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A
alegoria cômica
como artifício cênico nas
obras da Quasar Cia. de Dança (1989-1992)
Rafael Guarato
Para citar este artigo:
GUARATO, Rafael. A
alegoria cômica
como artifício cênico
nas obras da Quasar Cia. de Dança (1989-1992).
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 3,
n. 45, dez. 2022.
DOI: http:/dx.doi.org/10.5965/1414573103452022e0206
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1992)
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Rafael Guarato
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Resumo
Este artigo se dedica a analisar as obras cênicas da Quasar Cia. de Dança em seus
primeiros cinco anos, especialmente no período entre 1989 e 1992. O objetivo do estudo
consiste em investigar historicamente, os detalhes do processo de configuração do
humor como recurso cênico que caracterizou as obras da companhia goiana. Para tanto,
a pesquisa faz uso de obras coreográficas, entrevistas e matérias publicadas pela
imprensa escritas como fontes históricas, sendo a análise destes documentos orientada
por teorias dos estudos de dança, história e história da arte.
Palavras-Chave
: História da dança. Alegoria cômica. Quasar Cia de Dança. Humor. Dança.
The comic allegory as scenic artifice in the choreographic works of Quasar Cia. de
Dança (1989-1992)
Abstract
This article analyzes the scenic works of Quasar Cia. de Dança in its first five years,
especially in the period between 1989 and 1992. The aim of the study is to investigate
historically, the details of the process of the configuration of humor as a scenic resource
that characterized the works of the company from Goiania. For this purpose, the
research makes use of choreographic works, interviews and articles published in the
written press as historical sources. The analysis of these documents is guided by theories
of dance studies, history and art history.
Keywords
: Dance history. Comic allegory. Quasar Cia de Dança. Humor. Dance.
La alegoría cómica como artificio escénico en las obras coreográficas de Quasar Cia.
de Dança (1989-1992)
Resumen
Este artículo analiza los trabajos coreográficos de Quasar Cia. de Dança durante sus
primeros cinco años, especialmente el período comprendido entre 1989 y 1992. El
objetivo del estudio es investigar históricamente, los detalles del proceso de
configuración del humor como recurso escénico que caracterizó las obras de la empresa
de Goiânia. Para ello se utilizan como fuentes históricas las obras coreográficas, las
entrevistas y los artículos publicados en la prensa. El análisis de estos documentos se
basa en las teorías de los estudios de la danza, la historia y la historia del arte.
Palabras clave
: Historia de la danza. Alegoría cómica. Coreografía. Humor. Danza.
1
Revisão ortográfica e gramatical do artigo realizada por Albertina de Silva, graduada em Letras pela
Universidade Federal do Pará e especialista em Língua Portuguesa e Literatura pela ESEA - Faculdade de
Tecnologia Antônio Propício Aguiar Franco.
2
Doutor em História. Historiador da dança e professor do curso de graduação em Dança e do Programa de
Pós-Graduação em Artes da Cena da Universidade Federal de Goiás (UFG). rafaelguaratos@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/3100415827387317 https://orcid.org/0000-0001-9710-4364
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Apesar de hoje a Quasar Cia. de Dança estar com 34 anos de existência (1988-
2022), foi somente na última década que surgiram estudos acadêmicos dedicados a
comentar e analisar o conjunto de suas produções cênicas. Nesses esforços, é comum
encontrarmos uma dedicação em emoldurar o fazer artístico da companhia em etapas
distintas, pautado primordialmente em suas questões estilísticas e na argumentação
panorâmica acerca do montante de obras coreográficas existentes. O pesquisador e
crítico de dança Henrique Rochelle (2013), ao categorizar a trajetória artística da Quasar
em etapas e interessado em investigar o aspecto comunicacional de suas obras, sugeriu
que a companhia pode ser compreendida em três: a primeira, seria de 1988 a 1997, de
Asas a Registro, onde as obras estariam “pautadas pela construção cênica de esquetes
cômicos”; a segunda, iria de 1998 a 2010, de
Divíduo a Tão Próximo
, período em que a
companhia “evidencia e desenvolve a movimentação segmentada”; e por último,
anunciava a possibilidade de emergir um período que teria início com
No Singular
em
2012, “identificado pelo desejo do coreógrafo de restabelecer a proximidade da Cia com
a realidade contemporânea externa à produção coreográfica atual aquilo que ele
chama de ‘mundo da dança’” (Rochelle, 2013, p.53).
3
O também pesquisador e comentarista de dança Rafael Ventuna (2012), ao analisar
a trajetória da Quasar, atrelando gestão e trabalho artístico, propõe uma periodização
distinta à de Rochelle. Para Ventuna (2012), a definição de uma primeira etapa onde a
comicidade sobressai sobre outros aspectos cênicos, é possível nas obras de 1989 a
1994, de
Estudos
a
Versus
:
A vontade de quebrar paradigmas e propor novos olhares para a dança
levaram à produção de sucessivos trabalhos que mesclavam técnicas
circenses, esquetes teatrais e dança. Tudo regado a bom humor. A
Quasar, até o final da década de 1990, era associada a cenas cômicas e
confundia a audiência sobre se o que faziam era mesmo dança. A fase
da irreverência é iniciada com “Estudos” (1989) e encerra-se com
“Quatros” (1994). É preciso destacar neste período a produção “Não
Perturbe” (1992) (Ventuna, 2012, p.9).
Ventuna estabelece
Versus
como um marco histórico do fim de um período,
3
No texto de Henrique Rochelle (2022) intitulado “Quasar fora de Casa: modos de fazer dança, desde a
paralisação das atividades contínuas da Quasar (2016 - 2022)”, publicado no livro
Quasar em n9ve
perspectivas
, pode ser encontrada uma lista completa das obras produzidas pela companhia, assim como,
uma atualização dos argumentos para possíveis categorizações históricas.
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entendendo existir nesta obra, uma capacidade de apresentar um modo de narrar cênico
e de esboçar uma qualidade estética específica. Existe, portanto, uma divergência entre
as categorizações temporais quando se trata destes primeiros anos da companhia,
relacionados às obras que se filiam a essas categorizações entre os pesquisadores
apresentados. Mas é comum entre ambos, a aplicação de um olhar panorâmico que
avalia as obras da Quasar produzidas entre 1988 a 1997 em comparação ao conjunto
total de obras da companhia. Portanto, são análises comparativas da Quasar com a
própria Quasar e que buscam justificar seus argumentos exclusivamente por distinções
estético-formais, ou seja, não se dedicaram a reconhecer as descontinuidades na
continuidade e nem situaram as obras em relação a seu próprio tempo e espaço, ou
seja, às interações específicas de suas produções no momento em que ocorreram.
De todo modo, apesar de haver divergências, existe também certo consenso no
modo de categorizar uma possível primeira etapa da companhia. Um pouco antes de
Henrique Rochelle e Rafael Ventuna, a pesquisadora Paula Cristina Ribeiro (2003), ao se
interessar pelas diferenças estilísticas entre as obras
Versus
(1994) e
Divíduo
(1997),
propôs a seguinte argumentação que depois foi endossada tanto por Rochelle como por
Ventuna:
A primeira fase de sua trajetória se estende até o espetáculo
Versus
, em
que suas interferências se davam mais no campo das ideias do que no
do movimento propriamente dito. Por não haver tido um contato direto
nessa fase com a sala de aula, as suas coreografias não eram criadas e
nem imaginadas numa sala de dança, o que acabou contribuindo para
um desenvolvimento de concepção, de ideias, com novas possibilidades
de dança, mais do que de coreografias baseadas apenas no movimento
(Ribeiro, 2003, p. 91).
O humor e teatralidade parecem ser o elemento consensual entre os
pesquisadores. Assim como, esses estudos recorrentemente atribuem às condições de
trabalho da companhia até 1994 (quando os ensaios ainda não eram diários e não
passavam de poucas horas), a responsabilidade pelo não refinamento da qualidade e
especificidade técnica de movimento que passou a caracterizar a etapa seguinte da
companhia. Novamente, a interpretação sobre a primeira etapa da companhia se
encontra fadada à definição amparada em sua etapa subsequente, quando esta passou
a estabelecer relações trabalhistas com seu elenco através do pagamento de cachês e
salários. Entretanto, somente é possível afirmarmos que o havia refinamento e
especificidade de movimento nos primeiros dez anos da Quasar, se a compararmos com
as obras posteriores a 1997, tendo
Divíduo
(1998), como primeiro grande representante,
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onde “a movimentação se tornou mais elaborada, mais requintada, e o humor sutil”
(Ribeiro, 2003, p.91-92). E o que vou tentar argumentar aqui, é que essa leitura condena
o fazer artístico da Quasar em seus primeiros anos, segundo as obras que vieram depois,
considerando pouco espaço para a análise e investigação das obras coreográficas
produzidas, principalmente as antecessoras de
Versus
(1994) e aos processos que as
constituíram.
O início desta empreitada se deu pelo contraste entre como os estudos
acadêmicos tratam os primeiros anos da Quasar - como a finalização de uma etapa
onde o humor aparece como elemento central, uma dança carente de especialização do
movimento ou como não requintado” em comparação às obras posteriores e como a
companhia era noticiada na imprensa local de seu tempo. A jornalista Valbene Bezerra
(1994) afirmou que: “É através de uma linguagem nova, que muitas vezes causa
estranheza, principalmente nos mais conservadores, que a Quasar vem se destacando.”
Também o jornalista Sebastião Vilela Abreu (1995), ao noticiar uma apresentação de
Versus, destacou que: “É justamente o inusitado de sua dança, o humor, os movimentos
e gestos que fazem da Quasar uma companhia original.” Portanto, ao invés de ser
enquadrada como uma etapa primeira de um processo estético evolutivo/progressista,
quando visto em seu tempo e espaço, o trabalho artístico da Quasar pode nos oferecer
outras lentes para compreendermos suas especificidades em seus primeiros anos.
Com este diagnóstico, partirei do princípio de que, caracterizar a dança realizada
pela Quasar em seus primeiros anos como humor em oposição à complexificação formal
do movimento, consiste numa simplificação do trabalho, das pesquisas e das soluções
cênicas que a companhia desenvolveu. E para que possamos reatribuir às obras suas
devidas importâncias históricas, a seguinte questão orienta esta análise: ao olharmos
especificamente para as obras produzidas pela Quasar entre 1988 e 1994, é possível
reconhecer mudanças ou reincidências de caráter estético-formal?
No meu empenho em tentar responder a essa pergunta, utilizarei os registros
audiovisuais das coreografias em vídeo, disponibilizados pelo Arquivo da Quasar Cia. de
Dança. Esses registros audiovisuais serão examinados no entrecruzamento com os
depoimentos orais do coreógrafo Henrique Rodovalho, de Vera Bicalho (então bailarina
e hoje diretora da companhia) e comentários publicados pela imprensa escrita. Esse
entrecruzamento de fontes consiste num procedimento metodológico que permite o
reconhecimento de reincidências históricas, no sentido de possuírem maior
verossimilhança com o ocorrido (Bloch, 2001). Acompanhando esta premissa
metodológica, o exercício historiográfico aqui empregado, consiste em verificar tanto se
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as datações e classificações estilísticas existentes sobrevivem ao confronto com
“ganchos documentais disponíveis” (Ginzburg, 2010, p. 15) como em reconhecer as
mobilizações específicas da dança como prática em seu tempo e espaço (Martin, 1985).
Essa articulação entre metodologias historiográficas e os estudos em dança, nos
permite vincular o reconhecimento dos “documentos involuntários” como agentes
históricos privilegiados da prática da dança. No fazer da pesquisa, trata-se de identificar
não somente as informações diretas e óbvias encontradas na documentação (que são
os “documentos voluntários”), mas também as informações contidas nas fontes que não
foram pensadas ou organizadas para permanecerem no tempo. Com essa paralaxe de
perspectiva, realiza-se a descrição das obras coreográficas, buscando encontrar seus
nexos com a realidade a partir da qual ela se forjou, sem que essa relação assuma
aspecto determinista. Nesse sentido, há uma mobilidade de compreender junto com as
fontes, situações e aspectos estilísticos em que, ora os processos e pessoas informam
a dança e situações e aspectos estilísticos, ora a dança informa os processos e pessoas.
Esta proposta parte do princípio de que, a arte não se define exclusivamente por
questões estéticas, mas também pelas interações entre pessoas e pelos usos que são
feitos do trabalho artístico. Desse modo, o estudo das formas estéticas apesar de nos
fornecer dados estilísticos, serão entrelaçados com dados extraestilísticos para que
possamos compreender como a companhia configurou um modo cômico de fazer
dança. Este procedimento também coaduna com a premissa do crítico literário
Raymond Williams (1978) de que, antes de objetos, as obras de arte são práticas, nos
permitindo adentrar às condições históricas que as possibilitam existir.
1988 a 1992: testando e formatando um modo de fazer dança
De pronto, a cronologia proposta por Ventuna (2012) ao suprimir
Asas
(1989) da
caracterização dos primeiros anos da Quasar, me parece prudente. Isso porque o modo
de organizar o corpo no espaço, os movimentos, a temática e as cenas são muito
discrepantes com os anos subsequentes da companhia.
Asas
(1989) possui um tema
abstrato, seres alados e uma nítida mescla de neoclássico com exercícios de aulas de
modern dance estadunidense
. O coreógrafo Henrique Rodovalho atribui essas
características de Asas às próprias especificidades do elenco disponível naquele primeiro
ano da companhia. De acordo com o coreógrafo “foi muito em cima de um elenco,
vamos dizer, um pouco mais acadêmico” (Rodovalho, 2021). Por “acadêmico”, Rodovalho
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se referia à formação técnica de balé em sua tradição clássica adquirida em escolas
específicas de dança existentes em Goiânia. E no ano seguinte, a maioria dessas pessoas
que deram a característica “acadêmica” a
Asas
(1988), deixaram de fazer parte do elenco
da Quasar.
O pesquisador Hugo Dias (2021) demonstrou em seu estudo, que apesar de existir
uma centralidade na figura de Henrique Rodovalho como autor das obras coreográficas
da Quasar, o processo de construção de seu trabalho possui uma íntima ligação com as
especificidades dos corpos e pessoas com as quais trabalha. E essa intimidade com os
corpos e suas especificidades também aparecem em
Asas
(1988) e na drástica mudança
estética encontrada na segunda obra produzida pela companhia
Estudo
s (1989). Se em
Asas
havia uma predominância de corpos oriundos de uma formação escolar na técnica
do balé em sua tradição clássica e dança moderna, em pessoas como Vera Bicalho,
Tassiaca Stacciarini, Valéria Figueiredo, Sionara Okada, Ederson Xavier, Hugo Montalvão
e Eleonora de Freiras, também contavam com pessoas com menos formação técnica
em dança, como Duda Paiva, Durval Ibler e Cleo Cunha; em
Estudos
(1989) houve o
inverso, a predominância de formações distintas e o não protagonismo no uso de
movimentos pautados em técnicas de balé e
modern dance
. Portanto, entendo que foi
a partir da obra
Estudos
(1989), que a companhia passou a edificar uma identidade
própria no seu modo de fazer dança.
Em estudo recente (Guarato, 2022) me dediquei a demonstrar como no biênio
1993-1994, foram promovidas mudanças de gestão e estético-formais significativas no
modo como a companhia existia. Mobilizada por feedbacks da crítica especializada e
pela breve interrupção das atividades em 1993, a Quasar passou por mudanças que
reorientaram não apenas seu modo de operar, como também a forma de selecionar
artistas e de experimentar possibilidades cênicas que diluiu o protagonismo que a
comicidade ocupava em suas cenas, resultando na obra
Versus
(1994) que a projetou
nacional e internacionalmente no ano de 1996. Desse modo, compreendo que o humor
como elemento caracterizador e orientador das obras da Quasar existiu até 1992, com a
obra
Não Perturbe
(1992), tendo sido diluído gradativamente desse ano em diante. Por
este motivo, me aterei neste texto, à análise das obras coreográficas produzidas pela
companhia entre os anos de 1989 e 1992.
Em dezembro de 1989, a jornalista Edevania Silveira publicou a matéria intitulada
“A dança de um novo tempo” no jornal
Diário da Manhã
, informando à sociedade goiana
que a obra
Estudos
(1989) da Quasar Cia. de Dança se tratava de um trabalho que
“promete romper o conceito tradicional de dança, modificar formas e movimentos, e
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acrescentar outros elementos como o circo, a mímica, a fotografia e o vídeo”, destacando
que tudo isso estaria regado por “um toque de humor dentro do contexto urbano”
(Silveira, 1989)
4
. Nomeada como
Estudos
, a obra de 1989 se situa como o embrião da
estética que caracterizaria a companhia em seus primeiros dez anos. A irreverência, a
abertura para experimentação e feitura de cenas multimídias e interartes, o risco e
ousadia como elementos dramatúrgicos constituintes para o trato de assuntos do
cotidiano urbano, ganham suas primeiras elaborações em
Estudos
.
5
A jornalista Patrícia Cardoso (1990), ao noticiar
Estudos
, nos oferece interessantes
informações sobre como a Quasar define seu trabalho naquele período:
Fazer da arte de dançar um repensar do homem urbano
contemporâneo, que passa da era moderna à pós-moderna, são as
impressões que Henrique, responsável pela coreografia, tenta passar
com o trabalho. Ele levou três anos estudando, pesquisando a dança no
eixo Rio-São Paulo, onde constatou que o realizado ali sempre
resguardava o tradicional, a dança em si, pura e simples. Sua intenção,
entretanto, foi partir daí para uma mesclagem de vários tipos de
representações o teatro, o circo, a mímica, com a dança.
Uma revolta com a dança entendida ou limitada à ideia do corpo em movimento.
Uma expansão da definição do que é convencionalmente reconhecido como dança e
uma vontade de fazer a dança tratar cenicamente de assuntos do tempo presente. Em
1989, passa a existir um pensamento cênico que contribuiu para a constituição de uma
identidade da Quasar, uma postura artística que mobilizou a existência e a prática da
dança elaborada cenicamente pautada no hibridismo artístico e no uso da comicidade
como alegoria para situações ordinárias, fazendo a irreverência operar como ferramenta
metafórica de diálogo com pessoas também urbanas, que se encontravam na condição
de espectador.
4
A matéria também informa que o elenco era formado por Henrique Rodovalho, Christiane Cunha, Cleo Cunha,
Vera Bicalho, Durval Ibler e Ederson Xavier, tendo Duda Paiva se acrescido ao elenco posteriormente.
5
A fotografia na matéria de Edevania Silveira (1989), assim como a fotografia da matéria “Passos inovadores”
de Patrícia Cardoso (1990), nos evidenciam também que algumas das cenas criadas para Estudos,
reaparecem em obras posteriores, como
Sob o mesmo azul
(1990) e
Não Perturbe
(1992). Houve, portanto,
não apenas o aprimoramento de um modo de fazer dança entre 1989 e 1992, mas uma manutenção de
soluções cênicas na íntegra ao longo destes quatro anos.
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Figura 1 - Henrique Rodovalho e Ederson Xavier em
Estudos
(1989)
Acervo da Quasar Cia. de Dança.
Figura 2 - Duda Paiva e Henrique Rodovalho a frente e Ederson Xavier ao fundo,
em
Estudos
(1990)
Acervo da Quasar Cia. de Dança.
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Figura 3 - Duda Paiva, Ederson Xavier e Henrique Rodovalho em
Estudos
(1990)
Acervo da Quasar Cia. de Dança.
Figura 4 - Cristiane Cunha, Cleo Cunha e Vera Bicalho em
Estudos
(1989)
Acervo da Quasar Cia. de Dança.
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A importância da obra
Estudos
, estreada em (1989), tem sido negligenciada nos
estudos sobre a Quasar. Em sua reapresentação em janeiro de 1990, o trabalho foi
definido pela jornalista Patrícia Cardoso (1990), como um “preâmbulo” para a obra
seguinte, estreada em 1990 e produzida com recursos do Prêmio Concorrência Fiat de
1990, intitulada
Sob o mesmo azul
(1990). Nesta obra, ao contar com um montante de
recursos financeiros, a companhia esgarçou as soluções e propostas apresentadas em
Estudos. Em
Sob o mesmo azul
(1990), foram complexificadas e aperfeiçoadas as
interlocuções entre dança e vídeo, com exposição de imagens, cores e corpos em
televisores e projeções de vídeo intercalado com as cenas coreografadas ao vivo e alguns
momentos em que vídeo e corpos compunham juntos a cena. Em entrevista ao jornal
Diário da Manhã
, publicado em 18 de abril de 1990, Henrique Rodovalho afirmou no
trabalho multimídia
Sob o mesmo azul
: “Vamos mostrar uma coisa urbana, bem cidade,
mas ao mesmo tempo universal. Queremos abordar a correria, a pressa, o tempo que
não para e essa sensação de vazio que a nossa geração tem.”
6
Havia, portanto, uma estreita relação entre fazer arte e viver a correria que o meio
urbano incide sobre os corpos. Em estudo anterior, conseguimos demonstrar esse
estreito vínculo entre o pensamento da Quasar e a cidade de Goiânia no período:
Tentando vincular a dança ao presente, ao cotidiano urbano e suas
sociabilidades tipicamente modernas, a Quasar se propôs como
representante legítimo do trato cênico da modernidade em Goiás em
linguagem de dança. E conjuntamente à afirmação deste lugar do
presente, o passado é sempre requisitado como o lugar de não
referência (Guarato e Dias, 2020, p. 260-261).
Para que possamos compreender como o humor era requisitado pela Quasar para
compor suas cenas coreográficas, também é importante o diagnóstico da historiadora
da dança Luciana Ribeiro (2018), que ao investigar a dança adjetivada como arte na
cidade de Goiânia na década de 1980, destacou que desde as experiências cênicas dos
Grupos Via Láctea e Energia, o circuito de artistas da dança dedicados a fazerem cena,
sentiam-se desprendidos de compromissos com a própria história da dança ocidental e
seus cânones, abrindo espaço para um fazer de dança que ela definiu como “livre e
experimental”. Essa informação é importante para compreendermos que a dança
produzida pela Quasar em seus primeiros anos, era desobediente às tradições de dança,
usando-as inclusive como assunto para sua
alegoria cômica
ao metaforizar situações do
6
Cf: Uma estrela quer brilhar.
Diário da Manhã
, 18 abr. 1990. (Revista)
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tempo presente.
Não existia fórmula ou modelo para fazer dança, assim como, não havia amparo
em procedimentos específicos de técnicas ou tradições cênicas. Mas, ao mesmo tempo,
essa dança não estava “solta na história”, mas condicionada ao seu tempo e espaço
onde se deu e às pessoas que a constituíram. Essa especificidade é traduzida pela então
bailarina e hoje diretora executiva, Vera Bicalho (2022), nas seguintes palavras: “Fazíamos
estudos e experiências, e era uma coisa muito divertida [...] era sem um compromisso.”
A sensação de não terem orientação estética específica, de não serem obrigados a fazer
de um modo pré-estabelecido, acrescido às diferentes formações artísticas do elenco,
fez da dança algo “divertido”.
A comicidade à qual me refiro, possui um lastro identificável com a preocupação
artística de fazer rir. Entretanto, a historiadora Verena Alberti (2002) em seus estudos
sobre o risível, destacou que existe certo consenso em tratá-lo por sua função desviante
em relação à norma, que permite ao ato de rir, subverter domínios, opressões e relações
sociais normativas, podendo ocorrer por meio de descontinuidade, exagero, ironia, sátira,
humilhação, ridicularização da crítica e da racionalidade e do inesperado. Esse
entendimento vai de encontro com as formulações de Sigmund Freud (1996 [1905], p.
118)
7
, quando este define o risível por sua capacidade de conectar coisas de um modo
"rejeitado e cuidadosamente evitado pelo pensamento sério."
Para tanto, a elaboração de frases, gestos ou cenas capazes de fazer rir, demanda
um modo específico de organização de informações, assumindo aspectos de uma
técnica comunicacional capaz de fazer compreensível a comunicação cômica. A técnica
de comicidade utilizada pela Quasar, constitui-se como um jogo que é simultaneamente
estético, político e ético, uma vez que condensa ideias em cenas curtas, fornecendo um
produto que reúne processos complexos, assim como, o humor permite existir algo
compartilhado, uma espécie de resíduo da vida urbana que partilhamos e que nos
permite reconhecer situações por meio de uma supervalorização da interpretação ao
mesmo tempo em que possibilita zombar das interpretações e/ou regras normativas,
permitindo assim, desestabilizar o social e a seriedade da racionalidade.
Especificamente nos estudos em dança, o pesquisador e artista Jorge Alencar
(2008), reconheceu que o cômico em dança também permite reorientar os modos como
7
Sobre a análise dos chistes em Freud, tomo de empréstimo seu tratamento do “chiste de condensação”,
mas sem adentrar em questões específicas da psicanálise como a elaboração onírica” e nem sua relação
com o “Pensamento onírico latente”, seguindo as recomendações do historiador Michael de Certeau (2002),
sobre os limites do uso da psicanálise para explicações históricas.
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a dança se faz:
A configuração do corpo e do pensamento em dança referenciada em
princípios cômicos feitos de associações e conexões flexíveis e até
mesmo contraditórias, estabelece nexos o-habituais, combinações
atípicas e, ao problematizar a fixidez de verdades unívocas entre
configuração e sentido, pode desmontar estereótipos ligados à maneira
de se fazer/dizer a dança (Alencar, 2008).
A também pesquisadora e artista Ana Carolina Mundim (2014), ressaltou que a
comicidade em trabalhos cênicos de dança possui a particularidade de fazer-se com o
corpo, tornando necessário o reconhecimento das corporalidades presentes nos
processos. E nessa esteira compreensiva em que o humor é reconhecido de modo quase
auto evidente nos primeiros anos da Quasar, não era somente uma solução cênica ou
aspecto distintivo de sua dança, mas algo constituinte de uma reunião de pessoas que
se divertiam ao dançarem e configuraram uma dança que ridicularizava a própria
tradição cênica da dança como procedimento para metaforizar situações cotidianas.
Isto posto, me parece pouco elucidativo definir as produções artísticas da Quasar
em seus primeiros anos como uma mistura de teatro, cinema, circo e mímica. Estas
informações são rapidamente obtidas nos jornais do período e não nos auxiliam a
compreender as especificidades da dança realizada naquele momento. Tanto em
entrevistas de Henrique Rodovalho em jornais do período, quanto nos trabalhos de
Henrique Rochelle (2012), Samuel Mazza (2017), Michael Silva e Paulo Petronilio Correia
(2016) e Rafael Ventuna (2012), é destaque esse hibridismo como responsável pela
aparição de uma estética de cenas curtas e de aspecto cômico. No entanto, esta
caracterização não nos auxilia a compreender como essa estética que marcou os
primeiros dez anos da Quasar, foi construída e modificada ao longo desse tempo.
Tanto em
Estudos
(1989), quanto em
Sob o mesmo azul
(1990), é recorrente o uso
de objetos cênicos cujas disposições espaciais e o fluxo de deslocamento produzido pela
redistribuição das disposições destes objetos cênicos - constituem um procedimento
basilar -; são capazes de fornecer mobilidade e dinamicidade aos movimentos, com
acelerações e desacelerações rítmicas orientadas pela interação entre artistas e o
manuseio dos objetos. Camisetas, calças, bancos, sapatos, travesseiros, vassouras,
balões, cadeiras, cabideiro são exemplos disso. Também a entrada e saída de artistas de
uma cena para outra, configura um modo de vincular cenas e situações que contribuem
para o desenrolar de um enredo não enunciado, fornecendo elo pela presença e/ou
ausência de artistas e suas interações.
A
alegoria cômica
como artifício cênico nas obras da Quasar Cia. de Dança (1989-1992)
Rafael Guarato
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-24, dez. 2022
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Figura 5 - Luciane Xavier, Vera Bicalho e Paulo Pacheco em
Estudos
(1990)
Acervo da Quasar Cia. de Dança.
Em
Sob o mesmo azul
(1990), estando no elenco Cleo Cunha, Duda Paiva, Ederson
Xavier, Henrique Rodovalho, Luciana Caetano, Luciana Cunha, Luciane Xavier, Paulo
Pacheco e Vera Bicalho, fica evidente como o repertório de movimentos é selecionado
e organizado para a cena. É possível reconhecer o descompromisso com o uso de
técnicas de dança pré-estabelecidas. Mesmo sendo nítido o uso de movimentos
pertencentes às tradições técnicas de danças como balé, dança moderna estadunidense
e vogue - havendo momentos onde sobressai uma vontade física característica de obras
de dança da década de 1980 encontradas em grupos como Rosas, Win Wanderkeybus,
La La La Human Steps e o teatro físico do DV8 Physical Theatre -; tais técnicas e
referências são executadas por corpos que não detinham e/ou não se preocupavam com
uma formação técnica exímia.
Contudo, afirmar não haver uma presença ou predomínio de técnicas pré-
estabelecidas, não corresponde a afirmar uma ausência de técnica. Pois, é justamente
A
alegoria cômica
como artifício cênico nas obras da Quasar Cia. de Dança (1989-1992)
Rafael Guarato
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-24, dez. 2022
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no arranjo do conjunto cênico, que os movimentos e os corpos dos artistas que
compunham a Quasar nesse período, ganham suas especificidades técnicas. O que estou
formulando aqui é: cada esquete cênico desenvolvido pela companhia demandava a
criação de um repertório de movimento específico, ou seja, a inexistência de técnicas de
dança foi capaz de contribuir para o hibridismo cênico proposto pela companhia,
demandando dos corpos ali presentes, a desenvoltura de inventar uma dança que
conseguisse interagir com as especificidades das metáforas propostas. Assim como, nas
cenas que faziam uso de movimentos que remetessem a técnicas específicas, estas
eram esgarçadas e dilaceradas por movimentos outros que impediam uma
caracterização rígida sobre o que a Quasar dançava.
Isso pode ser conferido na maioria das cenas de Estudos(1989) e
Sob o mesmo
azul
(1990), quando a dança ganha elementos de teatralidade
8
ao interagir com a
proposta de encenar com o corpo: como o cuidado, asseio e dedicação com que a
bailarina Luciana Caetano conduz um balão branco pelo palco, demonstrando o quanto
aquela pessoa deposita de si e investe seu tempo e atenção para manutenção do objeto,
que, quando oferecido ao bailarino Duda Paiva, este desvaloriza-o por completo,
estourando-o. Ou o morador de apartamento que sofre a madrugada inteira com o
barulho do vizinho de baixo, ao ponto de pensar em tirar a própria vida, apresenta uma
movimentação recheada de contrações, torções, rolamentos e quedas que escancara o
quanto nossas atitudes provocam sofrimento no outro mesmo sem nos darmos conta
disso. Ou na sedutora dupla de garanhões que ardilosamente se deslocam com seus
charmes, esforçados para serem notados pela mulher que se banha ao sol, sem se
darem conta que os óculos escuros da mulher escondem que ela é cega, invalidando os
esforços de serem vistos.
8
O conceito de teatralidade nos trabalhos cênicos da Quasar Cia. de Dança apresenta um misto de referências
histórico-estéticas do teatro dramático com a compreensão contemporânea de teatralidade com o corolário
da interação entre obra e seu espectador (Mostaço, 2007 e Féral, 2004), acrescido à explicação de Silvia
Geraldi (2015) acerca das experiências interdisciplinares de artistas que transitam entre dança e teatro e que
fornecem “novas sínteses dramatúrgicas” (p.27) por meio da pesquisa de corporeidades outras. Grosso
modo, os trabalhos cênicos da Quasar ofertavam um híbrido de corpos que tiveram formação em teatro e
dança, mantendo nitidamente o sentido de conservar do fazer teatral a representação mimética com intuito
de conduzir tanto por meios cênicos como pela ação dos dançarinos-intérpretes, mas também redistribuía
os modos e formas pelos quais os corpos solucionavam as esquetes para o efeito de comicidade, tendo em
vista que a finalidade não era fazer teatro, mas sim, interagir assuntos cotidianos por meio dos corpos.
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alegoria cômica
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Figura 6 - Duda Paiva e Luciana Caetano em
Sob o mesmo azul
(1990)
Fonte:
print
do registro audiovisual do Arquivo da Quasar Cia. de Dança.
Figura 7 - Henrique Rodovalho em
Estudos
(1990)
Fonte:
print
do registro audiovisual do Arquivo da Quasar Cia. de Dança.
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Figura 8 - Ederson Xavier, Henrique Rodovalho e Vera Bicalho em Estudos (1989)
Fonte:
print
do registro audiovisual do Arquivo da Quasar Cia. de Dança.
Alegoria cômica como protagonista no conhecimento cênico
Como destacado pelo crítico literário João Adolfo Hansen (2006), a alegoria
funciona como substituto do pensamento, dizendo “a” para significar “b”. No entanto,
apesar de substituir o pensamento, ele faz permanecer o mesmo pensamento. A
pesquisadora literária Mara Favoretto (2013), acrescenta a esta definição, ao
compreender a alegoria também como um instrumento indispensável ao pensamento e
ao desenvolvimento cultural, uma vez que oferece um modo de pensar acerca do
homem e sua relação com o universo. O estudo de Angus Fletcher (2002) ao se dedicar
a demonstrar que a alegoria nomeia um modo simbólico que atravessa milênios,
ressaltou que ela permaneceu como esquema expressivo e às vezes como “método”
para interpretação de significados ocultos em textos, músicas, imagens ou no nosso
caso, na dança.
Em sua dinâmica elementar, a alegoria requer certa cumplicidade entre o conteúdo
e seu interlocutor, funcionando como uma quase conspiração acordada em empregar
significados sigilosos ou aparentemente secretos. E é isso que encontramos tanto em
Estudos
(1989) como em
Sob o mesmo azul
(1990), uma técnica cênica metafórica
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alegoria cômica
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caracterizada por uma
alegoria cômica
das situações do presente urbano. A alegoria
desenvolvida cenicamente com o auxílio de diferentes referenciais do campo das artes
pela Quasar, funcionava como significação figurativa amparada por sentidos socialmente
partilhados. Por este motivo, as alegorias cômicas da companhia para poderem
funcionar, demandavam de seus receptores a participação nas regras e situações para
que houvesse entendimento e funcionasse, expondo que, se o mundo urbano e
modernizado se encontra em fragmentos e regado ao consumo, a Quasar demonstrava
em forma de dança, que a contemporaneidade apesar de suas fragmentações, permite
o reconhecimento de situações que atravessam lugares, sendo possível existir algum
grau de unidade na fragmentação.
9
Ao tentar conceituar a alegoria como forma dialógica, o filósofo Corinne Enaudeau
(2006, p. 21 e 22) escreveu:
La imagen no posee la transparencia del signo, la claridad de la palabra,
que deja ver la cosa cuyo sentido capta. Por el contrario, la imagen, al
duplicar el objeto, lo aleja e incluso lo anula, lo convierte en una
sensación pura en la que desaparece el concepto, el objeto conocido.
Cubre lo real con un velo cuya opacidad detiene el pensamiento, lo llena
y le basta. Allí reside el poder de la alegoría: lo sensible eclipsa lo que
figura, el atractivo del representante hace olvidar lo representado.
Se por um lado conseguimos reconhecer a alegoria como uma recorrente forma
de pensamento que auxiliou na edificação de uma caracterização das primeiras obras
da Quasar, também é possível identificarmos pesquisas de movimento em
Sob o mesmo
azul
(1990), como a criação por meio da repetição e variação de saltos; a construção de
cenas com blocos de corpos para abordar situações coletivas de constrangimento ou
alienação; assim como a presença da linguagem filmítica e de técnicas de edição em
vídeo e em cenas; e um interesse em explorar possibilidades de movimentos para cenas
desenvolvidas com duos e trios de artistas, característica que acompanhará toda a
produção da Quasar até o presente.
No ano de 1991, a Quasar realizou uma série de apresentações, variando o nome da
9
Apesar de não encontrarmos nenhum depoimento que endossasse essa aproximação, vale mencionar que
é possível reconhecer correspondência entre o humor, o uso de materiais cênicos, a organização e
deslocamento dos corpos no espaço e a dinâmica de esquetes curtas também trabalhadas pelo coreógrafo
francês Philippe Decouflé, com destaque ao vídeo-dança Codex de 1987, disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=Y1VlkBLA7vY&list=PL880E136E97C34F09 . Acesso em: 10 jan. 2022.
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obra pelos diferentes lugares por onde se apresentou, como
3 é melhor
10
,
Três ao Centro
11
e
As Três
12
e
Três é melhor ainda
13
. Sobre estas apresentações, não consegui obter
registros fotográficos ou audiovisuais. Mas, ao ser noticiada a apresentação da Quasar
na imprensa escrita da cidade de Uberlândia, é possível encontrarmos menção de que
se tratava de uma obra dividida em três partes, caracterizadas pelo conjunto de músicas
que diferenciavam cada uma delas, sendo a primeira parte com músicas do grupo “Os
mulheres negras”, a segunda, com músicas de Michael Obreé e a terceira, com músicas
de Tom Waits, definidas como a “soma dos dois últimos anos de trabalho [...]
apresentando coreografias totalmente diferenciadas do contexto ‘normal’ da dança.”
(Deconto, 1991) Apesar de não ter acesso imagético à obra, me parece possível definir a
circulação realizada em 1991, como um rearranjar das obras Estudos e Sob o mesmo
azul. Esta afirmação se respalda no fato de que a estrutura tripartida pautada em
compositores musicais também foi utilizada em
Estudos
14
. Assim como, no ano seguinte,
a obra
Não Perturbe
(1992) foi resultado do aprimoramento de cenas e fusão das obras
anteriores:
...aí a gente aperfeiçoando ainda mais o ‘Estudos’, que depois no final
virou ‘Não Perturbe’. O ‘Não Perturbe’ é uma mistura de trabalhos, de
‘Estudos’ e ‘Sob o mesmo azul’. Foi quando pegamos uma mescla de
vários trechos, momentos assim e tornou o ‘Não perturbe’ (Rodovalho,
2021).
E foi com
Não Perturbe
(1992), que a Quasar obteve sua maior visibilidade em seus
primeiros anos, tendo recebido atenção da
Revista Veja
, realizado circulação pela
centralidade Rio-São Paulo e sua primeira apresentação internacional no Festival de
Teatro de Manizales, na Colômbia, se apresentando na abertura do 24º Festival
Universitário de Teatro da América Latina, bem como, recebeu suas primeiras críticas
especializadas. Em âmbito local, o escritor PX Silveira (1992) destacou a singularidade da
companhia no jornal
O Popular
, afirmando que a Quasar “Toma a pílula da modernidade
e abrem-se ao público como uma santa no confessionário. Tornam possível e
10
Cf. Jaime Deconto. Quasar: a pesquisa contra. Correio do Triângulo, Uberlândia, 26 out. 1991 e Grupo Quasar
vai apresentar o espetáculo “3 é melhor”.
O Triângulo
. Uberlândia, 24 out. 1991.
11
Cf. Quasar será atração especial de hoje na Casa da Cultura.
O Guaíra
, Curitiba, 02 dez. 1991.
12
Cf. Programa do II Passe Devant Dança Brasília. Brasília, 1991.
13
Cf. O grupo Quasar de Goiânia, convidado especial para abertura do Seminário.
Jornal de Brasília
, 25 out.
1991, p. 7.
14
Nesta obra, as cenas eram divididas em três grandes conjuntos, sendo cada um deles reunidos por músicas
dos compositores: “Os Mulheres Negras”, René Aubry e Tom Waits.
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constatável a produção de novos tijolos para a catedral da arte. Consagram-se a ponta
de lança da atualidade artística localizada no aqui e agora goianiense.”
Mais específico que o comentário de PX Silveira, a imprensa colombiana destacou
que
Não Perturbe
(1992) organizava uma obra na qual dança não é dança e teatro não é
teatro, assim como, o conjunto de cenas apresentadas continha uma “ausência de
lógica”
15
. O crítico teatral Wilson Escobar Ramirez (1992) definiu a dança da Quasar como
uma “danza atuada” que nos oferece uma “anarquia do movimento”, mas que não se
equivale à desorganização ou falta de coesão entre o corpo que dança e o assunto
tratado em cada cena. Para Ramirez (1992): “Há uma séria reflexão pelo movimento
mesmo, um mostruário de imágens que intencionalmente si negam a significar ou a
establecer códigos semióticos com o espectador.”
16
O também crítico teatral Maurício
Guzmán (1992) descreveu
Não Perturbe
como “...vários contos que muito pouco tem a
ver um com o outro. Ao contrário, as temáticas surgem da selva da cidade, do sensual
ao ingênuo ou do banal ao profundo.”
17
Estes comentários realizados pelos críticos de
teatro vão de encontro ao tratamento da dança da Quasar como alegoria cômica, pois,
ao mesmo tempo em que os esquetes cênicos permitiam um reconhecimento do
humor, as situações ridicularizadas ou transformadas em sátiras dançadas não
possuíam correspondência simbólica imediata com o espectador, justamente pela sua
articulação metafórica.
Isto posto,
Não Perturbe
(1992) pode ser entendido como corolário das
experimentações e amadurecimentos do trato cênico da dança que a Quasar inventou
para si. E deste modo, a etapa caracterizada pelo humor como protagonista no modo
de organizar e fazer dança, não se encerra em Versos (1994), mas sim, em
Não Perturbe
(1992), tendo em vista que as obras produzidas em 1993 e 1994, se dedicaram justamente
a diluir esse protagonismo que a comicidade ocupou até 1992 (Guarato, 2022). Assim
como, não é apenas o humor que caracteriza esta etapa, mas seu descompromisso com
a seriedade cênica, uma crítica à dança como arte e seus emolduramentos, inventada
com um elenco que possuía modos peculiares de dançar, organizações cênicas curtas
e dinâmicas que, alinhadas a formações corporais diversificadas, produziam o
feedback
da plateia na forma de riso. No entanto, não se trata apenas de fazer rir, pois as cenas
não são cômicas em si, elas ganham esta conotação ao interagirem com as experiências
15
Teatro de Ruptura. La Patria. Manizales, 24 ago. 1992.
16
Wilson Escobar Ramirez. “Não Perturbe”, o la decadencia en simples movimientos.
La Patria
. Manizales, 24
ago. 1992.
17
Mauricio Guzmán. Divierta y no joda.
La Prensa
. Santa Fé de Bogotá, 25 ago. 1992.
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urbanas das plateias, mas seus conteúdos são em sua grande maioria, críticas
descompromissadas à vida urbana no fim do século XX.
O que me parece importante destacar, é que esse descompromisso também fazia
parte do modo organizacional da companhia. A Quasar não estava apenas
experimentando, estava testando possibilidades em busca de um modo de fazer. O que
esse interstício entre 1989 e 1992 nos evidencia, é que não era experimento pelo próprio
ato de experimentar, uma vez que, uma coesão no modo como a dança era
organizada e dada a ver: por metáforas da vida ordinária. Um jogo inesperado para uma
obra de dança; nesse sentido, a Quasar era ácida e crítica ao produzir uma dança que
burlava com a teatralidade para assumir seu modo específico de existir, uma dança sem
amarras, que usava e abusava das heranças de danças e suas estéticas, uma dança onde
nada era definido como primordial. Encontramos cenas onde a técnica do balé
sobressaia-se, mas outras onde o protagonismo era do vogue, outras onde a força e
contato faziam uso do teatro físico, outras onde a encenação assumia o protagonismo,
que era sucedida por cenas onde a movimentação era inventada e não se amparava em
técnicas de dança pré-estabelecidas.
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Diário da Manhã
, 18 abr. 1990. (Revista)
Recebido em: 18/06/2022
Aprovado em: 08/11/2022
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br