Então pra mim é gratificante, maravilhoso! Eu me
sinto realizada! Fazer parte da Escola, pra mim é tudo. Pra mim é estar
sempre presente na minha carreira, embora eu não exerça mais no
picadeiro, mas eu me sinto realizada vendo os alunos fazerem aquilo que
eu fiz um dia, então, pra mim, é maravilhoso! Os alunos me ensinam
muito, eu aprendo muito com eles. O tecido, quem me ensinou tecido
foram os próprios alunos, porque eu mandava eles fazerem um truque e
daí eu via que poderia sair outra coisa. Daí eu peço para eles fazerem
aquilo que eu acho que certo, e dá! Então eu vou aprendendo também
com eles. Eu acho que embora a Escola tenha 25 anos, até hoje ela
sobreviveu e faltou muita coisa pra ela ser o que ela tinha que ser. Eu
acho que Escola é o futuro do circo, porque eles estão fazendo novos
artistas, uma nova geração circense, e é a que o vai deixar o circo
morrer aqui no Brasil. São esses artistas que estão aprendendo aqui na
escola, que vão ser a nova geração do circo. Eu fui convidada para
trabalhar na escola pelo Orlando Miranda, fundador da ENC e ex-diretor
do Serviço Nacional de Teatro. Fui a primeira professora a assinar a
carteira como funcionária da Escola Nacional de Circo, em 1982. No
começo foi quase como uma experimentação, não se sabia se daria certo
ou não e deu certo, deu muito certo a Escola (Funarte, 2018,
online
).
Em entrevista para as pesquisadoras Gl
á
ucia Andreza Kronbauer e Maria
Isabel de Moura Nascimento (2017), Delisier Rethy relatou que o programa inicial
para a primeira turma profissionalizante da ENC estava organizado por três
diferentes grupos de conteúdos. O primeiro tratava das matérias básicas do artista
circense, como arame, acrobacia, ícarios, equilibrismo, equitação, malabarismo,
adestramento de animais, trapézio, barras, argola e palhaço. O segundo tratava de
matérias teóricas, como História da Arte e História das Artes Circenses, enquanto
o terceiro abordava os conhecimentos de técnicas em espetáculo, administração
e secretaria circense, contrarregra, tratamento de animais, primeiros socorros etc.
“No começo eram aulas somente sobre o circo. Explicava como se armava um
aparelho, essas coisas todas, porque a gente falava pros alunos: você não pode
chegar em um circo e não saber armar o seu aparelho” (Rethy apud Kronbauer;
Nascimento, 2017).
A pesquisadora Maria Clara Lemos foi aluna de Delisier Rethy na Escola
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Nacional de Circo e escreveu em sua dissertação de mestrado a experiência de
aprender com uma mestra, que ensinava com “transferência positiva de
aprendizagem”. Ela comenta:
Em 1997, a Escola Nacional de Circo promoveu o evento Universidade do
Circo, refletindo o investimento da Alliance Fran
ç
aise na promo
çã
o do Le
Nouveau Cirque (o Novo Circo). Participante do evento, G
é
rard Fasoli
(Fran
ç
a) ministrou oficinas de Tecido. Esta série de acontecimentos
fortaleceu a presença do Tecido no país. Maria Delisier Rethy, apesar de
não ter vivenciado o Tecido em sua época de picadeiro, começou a
ensinar esse “novo” aparelho na Escola Nacional de Circo e a coreografar
e dirigir números de Tecido acrobático com tanta habilidade que se
tornou referência para essa modalidade, um caso exemplar de
transferência positiva de aprendizagem, em que a influência de
experiências anteriores “em uma tarefa inicial
é
benéfica
à
atividade de
uma segunda tarefa”. Ela ensina baseando-se em seus conhecimentos
anteriores sobre outros aparelhos aéreos, como Bambu, Corda Simples,
Corda em dupla (Santos, 2006, p. 49).
Em 2014, Delisier Rethy havia se aposentado como professora na Escola
Nacional de Circo e, em uma entrevista para o programa “Em Família – Família de
Circo” do Canal Saúde da Fiocruz, ela discorreu sobre sua vida como artista
circense e sobre a experiência como mestra na ENC. Nessa entrevista, ela relata:
A importância das escolas de circo é justamente para que não acabe o
circo, para que os jovens continuem a aprender a ser artista e, com isso,
eles aprendem e renovam a família. É uma nova geração circense,
entende? É uma nova família de circo, que não vai deixar o circo morrer
de jeito nenhum, porque o circo continua vivo com a nova geração
circense (Fiocruz, 2014,
online
).
A Escola Nacional de Circo completou, em maio de 2022, 40 anos. Instalada
na Praça da Bandeira, Zona Norte do Rio de Janeiro, desde a sua inauguração, é
referência em formação circense dentro e fora do Brasil. Em 2015, por meio de um
termo de Cooperação institucional entre a Funarte e o Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), o Curso Técnico em Arte
Circense da Escola Nacional de Circo foi reconhecido oficialmente pelo MEC, como
curso técnico, com duração de dois anos (Barreto; Duprat; Bortoleto, 2021).
Oferecido na modalidade presencial e integral, o curso oferece bolsa de estudos,
possibilitando que pessoas de diversas regiões do Brasil e alunos estrangeiros
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tenham acesso ao conhecimento oferecido pela Escola.
No ano de 2017, em homenagem a um dos fundadores da escola, o artista
Luiz Olimecha, a Escola passou a ser denominada Escola Nacional de Circo Luiz
Olimecha. Em 2020, a instituição viveu momentos difíceis, pois mudanças na
gestão começaram a ameaçar o espaço e a instalação da escola. Quando o
presidente da escola, Carlos Eugênio Vianna, foi exonerado e sua vaga foi assumida
pela produtora cultural, Luciana Lago, a lona da Escola foi retirada do local sob a
alegação de que uma obra seria realizada no espaço. Em 2021, Lamartine Barbosa
Holanda, que presidia a Funarte na época, informou aos colaboradores e
funcionários da Escola que o prédio e as dependências deveriam abrigar a
burocracia da Funarte até 2023.
A partir dessas condutas divergentes, a sociedade civil, professores, alunos,
ex-alunos e artistas começaram a realizar ações afirmativas para que a escola
permanecesse no seu lugar de origem. Com a campanha intitulada “Enclo Fica”,
circularam um abaixo-assinado que solicitava, dentre outras questões, a
permanência da escola na Praça da Bandeira, a integridade das instalações na sua
função original e a garantia do caráter público da escola. Foram mais de 2.500
assinaturas e, após essas ações e pressões da sociedade, a Funarte respondeu por
meio de nota que a Escola Nacional de Circo Luiz Olimecha não sairia da Praça da
Bandeira.
O
Jornal Diário do Rio
, publicou uma matéria em 03 de março de 2021,
relatando que a Funarte havia comunicado publicamente que após a instalação da
nova lona da escola, as atividades seriam retornadas e que estariam empenhados
em regularizar o pagamento dos bolsistas que estava em atraso. No
site
oficial da
ENCLO, uma publicação realizada em 08 de julho de 2022 e atualizada em 09 de
setembro de 2022, confirmaram a presença e o funcionamento da Escola Nacional
de Circo Luiz Olimecha na Praça da Bandeira, informando sobre o seu
funcionamento, o processo de admissão, as disciplinas oferecidas, o corpo
docente e as instalações da escola.
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Considerações finais
Nas últimas décadas do século XX, as artes circenses ganharam grande
destaque dentro de uma perspectiva pedagógica e artística. Pesquisadores e
encenadores observaram que o estudo dos elementos presentes na linguagem
circense disponibilizava retomar estados desvalorizados pela sociedade ocidental.
Tentando ultrapassar essa realidade, encenadores e artistas da cena organizaram
intervenções de diferentes naturezas com o universo circense. A articulação entre
circo, teatro e educação, potencializou uma conexão tornando-se uma maneira de
artistas e coletivos teatrais intervirem em distintos aspectos sociais, ampliando
suas visões artísticas, estéticas e éticas.
De acordo com Duarte (1995), as atividades circenses constituem parte da
cultura corporal e artística, preparando seus integrantes não para a vida
artística, mas também como atuantes da vida cultural, “na construção de valores
de uma cultura própria, perpetuada pela tradição oral e, principalmente, por uma
memória corporal, gestual, sonora e rítmica” (Duarte, 1995, p. 169).
Para Melo (2016), muitas escolas e coletivos teatrais no Brasil têm trabalhado
com os saberes circenses em experiências pedagógicas e artísticas, com atores e
não atores, por meio de oficinas, laboratórios de ensaios ou intervenções teatrais
em distintos espaços sociais.
Figueiredo (2007, p. 38) corrobora com essa afirmação e aponta:
[...] o circo oferece uma gama de alternativas, que agregam e
principalmente incluem diferentes pessoas, fazendo com que todos
tenham a chance de aprender, de se incluir, de se descobrir e de
compartilhar com muitos seus ganhos, tropeços e perdas.
Por meio da linguagem circense, artistas, pesquisadores e grupos propõem
intervenções na vida social, juntando experimentação, pesquisa e atuação, para
construírem um processo de formação e aprendizagem. As artes circenses como
manifestação cultural transitam pelos diferentes espaços e classes sociais,
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exercendo fascinação às habilidades incomuns de mulheres e homens que são
somadas pelo encantamento de sua produção poética.
De modo específico, não podemos pensar a formação do profissional
circense senão como um sistema interligado de centros formativos e
seus distintos projetos pedagógicos, tecendo uma rede, tanto
institucional como de possibilidades formativas, considerando a
diversidade cultural, tecnológica e est
é
tica (Barreto; Duprat; Bortoleto,
2021, p.23).
Os saberes circenses podem representar a possibilidade de uma
aproximação entre os elementos da ética e da estética e a partir da liberdade, da
autonomia e da crítica, são capazes de desenvolver um processo de ensino-
aprendizagem mais lúdico e prazeroso.
Na alegria e na recuperação do potencial civilizatório que caracteriza a
esta arte milenar, que desde suas origens teve por base a diversidade, a
aceitação do outro, o sentimento do fantástico e do mágico, a superação
dos limites, a convivência e criação coletivas e, acima de tudo, a
brincadeira e o jogo levados a sério (Trindade, 2009, p.18).
O circo sempre foi inspirador e por várias gerações suas técnicas e sua arte
é ensinada e aprendida. A pedagogia circense, antes lecionada apenas para e pelos
artistas de circo itinerante, passou por uma mudança significativa após a fundação
das escolas de circo no Brasil, que começaram a difundir esses saberes para um
público diverso. Ainda pouca bibliografia sobre o assunto e a construção de
pesquisas é feita sob os relatos desses profissionais, pioneiros na construção
pedagógica e na formação da arte circense no Brasil.
As histórias de Amercy Marrocos e de Delisier Rethy nos guiam pelas rotas
de duas mulheres pioneiras, que dedicaram suas vidas ao circo e à formação
circense. A pedagogia circense produzida por elas, é constituída de saberes que
precisam ser contados para as gerações atuais e futuras. Em suas trajetórias
pedagógicas, desenvolveram um ensino humanizado, adaptando as referências e
experiências aprendidas tradicionalmente no ambiente familiar circense, para
construir novos modos na formação em circo.
A docência realizada por Amercy e Delisier, influenciou diversos estudantes
de circo para atuarem na vida artística, mas também na vida cultural e pedagógica,
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formando uma rede de profissionais que vão perpetuar os saberes do circo em
diversos lugares do Brasil e do mundo.
Os desdobramentos pedagógicos desenvolvidos por essas mestras
ampliaram a influência das artes circenses na cena brasileira e corroboraram para
a formação de outras professoras que atualmente exercem a docência em
diversas escolas de circo no Brasil, contribuindo para o alargamento da formação
circense brasileira.
Amercy Marrocos e Delisier Rethy não lecionam mais, porém, continuam
ensinando a sua paixão pelo circo, em formações, palestras, entrevistas e
consultorias em São Paulo e no Rio de Janeiro, contribuindo também para
pesquisas acadêmicas e cooperando para manter vivo os saberes do circo,
tornando a memória das artes circenses permanentes, presentes e vivas.
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Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br