DOI: 10.5965/2175180305102013397
http://dx.doi.org/10.5965/2175180305102013397



As divisões políticas da primeira elite castrense da ditadura chilena (1973 - 1978): grupos políticos, alternativas institucionais e formação profissional


Tiago Francisco Monteiro

Doutorando do Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHIS-UFRJ). Professor da Rede Pública municipal da cidade do Rio de Janeiro.
tiagobenin@yahoo.com.br

Resumo
Esse artigo discutirá a composição, atuação política e anseios institucionais dos grupos de militares que ocuparam os principais cargos da ditadura chilena imposta ao país após o golpe militar de 11 de setembro de 1973. Em segundo lugar, discutirá a formação profissional dos oficiais que denominei de “primeira elite castrense”, com ênfase em suas relações com grupos civis e com as escolas militares estadunidenses.

Palavras-chave: Chile. Forças Armadas. Ditadura militar.

O golpe militar de 11 de setembro de 1973 encerrou violentamente com a experiência democrática chilena e o governo de Salvador Allende que havia sido eleito em 1970. Allende ascendeu ao poder com uma coalizão de partidos de esquerda denominada “Unidad Popular” (UP), cuja meta política era implantar o Socialismo a partir de reformas no regime democrático e no aumento da participação popular na política e na economia Chilena. O golpe militar sucedeu a UP e deu origem a regime ditatorial organizado pelas Forças Armadas (FFAA) chilenas com o apoio de diversos setores da sociedade chilena, como os empresários, banqueiros, clérigos, tecnocratas e políticos da Direita. Essa ditadura foi baseada principalmente em três pilares: direção política castrense, elevada repressão política contra quaisquer adversários e liberdade econômica para as grandes e médias empresas nacionais e estrangeiras.

Os líderes da insurreição castrense se apresentaram ao país na noite do golpe e levaram ao conhecimento da população chilena suas primeiras medidas: dissolução do Congresso Nacional, os partidos políticos foram colocados em recesso, políticos ligados à UP tiveram a prisão decretada, as relações diplomáticas com Cuba, a URSS e outros países socialistas foram suspensas. Os dias que se seguiram ao golpe militar foram marcados pela violência: militares atacaram a resistência popular nas áreas industriais e rurais, várias execuções sumárias foram realizadas, campos de concentração construídos para receber militantes esquerdistas. “(...) [Nos primeiros dias] calculava-se que o numero de mortos era em torno de 1.500 a 3.000. Corpos jaziam nas ruas de Santiago (...) aviões da FACH [Força Aérea Chilena] metralhavam as poblaciones, vila de gente pobre” (BANDEIRA, 2008, p. 556). O Estádio Nacional de Santiago tornou-se um gigantesco campo de prisioneiros e de tortura. Milhares de pessoas seguiram para serem exiladas. A justificativa oficial era que o país estava em guerra contra o marxismo.

Os chefes militares do golpe foram o general Augusto Pinochet, comandante-em-chefe do Exército, almirante José Toribio Merino, comandante da Armada (Marinha), general Gustavo Leigh, comandante da Força Aérea (Aeronáutica) e Cézar Mendoza, general diretor dos Carabineros (polícia nacional fardada e fundada em 1927). Estes militares organizaram a “Junta de Governo”, que foi a instituição que assumiu o poder político no país e acumulava as funções dos poderes Executivo e Legislativo nacionais. O general Pinochet foi designado presidente da Junta. 

O objetivo desse artigo é estudar as correntes políticas que dividiram a primeira elite militar que governou o Chile, entre 1973 a 1978. O texto é composto de quatro sessões. Inicialmente discutirei a literatura dedicada a entender as causas do engajamento político das FFAA contra Allende. Nas segunda e terceira sessões, apresentarei as três correntes castrenses que monopolizaram o poder político do Chile entre 1973-78, seus aliados e formas de luta. Por último, alguns dados sobre a formação profissional dos militares chilenos entre as décadas de 1940 a 1970.

Militares e Golpe Militar: o debate do caso chileno.

Os militares chilenos eram considerados obedientes das regras democráticas e exemplo de profissionalismo castrense na América Latina até o golpe de 11 de setembro. Por esses motivos, eram vistos como excepcionais, se comparados com os oficiais das FFAA de países como a Argentina, o Brasil e a Bolívia, em que as intervenções castrenses na política originaram democracias instáveis, golpes e ditaduras. Assim, o golpe exigiu uma revisão desses preceitos e a busca das causas dessa mudança de padrão político criou uma significativa literatura dedicada a explicar os motivos dessa mudança. Irei expor alguns trabalhos que trataram desse assunto. 

Uma tendência compartilhada por muitos pesquisadores considera que as FFAA chilenas agiram, em 1973, de modo “reativo”, isto é, em reação às mobilizações sociais e ao risco do país ser convertido em comunista pelas forças da “Unidad Popular” (UP) (ANTUNES, 2008, p. 223) (ZARATE, 2001). Do mesmo modo, os militares também responsabilizavam outros partidos político, como o Partido Democrata Cristão (PDC) e o Partido Nacional (PN), pela politização geral da sociedade chilena e por ter permitido a vitória de Allende. Por conseguinte, a ditadura foi resultado de uma reação contra todo o processo político chileno anterior a 1973 e, por isso, os militares não devolveram o poder para os civis após a vitória sobre os partidos da “UP”, mas implantaram um regime militarizado e buscaram criar novas lideranças civis que iriam substituí-los após um longo período de reorganização da sociedade nacional. Neste raciocínio, a unidade castrense em torno da Junta de Governo teve origem na luta contra o marxismo da UP, na percepção da Junta como a representante das FFAA e como única instituição capaz de salvar e reorganizar o Chile.

Outros estudiosos advogaram que os militares chilenos tinham uma tradição intervencionista na sociedade chilena, eram tradicionalmente importantes na política nacional e, deste modo, a “UP” e seus aliados trabalhadores fizeram florescer algumas características reacionárias intrínsecas à formação e constituição do exército chileno: defesa de uma rígida disciplina e hierarquia para os oficiais e para a sociedade, sentimento de superioridade em relação aos civis, ideia que as FFAA são os únicos depositórios dos valores da nação, isolamento social, nacionalismo exacerbado e militarista (cultivavam incessantemente as vitórias militares do passado), autoritarismo paternalista, patriarcalismo e catolicismo conservador (COMBLIN, 1980, pp. 180-181). Esses elementos conservadores permeavam a instituição castrense chilena e paulatinamente colocaram a maioria dos oficiais contra a ativação social das classes trabalhadoras entre 1970-73.

Determinados autores entendem que no interior das FFAA estavam presentes as tendências políticas que permeavam os demais segmentos da sociedade chilena em geral, ainda que com uma proporcionalidade distinta. Assim, entre as décadas de 1930 e 1970 havia hegemonia de classes e segmentos sociais comprometidos com a Democracia e nas FFAA essa tendência era representada pelos chamados militares “Legalistas”. Essa situação foi modificada pela elevação das lutas políticas, sobretudo após 1972, e pela adesão dos elementos mais representativos da burguesia a um projeto golpista como a única solução para derrotar Allende. Nas forças armadas, tais mudanças políticas resultaram no aumento da porcentagem da oficialidade favorável ao novo projeto da burguesia e classes médias chilenas (LLOBET, 1975, pp. 123-128). Em geral, os oficiais favoráveis ao levante contra Allende também possuíam os atributos citados por Comblin, com a adição dos valores da Doutrina de Segurança Nacional dos EUA, adquiridos através dos programas de assistência estabelecidos entre militares dos EUA e do Chile (CUEVA, 1975, pp. 147-153).

Um segmento dos pensadores valoriza o papel dos oficiais conspiradores na mudança de padrão político das FFAA chilenas. Foi a ação de um grupo de oficiais – como o almirante José Merino, o general-do-Ar Gustavo Leigh – que conseguiu isolar os militares legalistas, estabelecer uma união tática com os setores mais ricos da sociedade chilena e, finalmente, irromper contra a legalidade constitucional, em um ambiente de crescente polarização social, de derrotas eleitorais dos partidos de Direita (março de 1973) e da possibilidade de uma guerra civil (MUÑOZ, 2010, pp. 37-60).

Autores sugeriram que a “UP” criou uma situação “Pré-revolucionária” no país, ou seja, entre 1970-73 o Chile atravessou um período de crise econômica e política em que houve o chamado “vácuo de poder”, o qual foi caracterizado pela redução da hegemonia política da Burguesia, pela polarização política, pela prática de casos de violência política (assassinatos de lideranças, atos terroristas), pela queda de representatividade dos partidos políticos tradicionais e pelo questionamento generalizado do regime democrático. Assim, esta conjuntura politizou as FFAA, as motivou a deferir o golpe de Estado e a ocupar o vácuo de poder deixado pelas lideranças políticas, empresariais e operárias civis (HUNEEUS, 2000, pp. 77-82).

Por último, apresento os trabalhos que reconhecem que a crise chilena teve origens na própria sociedade chilena, mas que a intervenção estadunidense potencializou a crise e explica o violento desfecho que ocorreu em 11 de setembro de 1973. Esses autores listam certos atos que a agencia de inteligência dos EUA (CIA) realizou no Chile para evitar que Salvador Allende assumisse o governo (como o investimento nas candidaturas de oposição a Allende), as ações para desestabilizar o governo (patrocínio de greves empresariais, de grupos terroristas de Direita, bloqueio econômico do Chile), que convenceram os militares a se insurgirem contra Allende (VERDUGO, 2003) (BANDEIRA, 2008) (O’BRIEN & RODDRICK, 1983, pp. 30-42).

Todos os trabalhos citados definiram acertadamente algumas razões da dissenção militar contra o governo da “UP”. Assim, meu objetivo nesse tópico é confrontar essas tendências para encontrar uma linha referencial mais fecunda para compreender esse fenômeno, ao mesmo tempo em que acrescentarei considerações analíticas.

Inegavelmente, entre 1970 a 1973, o Chile passou por diversas e simultâneas crises (econômica, militar, social, partidária), que abalaram os alicerces da sociedade chilena, amedrontaram as classes dominantes e a alta hierarquia castrense, e os levaram a se articularem para depor o presidente Salvador Allende. Porém, a polarização política não teve início no governo Allende, tampouco a crise em si seria capaz de motivar um golpe militar. A maioria dos militares chilenos compartilhava dos valores citados por Comblin e se opuseram, por exemplo, a participação nos atos de insubordinação de jovens oficiais do exército, em 1968, e ao levante liderado pelo general Roberto Vieux (outubro de 1969). Assim como não houve um “vácuo no Poder” nas vésperas do Golpe mas o ápice de contradições existentes desde a década anterior. 

Diante disso, acredito que interligando as explicações de Llobet, Cueva, Muñoz, Verdugo, Bandeira, O’Brien e Roddrick é possível encontrar os fatores mais razoáveis que expliquem as razões que fizeram os militares saírem de sua posição “legalista” e decidirem não apenas depor Allende mas, também, se instalarem no poder. Existiam, no interior das organizações militares chilenas, algumas das disputas políticas que permeavam a sociedade chilena, e diante de uma conjuntura de 197073, a ação vanguardista de determinados oficiais conservadores, somada à militância política de empresários e outros grupos da elite chilena e o apoio dos EUA resultaram na modificação das correlações de forças nos quartéis e precipitaram a queda de Allende.

Advogo que havia alguns militares cuja intenção política era apenas depor a UP, mas foram os oficiais que desejavam interromper o processo político chileno e substituí-lo por outras instituições aqueles que de fato lideraram o golpe militar e ocuparam muitas funções de governo após 1973. Esses militares se organizaram em três núcleos conspiratórios os quais defendiam as seguintes propostas: (1) o grupo dos generais Oscar Bonilla e Sérgio Arellano Stark que eram ligados à ala mais conservadora do PDC, desejavam destituir violentamente Allende, promover uma depuração no sistema político vigente, construir um novo regime baseado na exclusividade de partidos de Centro e Direita no congresso e sindicatos e promover uma nova fase de desenvolvimento social. (2) o general-do-ar Gustavo Leigh e outros oficiais defensores da formação de um regime análogo ao corporativismo da Espanha Franquista. (3) o núcleo conspiratório da Armada (marinha) liderada pelos almirantes José Merino e Sergio Huidobro, que buscava criar um espaço institucional anticomunista e que favorecesse a aplicação das ideias econômicas da Escola de Chicago (divulgadas no Chile pelos “Chicago Boys”) e viram na derrota da UP uma oportunidade ideal para impor seus anseios.

Essas três posições militares reuniram em torno de si todos os demais militares que se opunham à “UP” e juntos solaparam o conjunto de oficiais fiéis ao governo Allende e à legalidade castrense. Os oficiais dos três “núcleos conspiratórios” se reuniram em algumas ocasiões e certamente não consideravam que defendiam alternativas políticas diversas, em virtude do consenso em elementos fundamentais: anticomunismo, manutenção do Estado Capitalista, hegemonia das empresas privadas na acumulação nacional, tutela sobre as classes trabalhadoras, aliança incondicional com os EUA na Guerra Fria.

A derrota de Allende tirou o inimigo comum e deu origens às correntes castrenses que dominaram a arena política chilena nos primeiros cinco anos de Ditadura. Todavia, as disputas militares ocorriam dentro de consensos em torno da unidade militar, da oposição aos partidos de esquerda, do respeito à hierarquia militar e às decisões da Junta de Governo.

As três alternativas políticas castrenses.

A monopolização de várias posições superiores de governo por oficiais-generais das FFAA e que governavam através da instituição militar, a organização de dissidências militares, a personalização política e a autonomia da burocracia governamental foram alguns dos traços mais importantes do sistema político chileno pós-1973. As correntes militares entre 1973-78 tiveram origem nos núcleos conspiratórios anti-Allende, mas algumas de suas reivindicações mudaram ao longo dos anos. Advogo que existiam três correntes que se organizaram em torno de determinados generais: (1) Oscar Bonilla; (2) Gustavo Leigh (FACH) e (3) Augusto Pinochet.

O general Oscar Bonilla atuou politicamente durante o período em que foi ministro do Interior (setembro de 1973 à julho de 1974) e ministro da Defesa Nacional (julho de 1974 à março de 1975). Manteve as linhas defendidas ao longo da conspiração: depuração do sistema político, tutela sobre as populações mais pobres da cidade e aliança com o PDC. Seu aliado dentro do regime militar foi o general Arellano Stark, mas, ao contrário deste, era considerado moderado e contrário aos métodos violentos da Junta de Governo, uma vez que quando exerceu a função de ministro da Defesa “houve uma sensível redução no volume de detenções e torturas [e no mesmo período] computou a pena de morte de cinco membros do Partido Socialista, em San Fernando, capital da província de Colchagua” (VEJA, 13.03.1975, p. 35) (FOSP, 05.03.1975, p. 5). O ativismo de Bonilla estava em declínio quando um acidente de helicóptero em Romeral o matou. Existem rumores que esse acidente possa ter sido resultado de um bem sucedido atentado político (MUÑOZ, 2010, pp.83-84). Arellano Stark também se destacou por ser chefe de uma comitiva militar que percorreu o Chile julgando e assassinando presos políticos, a chamada “Caravana da Morte”. Foi indicado para a chefia do Estado-Maior Conjunto em 1975, recusou o cargo de embaixador da Espanha no ano seguinte (após uma reunião tensa com Pinochet) e passou para a reserva em 1976 (MUÑOZ, 2010, p. 84) (FOSP, 22.02.1976, p 16).

O general-do-ar Gustavo Leigh foi o principal adversário de Pinochet nos cinco primeiros anos de ditadura e apresentou diferentes plataformas políticas nesse período. No primeiro momento, 1973-1975, apresentou-se como o líder intelectual e o mais radical da Junta de Governo. Igualmente era favorável a substituição dos partidos políticos por representações classistas, à destruição física dos adversários da ditadura, a uma aliança entre o Chile e os EUA contra os adversários da Ditadura e a um processo de criação de novas empresas industriais no país (HUNEEUS, 2000, pp. 275-279). Em um segundo momento, entre 1975 a 1978, as motivações de Leigh foram: contra o personalismo de Pinochet, críticas ao custo social da implantação do Neoliberalismo, pelo isolamento do país perante as democracias ocidentais e contra a autonomia da polícia política, a “Dirección de Inteligência Nacional” (DINA), diante da cadeia de comando das FFAA. Finalmente, entre maio e julho de 1978, Leigh passou a defender a democratização do Chile em cinco anos, eleições livres, afastamento dos militares do Poder, ao mesmo tempo em que apoiava a manutenção de uma política externa de enfrentamento contra os EUA e a Argentina (FOSP, 11.09.1974, p. 8). Gustavo Leigh foi demitido da Junta em julho de 1978 e manteve-se na oposição política a Pinochet.

Por último, o grupo de militares liderados pelo general Augusto Pinochet. Esse general governou o Chile durante toda a ditadura (1973-1990) e era favorável à concentração de poderes no presidente da Junta de Governo, à perpetuação das FFAA como tutoras do sistema político chileno, à repressão e eliminação física de todas as oposições e à despolitização da sociedade chilena. Permitiu a introdução de práticas Neoliberais no país por influência de oficiais da Armada e de oficiais do seu círculo de amizade, além de também considerar os tecnocratas do grupo “Chicago Boys” os únicos capazes de salvar a economia chilena do colapso. Pinochet também reconheceu os custos sociais da política econômica do seu governo e as explicava afirmando que suas origens não estavam no Neoliberalismo, mas no “desgoverno marxista e na crise internacional [que juntos] empobreceram o país ao extremo tal que serão necessários mais 10 anos para superar seus efeitos” (FOSP, 12.09.1978, p.11) (ZARATE, 2001).

Costumava conciliar no sistema político todos aqueles que aceitavam sua liderança e, desta forma, montou uma gama de alianças clientelistas. Os grupos de apoio mais relevantes foram os oficiais dos mais elevados cargos hierárquicos das FFAA, os “Chicago Boys”, os “Gremialistas”, egressos do “Movimiento Gremialista” que surgiu na Universidad Católica na década de 1950. Eram admiradores do corporativismo franquista e tiveram forte atuação junto ao movimento estudantil, aos empresários e classes médias. Seu líder foi Jaime Guzman. Por último, havia alguns militantes de partidos políticos que aderiram à ditadura, como Juan de Dios Carona e os ex-presidentes Gabriel G. Videla (1946-52) e Jorge Alessandri (1958-64) (FOSP, 17.07.1977, p. 11) (HUNEEUS & OLAVE, 1987, pp. 279-280). Suas fontes de poder foram o comando do país, do Exército e de uma série de instituições criadas, com destaque para a DINA.

Em 1977, Pinochet divulgou seu projeto de Estado de Direito para o Chile, a chamada “Democracia Autoritária y Protegida”, cujos traços principais eram: manutenção de instrumentos repressivos para serem usados contra os adversários do regime, permanência da Doutrina de Segurança Nacional (DSN) como ideologia do estado chileno, sistema de representação político misto (partidário e classista), tutela sobre os sindicatos, autonomia da tecnocracia para o planejamento e execução das políticas públicas e a criação de um “Quarto Poder”, o qual seria exercido pelas FFAA que teriam a função de zelar pela estabilidade e pela segurança nacional (PINOCHET, 1977, p. 3). A implantação desse programa seria iniciada em 1980 com a promulgação de uma nova constituição, haveria eleições em 1985 e terminaria na década de 1990.

O anúncio desses planos por parte de Pinochet acirrou as discutas com Leigh, que foi demitido e pode consolidar seu poder dentro das forças armadas e na coalizão dominante no país quase cinco anos após a derrubada de Salvador Allende.

Duas observações antes de uma exposição da dinâmica política das correntes militares entre 1973-1979. Primeiramente, o poder de cada grupo variou, assim como os seus aliados. Por exemplo, Pinochet tinha pouco poder político nos primeiros meses de 1973. Por fim, como já dito, as divergências militares ocorrem entre grupos que eram unidos na preservação do Regime Político, na oposição às críticas ao Chile em relação aos direitos humanos e na crença que a exacerbação dos conflitos poderia abrir uma brecha para a volta dos marxistas ao poder. Por esses motivos, Leigh não mobilizou a força aérea para se manter no poder quando foi demitido por Pinochet.

A dinâmica político-militar do governo Militar chileno: facções em luta por um modelo institucional.

Vitoriosos na noite de 11 de setembro de 1973, a coalização castrense encarregou-se em desempenhar três tarefas: afastou os militares que não apoiaram o golpe e/ou eram aliados de Allende, desencadeou uma forte repressão contra os militantes de esquerda e criou uma nova legislação através de “decretos-leis”. Entre os militares afastados, destaco os almirantes Raúl Montero (comandante-em-chefe da Armada) e Daniel Arellano (Diretor Geral de Serviços); os generais da Força Aérea Alberto Bachelet e Osvaldo Croqueville; os generais do Exército Ervaldo Rodríguez (adido miliar em Washington, chefe da missão militar chilena nos EUA e defensor do “legalismo militar”), Mario Sepúlveda Squella (comandante da II Divisão e Guarnição de Santiago), Guillermo Pickering (comandante dos Institutos Militares) e Carlos Prats (ex-comandante-em-chefe do Exército, que antecedeu Pinochet e foi assassinado pela polícia política chinela na Argentina, em 1976) (GUTIERREZ, 2009; p. 117).

Paralelamente, organizaram um ministério em que os cargos decisórios mais relevantes foram ocupados por alguns expoentes da conspiração. General Oscar Bonilla (ministro do Interior), almirante Ismael Huerta Díaz (Relações Exteriores), o vice-almirante Patricio Carvajal (Defesa Nacional), general-do-Ar Nicanor Díaz Estrada (Trabalho e Previdência Social, que substituiu o general Carabirero Mário Mackay) e Arturo Yovane (Habitação e Urbanismo). O almirante José Merino indicou Roberto Kelly, ex-oficial da armada e então empresário, para o cargo Diretor da “Oficina de Planificación Nacional”, a ODEPLAN, atual ministério do Desenvolvimento Social.

Os outros cargos ministeriais foram distribuídos da seguinte maneira: o Coronel Pedro Ewing (secretário geral do Governo) e o general Rolando González Acevedo (Economia, Fomento e Reconstrução) foram os representantes do Exército. A marinha indicou o contra-almirante Tito Lorenzo Gotuzzo Borlando para a pasta da Fazenda. O almirante Gotuzzo Borlando era amigo de Roberto Kelly desde a Escola Naval. Os ministros indicados pela Força Aérea foram o general-de-brigada-aéreo Sergio Figueroa Gutiérrez (Obras Públicas e Transportes), o general-do-ar Sergio Crespo Montero (Agricultura) e general-do-ar Alberto Spoerer Covarrubias (Saúde Pública). O general carabinero Diego Barba Valdés passou a exercer a pasta de “Bens Nacionais”. Outros ministros não militares do governo foram José Navarro Tobar (Educação e ex-professor da Escola Militar) e Gonzalo Prieto Gándara (Justiça e que foi substituído, em 1974, devido às suas críticas aos desrespeitos aos Direitos Humanos).

Os demais líderes da conspiração anti-Allende ocuparam os seguintes cargos: o general Augusto Lutz foi realocado na diretoria da Dirección de Inteligencia del Ejército (DINE), para ser secretário da Junta Militar e o general Allerano Stark foi encarregado de acelerar os julgamentos de presos políticos e executar aqueles condenado, a chamada “Caravana da Morte”.

A divisão de poderes entre os vitoriosos de 11 de setembro não trouxe estabilidade entre esses grupos, pois silenciosamente se irrompeu uma disputa para definir os contornos institucionais da Ditadura. A alternativa vitoriosa foi um oficial que aderiu tardiamente à conspiração contra Allende, que inicialmente não apresentava uma clara visão de mundo sobre o futuro do Chile, que assimilou valores das várias facções castrenses e usou dos seus cargos como comandante-em-chefe do Exército e de Chefe do Governo para favorecer a si e seus aliados: o general Augusto Pinochet.

As primeiras disputas de poderes dentro do governo militar envolveram os generais aliados da PDC em oposição aos demais membros da Junta de Governo. O general Oscar Bonilla exerceu a chefia da Casa Militar entre 1966-68, governo Eduardo Frei Montalva, e foi um dos primeiros militares que se opuseram às medidas econômicas da Ditadura (privatizações, arrocho salarial). Em segundo lugar, tentou organizar sua base política a partir dos trabalhadores mais “precarizados” da sociedade chilena, visitando e prometendo assistência aos moradores das “villas miséria” (favelas), e dos seus contatos com políticos do PDC (SADER: 1982; p. 120). No início de 1974, começou a criticar as ações e a autonomia dos agentes da polícia política do regime, a Dirección de Inteligência Nacional (DINA), e seu chefe, o coronel Manuel Contreras (MUÑOZ, 2010, pp. 79-88).

As críticas de Bonilla às políticas econômicas da Junta receberam o apoio dos generais Arellano Stark e Sérgio Nuno, em princípios de 1974. Por sua vez, o general Lutz compartilhava com Bonilla a hostilidade ao coronel Contreras. O desencadeamento dos acontecimentos favoreceram os neoliberais, Contreras e Pinochet. Anteriormente, citei a ida de Arellano Stark para a reserva e o afastamento de Bonilla do ministro do Interior e seu falecimento em um acidente. O enfraquecimento de ambos os generais foi consequência das relações que tinham com militantes dos partidos políticos, somado à hostilidade que a massa de oficiais tinha por tais agremiações partidárias. O general Lutz morreu vítima de septicemia, em 1975, e sua família acusa o Exército de ter assassinado Lutz dentro do hospital militar (MUÑOZ, 2010, p. 83).

Nuno foi enviado para a reserva em 1976, juntamente com os generais Arellano Stark, Rolando González, Manuel Torres de la Cruz, Raúl Contreras e Carlos Araya. Todos os outros generais foram ativos conspiradores e exerceram funções de destaque no Golpe de 11 de setembro (ROJAS, 2003). Assim, essas mudanças não apenas afastaram do corpo regular do Exército os principais articuladores da insurreição militar, mas também os generais com maior antiguidade na tropa após Pinochet.

A raiz dessas transformações na alta hierarquia do Exército não estava apenas ligada às discordâncias com a DINA e com a implantação das práticas Neoliberais no Chile, mas diz respeito a uma tendência cada vez mais acentuada no país e que se consolidaria em 1978: o processo da construção da hegemonia do Exército sobre os outros ramos das FFAA e a concentração dos poderes ditatoriais na figura do general Pinochet sobre os demais generais (ZARATE, 2001) (VARAS, 1987, pp. 27-30).

O general Augusto Pinochet aderiu à conspiração tardiamente. Foi informado dos detalhes do plano golpista em 08.09.1973, pelo general Arellano Stark, e passou a fazer parte do núcleo conspiratório oficialmente no dia seguinte, na presença de José Merino, do almirante Sergio Huidobro (comandante dos Fuzileiros Navais) e de Gustavo Leigh. Nessa conjuntura, Pinochet era o comandante-em-chefe do Exército, nomeado por Allende no dia 23.08.1973, por indicação do antecessor e líder da corrente “Legalista” das FFAA, general Carlos Prats (MUÑOZ, 2010; pp. 37-57). A confiança de Prats em Pinochet era compartilhada por vários dirigentes da UP (DORFMAN, 2003, p.47-51). Por esses motivos, despertava a desconfiança de vários militares. Contudo, devido a importância do Exército nas ações repressivas e seu maior contingente numérico (estava em todas as regiões do Chile e com melhores equipamentos), Pinochet acumulou os cargos de presidente da República, da Junta de Governo e de Comandante-em-chefe do Exército.

O fortalecimento do poder político de Pinochet também tem sido um tema controverso nos debates acadêmicos. Alguns críticos observam que determinados traços de personalidade do general explicam suas aspirações políticas e a elevada personificação da ditadura no Chile (MUÑOZ, 2010, pp. 37-102). Em segundo lugar, existem os estudiosos segundo os quais esse processo ocorreu pela incapacidade da Ditadura se institucionalizar (HUNEEUS, 2000, pp. 52-137). Por último, temos os trabalhos em que esse ponto é entendido como mais um fator na “engenharia política” criada pós-1973 (GARRETÓN, 1983, pp. 147-162).

Advogo que os traços subjetivos de Pinochet puderam se sobressair pelo fato do sistema político pós-1973 ter favorecido o individualismo, nos cargos de comandante-em-chefe. Por exemplo, o Chile passou por um período de instabilidade política, entre meados da década de 1920 até 1938 e da consolidação presidencial de 1938 até o golpe militar, 12 presidentes foram eleitos por voto popular e estes designaram um total de 22 comandantes em chefe para o Exército, 15 comandantes para a Armada, 11 Comandantes-em-chefe da FACH e 09 generais-diretores para a liderança do corpo de Carabineros. Assim, em geral, cada presidente renovava o comando supremo das quatro forças do Chile. A ditadura acabou com esse rodízio: o general Pinochet manteve-se no comando da Junta até 1990 e à frente do Exército até 1998. O almirante Merino foi comandante da Armada até 1990. O general-diretor Carabinero Mendoza permaneceu no cargo até sua renuncia, em 1985, quando pediu demissão após a descoberta de que carabineros estavam envolvidos no “Caso Degollados”, em que três professores ligados ao Partido Comunista foram sequestrados, degolados e tiveram seus corpos expostos em uma estrada. Foi substituído pelo general-diretor carabinero Rodolfo Stange, que dirigiu a polícia uniformizada até 1990. Gustavo Leigh foi demitido da Junta em 1978 e seu sucessor, o general-do-ar Fernando Matthei, também deixou os comandos com o fim da ditadura. Desta forma, Pinochet não foi o único que permaneceu no comando de sua força por muitos anos e tampouco foi o único que o exerceu de forma particular. Gustavo Leigh frequentemente reunia e consultava o alto comando da Força Aérea, chamado de “Consejo Aéreo”, para tomar suas decisões, enquanto Merino e Pinochet criticavam essa postura, porque afirmavam que afetava a unidade das FFAA (HUNEEUS, 2000; p. 177). Assim, cada líder atuava de forma autônoma e singular dentro de seu comando.

Em segundo lugar, as disputas na arena política nos primeiros anos de regime militar eram significativamente individualistas. Por isso, cada facção castrense era identificada pelos seus líderes: Bonilla, Leigh e Pinochet. Na Argentina, por exemplo, as correntes militares mais proeminentes, nas décadas de 1960-70, eram os “Azules” e “Colorados”. Por outro lado, havia rodízio de pessoas na maior parte dos ramos burocráticos do regime. Exemplifica essa colocação as recorrentes trocas de ministros nos dezessete anos de ditadura: foram oito ministros do Interior e das Relações Exteriores, quinze ministros da Economia, dez ministros das Finanças e assim nos outros cargos (HUNEEUS, 2000, pp. 207-313). O motivo dessas trocas era evitar a criação de lealdades entre superiores e subordinados.  

Paralelamente, o aparelho de Estado ditatorial criou várias instituições, como a DINA, que foi substituída pela “Central Nacional de Informaciones” (CNI), em 1977, o “Comité Asesor de la Junta de Gobierno” (COAJ), que assessorava Pinochet em várias áreas e lhe informava sobre a opinião do generalato sobre os assuntos políticos. Finalmente, o regime criou uma nova constituição para o Chile, em 1980, e essa carta magna está vigente até os dias atuais ainda que com várias emendas. Assim, existiu uma “Institucionalização” da Ditadura.

Diante desses fatos, acredito que a Junta de Governo criou um sistema que permitia que as lideranças militares conservassem os cargos de comando para evitar disputas na cúpula em casos de sucessão nas ocupações decisórias, para apresentar ao país a unidade da Junta e Pinochet utilizou essa estrutura e a maior importância do Exercito em relação aos outros ramos militares ao seu favor. Todavia, Pinochet agiu apenas quando tinha certeza que obteria apoio dos outros comandantes-em-chefe. O general tomava a decisão final, mas depois de consultar a Junta e de conhecer as opiniões do corpo de oficiais através dos relatórios COAJ (órgão que demostra a “institucionalização” da Ditadura).

Passemos às etapas fundamentais do processo de construção da hegemonia de Pinochet dentro do sistema político chileno após essa breve digressão. O marco inicial foi a supressão do “Conselho de Avaliação do Exército”, que atuava na organização dos cargos hierárquicos dessa arma. Desse modo, o comandante-em-chefe ganhou a prerrogativa de realizar mudanças no alto escalão do Exército, de promover aliados e substituir oficiais que não eram de sua estrita confiança (HUNEEUS, 2000; p. 140) (MUNÕZ, 2000; p. 79).

Em um segundo momento, Pinochet aproveitou a criação das primeiras instituições pela Junta de Governo para nomear oficiais aliados para a direção. A Junta começou a organizar, em novembro de 1973, o “Comité Asesor de la Junta de Gobierno” (COAJ), que tinha a função de reunir todos os militares que exerciam funções administrativas  no governo e servir de centros de estudos e de assessoria técnica aos oficiais da Junta de Governo nas áreas de “segurança nacional, política interior, relações exteriores, economia, desenvolvimento social, administração do Estado, judicial e outras” (CHILE, 1975 p. 46). O COAJ tinha status de ministério, era composto por oficiais das quatro forças de segurança que governavam o Chile e era dirigido pelo coronel Julio Canessa (ligado a Pinochet). No ano seguinte, Canessa acumulou o cargo na COAJ com a diretoria da “Comisión Nacional da Reforma Administrativa” (CONARA) (HUNEEUS, 2000; p. 145-170).

O presidente concebeu também o “Estado Mayor Presidencial” (EMP) para auxilia-lo exclusivamente. O general Sergio Covarrubias foi aluno de Pinochet, seu auxiliar na VI região do Exército e liderou um seleto grupo de oficiais que integraram o EMP. Essa instituição também reunia as informações dos ministérios e preparava relatórios para Pinochet com base nos dados. Através de Covarrubias e da EMP, Pinochet recebia pareceres sobre as opiniões políticas dos oficiais do Exército sem ter que consultar pessoalmente o Estado Maior do Exército (HUNEEUS, 2000; pp. 142-145) (MUÑOZ, 2000; p. 83).

Outro elemento que solidificou nacionalmente o poder de Pinochet foi a fundação da DINA, em 24.02.1974. O “coronel Contreras tinha estudado informação e contrainformação no Exército dos Estados Unidos, em Fort Belovoir, na Virgínia, e em Fort Benning, na Geórgia [EUA]” (MUÑOZ, 200; p79). Católico conservador, provavelmente conheceu Pinochet na Academia de Guerra. Após o golpe, foi convidado para assumir a DINA, principal instrumento da guerra contra o Marxismo. Pinochet e Contreras mantiveram estreita relação pessoal e política: encontravam-se diariamente onde Contreras informava ao chefe da Junta suas atividades. Pinochet também deu autonomia de ação a Contreras e o protegeu da fúria de outros generais, como Oscar Bonilla e Augusto Lutz (EL MUNDO, 30.07.2010).

A DINA era independente da cadeia militar de comando, das unidades de inteligência militar, teve seus membros recrutados entre os melhores alunos da Academia de Guerra. Alguns desses discentes realizaram cursos no Brasil e nos EUA para que aperfeiçoassem seus conhecimentos em inteligência, tortura, contrainformação (DINGES, 2005, pp. 105-116). Por último, a DINA envolveu-se em ações terroristas no exterior e seus agentes se associaram com as organizações de extrema-direita dos EUA, da Itália e com exilados cubanos, além de ser um dos protagonistas de uma articulação que envolveu as polícias repressivas da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, a chamada “Operação Condor” (DINGES, 2005) (MUÑOZ, 2010, pp. 117-137).

Deste modo, Pinochet consolidou-se como o centro político do país durante a ditadura dentro da Junta, dentro do Exército e por meio de instituições de poder paralelas (DINA, EMP). Por outro lado, a ascensão política de Pinochet também foi resultado de sua capacidade de conciliar tendências, de ser encarado como um árbitro imparcial no país e de ser pragmático em suas decisões. Exemplifica a primeira afirmação, seu apoio de edificar uma nova democracia baseada em uma mistura de representação partidária, como postulavam políticos como Sergio Diez e Francisco Bulnes, com representação corporativa, reivindicada pelo principal ideólogo da ditadura, Jaime Guzman. No segundo caso, recebeu apoio de empresários e tecnocratas, que consideravam que o fortalecimento de Pinochet trazia a ordem social e a estabilidade política. No que se refere ao pragmatismo do general, lembro que Pinochet apoiou os economistas neoliberais, porque esses aparentavam serem os únicos capazes de solucionar a grave crise econômica pela qual passava o Chile em 1974, mesmo contrariando sua opinião inicial e da maior parte dos membros Exército: a defensa do Estado como o promotor do desenvolvimento nacional. 

Pinochet igualmente pouco interferiu nos poderes das outras forças da Junta, desde que suas medidas da Armada, Força Área ou Carabineros não se chocassem com os preceitos gerais da Ditadura Militar. Tal opção resultou em uma não hostilidade da Marinha e dos Carabineros. Situação diferente ocorreu na Força Aérea, pois o general Leigh procurava guiar os designíos do Chile desde 1973.

O presidente da Junta também buscava manter atrelados ao Regime os generais enviados para a reserva. Por exemplo, da lista dos militares que foram para reserva em 1976, que tirou do serviço regular a base da conspiração anti-Allende, Arellano Stark, Rolando González, Manuel Torres de la Cruz, Raúl Contreras e Carlos Araya, alguns aceitaram cargos oferecidos por Pinochet. Assim, Nuno exerceu cargos na Bélgica e no Egito. González foi embaixador no Paraguai e Torres de la Cruz em El Salvador (MEMORIA VIVA, 2013) (ROJAS, 2003). Stark recusou a embaixada da Espanha.

Por fim, sustentou o plano de parte dos oficiais da Armada de reformar a economia chilena juntamente com os “Chicago Boys”. Esses tecnocratas foram um grupo de graduados e docentes da Universidad Católica (Chile), que fizeram intercambio na Universidade de Chicago, onde estudaram com economistas como Milton Friedman e Arnold Harberger, a partir de meados da década de 1950. Seus membros mais proeminentes foram Sérgio de Castro, Rolf Lüders, Miguel Kast, José Luís Zabala, entre outros. Esses alunos assimilaram nessa experiência a visão de mundo Neoliberal baseada na despolitização da sociedade chilena, na privatização das empresas estatais e dos serviços públicos (educação, assistência média e previdenciária), na eliminação do controle dos preços, na abertura comercial aos capitais internacionais, na redução dos direitos trabalhistas (VYLER, 1985, pp. 5-13) (DELANO & TRASLAVIÑA, 1989, pp. 13-16). Elaboraram um plano econômico para o candidato Jorge Alessandri, em 1970, mas por sugestão dos seus principais assessores, Alessandri não adotou esses intentos por considerá-los muitos radicais. Participaram da oposição à “UP”, por meio do jornal “El Mercúrio”, o de maior circulação no país, e estabeleceram contatos com oficiais da Armada (MUÑOZ, 2010, pp. 85-90) (PUNTO FINAL).

Em 1972, o almirante Merino, então comandante da I Zona Naval e já um dos articuladores de uma insurreição contra Allende, solicitou a Roberto Kelly, seu ex-colega de Armada, elaborassem um plano econômico para ser aplicado ao país após a derrocada da “UP”. Kelly, por sua vez, contactou seus aliados do “Chicago Boys” e esses neoliberais elaboraram o documento “El Ladrillo”, que serviu como base para as políticas econômicas durante todo governo Pinochet (1973-1990). Após o Golpe militar, membros do “Chicago Boys” ocuparam cargos importantes na administração ditatorial: além do já citado Kelly (ODEPLAN), Sergio de Castro foi nomeado assessor do ministério da economia e José Luís Zabala foi convertido a assessor da presidência do Banco Central (ZARATE, 2001) (LÜDERS, 21.12.2012).

A liderança militar não estava inclinada a adotar as propostas dos “Chicago Boys” nos primeiros meses após o golpe militar, com exceção do almirante Merino e outros almirantes. Contudo, a crise econômica e a inclinação de aliados de Pinochet aos princípios neoliberais, como os generais Canessa e Covarrubias, induziram o general Pinochet a optar por tais propostas. As medidas iniciais adotadas pelo Regime, como a diminuição dos gastos públicos, o arrocho salarial, a liberalização nos preços levaram o país, segundo alguns estudiosos, à hiperinflação. Foi nesse período que os generais Bonilla, Lutz e o comandante Leigh dirigiram suas críticas à condução econômica do país. Todavia, com já foi assinalado, Pinochet forneceu aos “Chicago Boys” autonomia necessária para a execução dos seus planos.

A economia começou a se recuperar em 1976 com o declínio da inflação, aumento da produção, diminuição das importações e aumento das exportações. Porém, o desemprego seguiu aumentando. Os índices econômicos melhoraram nos quatro anos que se seguiram e alguns autores os citam como os “anos do Milagre Chileno”, em virtude do aumento do Produto Interno Bruto (PIB), das exportações (mineração, agricultura, silvicultura e pesca), das construções imobiliárias, da especulação financeira e do consumo familiar (VYLER, 1985, pp. 17-22). E foi nesse período em que se recrudesceu a luta entre Pinochet e Leigh.

O general-do-ar Leigh assumiu o comando da força aérea chilena (FACH), em agosto de 1973, devido à renuncia do general-do-ar César Ruiz Dayau. Leigh era conspirador desde 1972 e utilizou as tropas da FACH contra os trabalhadores antes do Golpe sob a alegação que estavam procurando armas ilegais nas fábricas (BANDEIRA, 2008, pp. 469-531). Ordenou o bombardeio do palácio presidencial “La Moneda”, da residência presidencial “Tomás Moro” e de seis emissoras de rádio de Santiago durante o golpe militar, anunciou que faria guerra ao marxismo para “erradicar o câncer marxista” da sociedade chilena, comandou por meio de um “Conselho de Guerra” a repressão aos simpatizantes do governo Allende dentro da FACH (diversos oficiais foram presos e torturados). Por esses motivos, foi considerado o “mais duro” entre os participantes da Junta de Governo e o principal ideólogo do nascente Regime (FOSP, 27.09.1973, p. 2).

Leigh aprovou a criação da DINA enquanto buscava fortalecer o “Servicio de Inteligencia de la Fuerza Aérea” (SIFA), cuja autonomia também foi criticada pelo general Bonilla, e era favorável à extensão das punições políticas aos militantes do PDC. Apresentou propostas econômicas adversas aos planos do “Chicago Boys”: investimento estatal no desenvolvimento industrial, manutenção de algumas empresas estatais e participação dos trabalhadores nas decisões das empresas. Estabeleceu contatos com alguns dirigentes sindicais e criticava o “liberalismo individualista”. Foi adepto do “Corporativismo” e, além disso, desejava despolitizar o Chile através da substituição da representação partidária pela das entidades de classe, reestabelecer a hierarquia e a disciplina no país, que teriam sido abaladas pela “UP”. Diferentemente de Pinochet, costumava consultar o colegiado de generais-do-ar para tomar suas decisões (HUNEEUS, 2000, pp. 275-279).

Suas divergências com Pinochet se tornaram públicas em 1976, quando os jornais “Sunday Times” (Londres) e “L’Aurore” (Paris) publicaram matérias afirmando que um grupo de generais exigiam mudanças. Porém, Leigh negou tais suposições e culpou a URSS pela divulgação dessas notícias. Paralelamente, começou a se aproximar de Pablo Rodriguez, fundador “Pátria y Liberdad” (grupo de inspiração fascista e que realizou ações terroristas contra a “UP”). Rodriguez compartilhava algumas críticas de Leigh à ditadura e afirmou que o regime chileno começou com apoio popular, mas devido ao “seu programa econômico, não pôde escolher senão o caminho da repressão e cada vez mais repressão. Pessoalmente, não estou decidido a sustentar um regime à la Trujillo ou `a la Batista” (FOSP, 22.02.1976, p. 16).

A substituição do general-do-ar Nicanor Diáz Estrada do ministério do Trabalho por Sérgio Fernandez, tecnocrata e aliado de Pinochet, enfraqueceu Leigh, pois a pasta do Trabalho era responsável por dois projetos do comandante da Força Aérea: o “estatuto social da empresa” e um novo “Código do Trabalho”.

Leigh discursou nas comemorações do 47º aniversário da FACH na presença de Pinochet e outras autoridades e salientou que “nossa permanência [da Junta de Governo] no governo não é consequência de um capricho arbitrário de um caudilho, mas o produto de uma decisão institucional inspirada em sentimentos pátrios e impulsionada pelo povo chileno” (FOSP, 22.03.1977, 14). Assim, o militar buscava deixar claro que a fonte de poder da ditadura estava em todas as FFAA e não no comando de um líder.

 Em nove de julho de 1977, no chamado “Dia da Juventude”, o regime organizou uma grande festa cívica e Pinochet aproveitou o momento para tornar público seu plano de “Abertura Política”, ou seja, sua vontade de transformar a Ditadura em uma “Democracia Protegida y Autoritária”, a qual seria caracterizada pela tutela militar, representação mista (classista e partidária), manutenção das políticas “Neoliberais”, exclusão dos partidos socialistas e marxistas. Essas mudanças teriam inicio em 1980, quando um congresso seria outorgado pela Junta (VEJA, 20.07.1977, p. 32). O general Leigh protestou, pois Pinochet não informou a Junta sobre tais planos de mudança.

O anuncio de Pinochet trouxe a tona um debate que estava ocorrendo no interior dos grupos dominantes em relação ao futuro da Ditadura. O almirante Merino defendia a convocação de eleições, legalização dos partidos (com exceção das agremiações de Esquerda). Pablo Rodriguez e Gustavo Leigh desejavam construir uma “democracia orgânica”, na qual organizações classistas substituiriam os partidos. Igualmente acreditavam que o Estado é uma cooperação entre classes e que a base da nação chilena nasceu “no seio de uma família e não de um partido político” (FOSP, 25.05.1977, p. 9). Por fim, havia também o projeto de Pinochet que era apoiado nas ideias de Jaime Guzman, advogado, professor universitário e da Academia Nacional de Segurança, favorável a um regime democrático, “uma democracia mais seletiva”, em que as leis seriam iguais para todos, mas haveria regras para favorecer os mais capazes, baseadas em “critérios morais, nível de instrução, idade e experiência política” (FOSP, 17.07.1977, p. 11).

No dia 16 de dezembro de 1977, a Organização das Nações Unidas (ONU) condenou a ditadura chilena por desrespeito aos direitos humanos. Em reação a esse ato, o general Pinochet convocou um plebiscito nacional, em 21 de dezembro, para demonstrar que o regime possuía apoio popular. Leigh mais uma vez criticou a decisão de Pinochet de não consultar os demais comandantes das quatro forças que administravam o Chile, por colocar o prestígio das FFAA em risco e por ser uma ferramenta para fortalecer o perfil personalista da Ditadura de Pinochet. Os escritos na cédula do plebiscito confirmaram as suspeitas de Leigh:

Frente à agressão internacional desencadeada contra o governo de nossa Pátria, apoio o presidente Pinochet em sua defesa da dignidade do Chile e reafirmo a legitimidade do governo da República para liderar soberanamente o processo de institucionalização do país (VEJA, 11.01.1978, p. 61).

O general Leigh e o almirante Merino opuseram-se a assinar o decreto convocando o plebiscito e Pinochet teve de recorrer ao “Decreto Supremo” (que prescinde das assinaturas dos demais membros da Junta) para convocá-lo. O pleito foi realizado no dia 04.01.1978, sob estado de sítio, sem registro de leitores (incinerados após o golpe militar) e deu ampla vitória aos governantes ditatoriais. No anúncio oficial da vitória governista, Pinochet declarou que não haveria eleições no Chile em dez anos, porque o plebiscito tornou estas práticas desnecessárias (HUNEEUS, 2010, pp. 93-95) (VEJA, 11.01.1978, pp. 60-61).

Nessa conjuntura, Leigh decidiu atacar o fortalecimento político de Pinochet por meio de pronunciamentos na imprensa estrangeira. Em 04.01.1978, Leigh enviou uma carta com críticas ao regime chileno para o jornal “Washington Post”. Nesse momento, o presidente dos EUA, Jimmy Carter, estava fazendo críticas à ditadura chilena após agentes da DINA terem assassinado o ex-ministro de Salvador Allende, Orlando Letelier, nas ruas da cidade de Washington (EUA).

Meses depois, em entrevistas às revistas italianas “Cosas” e “Corriere Della Sera”, Leigh defendeu a substituição dos integrantes da Junta de Governo para melhorar a imagem internacional do Chile e provar que o país estava se encaminhando para um estado de direito com participação civil (FOSP, 15.05.1978, p. 6). Dias depois, divulgou uma nota em que destacou que é “preciso evitar cair no absolutismo. (...) Deve-se dividir as competências governamentais entre as diversas autoridades para que umas fiscalizem as outras e deste modo se estabeleçam os limites ou controles sobre o poder” (FOSP, 03.06.1978, p. 8). Nesse momento, meados de 1978, Leigh não mais defendia a “democracia orgânica” e a aliança com o “Patria y Libertad”, mas um processo de transição política que duraria cinco anos e, após esse período, haveria eleições livres que inaugurariam um “Estado de Direito”, com liberdade de expressão, partidária, entre outros fatores.

Em 24 de julho de 1978, por iniciativa do general Pinochet e com apoio dos demais comandantes-em-chefe das FFAA, o general-do-ar Gustavo Leigh foi demitido da Junta de Governo e do comando da FACH. Leigh reagiu afirmando que a Junta carecia de poderes para adotar tais atitudes e que não utilizaria a FACH para manter-se nos cargos recém-perdidos.

Um conjunto de fatores explica a destituição de Leigh. Para a maioria dos integrantes FFAA, o comandante esteve fomentando a divisão das instituições castrenses e da nação chilena com suas declarações, em uma conjuntura de pressões internacionais. Nesse momento, as relações entre a Argentina e o Chile estavam abaladas, porque em 1977 a coroa britânica apresentou um laudo que garantiu ao Chile a posse de três ilhas situadas no Canal de Beagle (extremo sul do continente americano). O governo argentino considerou o documento nulo e havia a possibilidade de uma guerra entre os dois países. Paralelamente a essas questões, a ONU desejava enviar uma missão ao Chile para investigar se o país permanecia desrespeitando os Direitos Humanos. Em segundo lugar, as oscilações políticas de Leigh afastaram antigos aliados, como o “Patria y Libertad”, e seu ímpeto na repressão contra os militantes dos partidos políticos após o golpe militar impediu qualquer tentativa de união de Leigh e as oposições em uma frente única contra Pinochet.

A cúpula da FACH ficou desarticulada, porque, em solidariedade a Leigh, 18 dos 21 generais-do-ar renunciaram aos seus postos ou solicitaram transferência para a Reserva. O general-do-ar Nicanor Diaz Estrada, um dos militares que saíram da força aérea após a destituição de Leigh, declarou que o Chile transitou de um regime político de extrema-esquerda para um de extrema-direita, e que em razão do modelo econômico então vigente várias pessoas no país não podiam comer mais que uma xícara de chá e um pedaço de pão por no máximo duas vezes por semana (FOSP, 24.08.1978, p. 13). O general-do-ar Fernando Matthei foi empossado comandante-em-chefe da FACH, em 24.06.1978, e era , na conjuntura, o oitavo em antiguidade na força.

Posteriormente, Leigh qualificou sua demissão como um golpe de Estado, permaneceu na oposição à transição política chilena e ao General Pinochet mas apoiou a Junta contra a Argentina na questão das ilhas do Canal de Beagle (1978). Aglutinou outros militares da reserva, como o general Díaz Estrada e o almirante Oscar Buzetti, que como ele, afirmavam que a manutenção do poder absoluto de Pinochet poderia favorecer uma revolução marxista no país (LEIGH, 1985, pp.7-8). Porém, não voltou a ter capacidade concreta de mudar a situação chilena. Assim, Pinochet e seus aliados consolidaram seu poder com a promulgação da constituição de 1980 e voltaram a serem confrontados politicamente apenas a partir de julho de 1983, pelas rebeliões das classes trabalhadoras nos chamados “Protestas Nacionales”, por ações armadas efetuados por grupos guerrilheiros de esquerda e seriam eleitoralmente derrotados no plebiscito de 5 de outubro de 1988.

Formação profissional

Analisarei a trajetória político-profissional de militares chilenos, que foram os mais expoentes líderes da elite castrense nos primeiros anos de ditadura, em três pontos: (1) a influência da conjuntura política chilena na instituição militar (2) a influência estrangeira e a assimilação da Doutrina de Segurança Nacional (DSN) pelo conjunto da “caserna”; (3) a participação desses homens no sistema político anterior ao golpe de 1973.

Os oficiais que estudarei são os seguintes: o general Augusto Pinochet, o almirante José Merino, o general-carabinero César Mendoza, os generais-do-ar Gustavo Leigh e Fernando Matthei (componentes da Junta de Governo no período estudado), o coronel Manuel Contreras (diretor-geral da DINA), os ministros e generais Oscar Bonilla e Diáz Estrada (da FACH), o general Arellano Stark e o coronel Julio Canessa (que exerceram funções importantes no pós-1973).

Os oficiais citados no parágrafo anterior ingressaram nas FFAA em um curto período de tempo. Augusto Pinochet nasceu em 25 de novembro de 1915 e ingressou na Academia de Guerra em 1933, após ser duas vezes reprovado. Os demais oficiais nasceram e ingressaram nas escolas militares, respectivamente: José Merino: 14 de dezembro de 1915 e 1931. Gustavo Leigh: 19 de setembro de 1920 e 1940. César Mendoza: 11 de setembro de 1918 e 1940. Fernando Matthei: 11 de julho de 1925 e 1945. Manuel Contreras: 4 de maio de 1929 e 1944. Julio Canessa: 19.03.1925 e 1942. Nicanor Diáz Estrada: 18.031921 e 1941. Encontrei apenas a data de nascimento do general Arellano Stark, 10 de junho de 1921.

Assim, a maioria dos militares que compuseram a primeira elite do governo militar nasceu em uma conjuntura marcada pela crise da república oligárquica chilena, década de 1920, pelas tensões sociais do governo Carlos Ibánez del Campo (1927-31), pelo processo de intervenções e dedução do poder  político das FFAA (GUAJARDO, 2001, pp. 48-52). Contudo, os anos que passaram no interior da instituição castrense foram de um crescente aumento das atribuições político-repressivas das FFAA. Como é sabido, após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os Estados Unidos tornaram-se a potência hegemônica no mundo capitalista e tal país tomou a iniciativa de incentivar a assinatura de diversos tratados político-militares de assistência mútua, para isolar internacionalmente a União Soviética, para conter a possibilidade de novas revoluções e para expandir sua área de influência econômico-militar no mundo.

Em relação ao Chile, suas autoridades uniram-se a de outros estados americanos, em 1947, na adoção do “Tratado Interamericano de Assistência Mútua” (TIAR). Segundo as cláusulas desse documento, um ataque militar soviético ou de outros países socialista contra qualquer um dos estados americanos seria respondido militarmente por todos. Em 1953, o Chile e os EUA assinaram o “Pacto de Ajuda Mútua”, em que militares chilenos passaram a viajar aos Estados Unidos para realizar cursos de aperfeiçoamento e as instituições armadas também passaram a receber artigos bélicos estadunidenses. A entrega de materiais, entre 1950 e 1968, alcançou US$ 23,6 milhões de dólares, valor superado apenas pelo Brasil no continente americano (VARAS, 1987, pp. 18-19).

O presidente Gabriel González Videla (1946-1952) foi eleito pelo partido Radical com apoio dos comunistas, mas rompeu com eles e, diante da lógica anticomunista da Guerra Fria, aprovou a “Ley de Defensa Permanente de la Democracia”, conhecida como a “Ley Maldita”, que visava proscrever a participação do Partido Comunista Chileno (PCCh) da vida política chilena. Em segundo lugar, o Executivo ganhou a atribuição de declarar zonas em “Estado de Emergência” e de “Estado de Sítio” e os militares atuaram na repressão às greves e para controlar os campos de prisioneiros. O general Pinochet foi administrador de um desses centros de reclusão política em Pisagua. Posteriormente, em 1958, a “Ley Maldita” foi revogada e substituída pela “Ley de Seguridad Interior del Estado”, facultando aos presidentes declararem “Estado de Emergência” em até todo território nacional. Em 1960, foi instituído o “Consejo Superior de Seguridad Nacional”, integrado ao Ministério do Interior (VARAS, 1987, pp. 18-20) (MUÑOZ, 2010, pp. 43-46).

Por fim, houve uma elevada agitação dentro dos quartéis na década de 1960 e a intentona do general Vieux. Assim, os vinte e três anos entre o ingresso desses homens nas fileiras das FFAA e o golpe militar foram do aumento das atribuições políticas castrenses, fortalecimento dos valores corporativos e um novo período de politização. Em relação ao último ponto, os EUA tiveram um papel fundamental na assimilação da DSN entre os oficiais do Chile.

O “Pacto de Ajuda Mútua” levou milhares de oficiais chilenos para as escolas militares dos EUA, onde recebiam conhecimentos de equipamentos técnicos, trocavam informações, recebiam treinamentos diversos para fins de segurança interna e doutrinamento político (VALDÈS, 1980, p.125) (PADRÓS, 2007, p. 14). O resultado desses anos de intercambio foi a criação de laços de solidariedade entre os militares chilenos e estadunidenses, a homogeneidade doutrinária de parte da oficialidade, a padronização de treinamento militar e o alinhamento com a DSN, em especial, com a ideia dessa doutrina segundo a qual a democracia deveria ser protegida pela Segurança Nacional (PADRÒS, 2007, pp. 15-17).

A importância dos cursos nos Estados Unidos para a carreira dos militares chilenos fica mais evidente ao observarmos a trajetória dos oficiais. O almirante Merino participou de missões militares junto à Marinha dos EUA, durante a Segunda Guerra Mundial, e de cursos de aplicação para Subtenentes, de Especialidade de Artilharia e de Controle de Incêndios em escolas estadunidenses (ARMADA, 2009). Gustavo Leigh realizou o curso de “Defensa Antiaérea” na Zona do Canal do Panamá, em 1943, entre 1952 e 1953, e estudou na Escola da Força Aérea dos EUA, em Wyoming. Nicanor Diaz também estudou na última, nos anos de 1959 a 1960. Arellano Stark também cursou Estado Maior na Escola de Comando e Estado Maior em Fort Leavenworth. O coronel Contreras estudou em Fort Belovoir e Fort Benning (MUÑOZ: 2010; p. 79) (MONTEIRO, 2011, p. 239) (DÍAZ, 1988, p. 101). Fernando Matthei foi discente da Base Aérea Craig, no Alabama. Bonilla exerceu a função de adido militar do Chile nos EUA (JB 04.03.1975, p. 9). Canessa assumiu a secretaria da Missão Militar do Chile em Washington, em 1965 (FILIPPI, 2006, p. 66). 

O general Mendoza não realizou cursos nos EUA. Descobri apenas no livro “Las fuerzas armadas de Chile: Un Caso de Penetración Imperialista”, de Fernando Rivas e Elizabeth Reiman (1976), uma referência que cita o ingresso de Pinochet em uma escola estadunidense (Curso de Comando y Estado Mayor en Fort Benning).

Por esses motivos, a ascensão da “Unidad Popular” ao poder encontrou o topo da hierarquia castrense fortemente influenciada pelos valores propagados nas escolas militares estadunidenses. Quando empresários e agentes da CIA começaram a sondar alguns quartéis para conspirar contra o presidente Allende não encontraram apenas oficias familiarizados com valores conservadores, mas uma elite militar que se considerava capaz de administrar o país por um período de ameaça revolucionária. Contudo, havia a tradição “Legalista” dentro das casernas que evitou a insurreição militar ao longo de três anos de polarização política.

A participação política dos homens que compuseram a elite política ditatorial nos anos que precederam o Golpe não foi inexpressiva. Oscar Bonilla e Arellano Stark foram ajudantes de ordens (“agregado militar”) do então presidente democrata-cristão Eduardo Frei, respectivamente entre 1966 a 1968 e 1968 a 1970. Em segundo lugar, o cargo de “Comandante-em-chefe” das FFAA também pode ser considerado político, pois era uma indicação presidencial.

Todavia, a maior forma de atuação desses militares foi através de relações com os grupos dominantes. Através da “Cofradía Náutica del Pacífico Austral”, fundada em 1968, José Merino e outros oficiais da Armada estabeleceram relações político-ideológicas com homens como Agustín Edwards, que era proprietário da empresa de comunicação “El Mercúrio” e que colaborou com a CIA para desestabilizar e depor o governo Allende, com o economista Sergio de Castro e outros “Chicago Boys”.

Gustavo Leigh esteve relacionado com vários membros do “Patria y Liberdad” e possivelmente tinha ciência de alguns ataques terroristas realizados por essa organização, entre 1970-1973. Nicanor Díaz Estrada foi o principal aliado de Leigh e o substituiu em alguns momentos da conspiração. Arellaro Stark e Oscar Bonilla eram próximos aos líderes do PDC: Eduardo Frei, Jorge Fontaine Aldunate (subdiretor do “El Mercurio” e presidente da “Confederación de la Producción y el Comercio”) do senador Juan de Dios Carmona (PDC) e do coronel da reserva Alberto Labbé Troncoso, ex-diretor da Academia Militar e que esteve ligado a setores ultranacionalistas (PUNTO FINAL, 2001).

Assim, os militares que depuseram Allende eram institucionalmente homogêneos e com trajetórias políticas análogas e que se uniram na oposição contra a UP. A unidade na luta contra a UP não foi suficiente para manter a unidade entre os golpistas. O estudo em escolas estadunidenses não foi o único fator explicativo do engajamento dos militares contra Allende, pois, por exemplo, o general Carlos Prats também passou pelas “cadeiras” de escolas militares dos EUA, mas foi um Legalista. Por esses motivos, compreender o comportamento dos civis diante dessas lutas militares e as relações estabelecidas entre militares e não militares parecem ser fundamentais para o entendimento das razões que levaram as FFAA a deferirem o golpe contra Allende e que criaram as bases para que Pinochet assumisse o poder absoluto no Chile.

Conclusão

A demissão de Gustavo Leigh encerrou a fase inicial da ditadura chilena, em que três projetos disputaram a hegemonia do sistema político imposto ao Chile após a deposição de Salvador Allende. O período entre 1978 a 1982 foi o auge da Ditadura Chilena: Pinochet aprovou na nova Constituição, o país apresentou um significativo crescimento econômico, a dissolução da DINA reduziu as pressões internacionais e a hegemonia de Pinochet na Junta tornou-se inquestionável dentro das normas do Regime.

Contudo, esse artigo apontou que esse modelo ditatorial foi criado a partir da vitória do projeto de Pinochet sobre os demais grupos, juntamente com o apoio dos tecnocratas do “Chicago Boys”, por uma aliança informal com a Armada de Guerra e pela criação de um sistema paralelo de poder (DINA, COAJ).

Por último, a vitória de Pinochet acentuou o processo de personalização do poder e consolidou uma cultura política que confunde a Ditadura com o indivíduo e com as FFAA. Assim, os conflitos políticos entre os aliados, como do general Sergio Covarrubias contra o General Contreras (ex-chefe da DINA e que ascendeu ao generalato), passaram a dominar a arena política do país, juntamente com o fortalecimento das oposições que reivindicavam a democratização do país.

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Recebido em: 31/08/2013
Aprovado em: 21/11/2013

Revista Tempo e Argumento
Volume 05 - Número 10 - Ano 2013
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