Caixa de Texto:  e-ISSN 1984-7246   Reutilização do patrimônio industrial em Florianópolis/SC[i]

 

 

 

 

 

Bernardo Brasil Bielschowsky[ii]

Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC)

Florianópolis - SC, Brasil   

lattes.cnpq.br/9148541968906925   

orcid.org/0009-0002-2385-487imageX   

bernardo.brasil@ifsc.edu.br     

 

 

Felipe Y Castro Camillo[iii]

Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC)

Florianópolis - SC, Brasil 

lattes.cnpq.br/3247418442973224      

image orcid.org/0009-0001-0257-1363       

felipeycamillo@gmail.com     

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ícone doi, logo

Reutilização do patrimônio industrial em Florianópolis/SC

 

Resumo

Este artigo aborda as preocupações com as recentes intervenções contemporâneas em bens patrimoniais, analisando dois exemplos significativos de patrimônio industrial edificado que são importantes para a paisagem e a memória urbana de Florianópolis/SC. Com a generalização dos processos de substituição e deslocalização industrial, destaca-se a importância da preservação dessas paisagens, especialmente considerando os rápidos processos substitutivos nas cidades brasileiras, impulsionados pela fragilidade da legislação urbanística que favorece a dinâmica acelerada do capital imobiliário. O estudo de caso focaliza dois empreendimentos na área central de Florianópolis: Top Vision (antiga Fábrica de Bordados e Rendas Hoepcke) e Armazém Rita Maria (antigos Armazéns da Navegação Hoepcke e Fábrica de Pontas Rita Maria). A análise das Leis municipais revelou que os processos de aprovação são bastante confusos e frequentemente desconsideram os pareceres técnicos dos órgãos fiscalizadores e/ou responsáveis. Esse resultado provoca discussões sobre os processos de renovação, seja da edificação ou de seu uso, do patrimônio para atrair práticas de consumo contemporâneas, ligadas ao turismo e aos interesses dos supostos donos do poder. Esses grupos espacializam sua dominação territorial através da especulação imobiliária e da verticalização desenfreada, desrespeitando os bens patrimoniais, a memória coletiva e a paisagem local. Conclui-se que esses espaços estão se tornando grandes reprodutores da lógica hegemônica de reprodução do capital, presentes em qualquer local destinado ao consumo.

 

Palavras-chave: patrimônio industrial; reabilitação urbana; memória social.

 

 

 

Reuse of Industrial heritage in Florianópolis/SC

 

 

Abstract

This paper addresses concerns regarding contemporary interventions on heritage assets, analyzing two significant examples of built industrial heritage important to the urban landscape and memory of Florianópolis/SC. With the generalization of industrial substitution and relocation processes, the importance of preserving these landscapes is highlighted, especially considering the rapid substitution processes in Brazilian cities, driven by the fragility of urban legislation that favors the accelerated dynamics of real estate capital. The case study focuses on two projects in the central area of Florianópolis: Top Vision (former Hoepcke Embroidery and Lace Factory) and Armazém Rita Maria (former Hoepcke Navigation Warehouses and Rita Maria Point Factory). Analysis of municipal laws revealed that approval processes are quite confusing and frequently disregard the technical opinions of regulatory and/or responsible bodies. This result provokes discussions about the processes of renovation, whether of the building or its use, of the heritage to attract contemporary consumption practices, linked to tourism and the interests of the supposed holders of power. These groups spatialize their territorial domination through real estate speculation and unrestrained verticalization, disrespecting heritage assets, collective memory, and the local landscape. It is concluded that these spaces are becoming major reproducers of the hegemonic logic of capital reproduction, present in any location destined for consumption.

 

Keywords: industrial heritage; urban rehabilitation; social memory.

 

 

 

1 Introdução

Na última década, observou-se um notável aumento das iniciativas de requalificação no centro histórico de Florianópolis. Essas intervenções urbanas e arquitetônicas em áreas de grande valor patrimonial têm destacado a importância das heranças históricas e culturais, responsáveis pela identidade local e pelo sentimento de pertencimento. Inicialmente, essas requalificações focaram em espaços públicos e compartilhados que são referenciais urbanos da cidade, como o concurso nacional para a cobertura do vão central do Mercado Público (2013), o restauro e reabertura da Ponte Hercílio Luz (2019) e a requalificação urbana do Largo da Alfândega (2020). Após essas intervenções em espaços públicos com investimentos públicos, a atenção se voltou para espaços privados de interesse público, incluindo patrimônios culturais tombados, com projetos de restauração e novas intervenções, como o Armazém Rita Maria (Antigos Armazéns da Navegação Hoepcke e da Fábrica de Pontas Rita Maria) e o Top Market (Antiga Fábrica de Bordados e Rendas Hoepcke), ambos em 2022. Essa tendência reflete uma movimentação global de “redescoberta” das áreas centrais das cidades, buscando uma fusão entre aspectos histórico-culturais e turísticos.

Este trabalho pretende demonstrar a preocupação com as recentes intervenções contemporâneas em bens patrimoniais a partir da análise de dois exemplares de patrimônios industriais edificados significativos para a paisagem e a memória urbana da cidade de Florianópolis/SC, pois esses retratam como o imigrante-empresário se apropriou do território e estabeleceu um sistema de relações locais, constituindo assim uma identidade cultural, que estão registrados na paisagem cultural e na memória coletiva local. Com as alterações na dinâmica urbana, a globalização e a flexibilização da economia mundial, as empresas passaram por sucessivos processos de reestruturação industrial que deixaram grande parte desse patrimônio edificado sem utilização e, por isso, correndo o risco de deterioração e de desaparecimento. Como os processos de substituição e deslocalização industrial se generalizam, a discussão sobre a importância da preservação dessa paisagem merece destaque, pois as cidades brasileiras conhecem rápidos processos substitutivos, decorrentes da fraqueza da legislação urbanística que permite uma acelerada dinâmica do capital imobiliário.

O presente trabalho procura levantar a questão da reutilização de espaços de valor históricos e socialmente herdados para novas práticas socioespaciais. A partir do discurso de que essas novas práticas socioespaciais podem redefinir os usos do território utilizado, diversas intervenções em bens e conjuntos de valor patrimoniais estão em curso na cidade de Florianópolis/SC, especialmente na área central da cidade. Esses espaços sofrem grande pressão do capital, por estarem localizados estrategicamente em áreas nobres da cidade. É a partir dos discursos de reabilitação desses bens patrimoniais “abandonados”, aliados aos novos usos de apelo turístico e a especulação imobiliária, que esses empreendimentos receberam o aval do poder público de forma irregular, visto que os processos das aprovações não tiveram aprovação prévia e nem respeitam os pareceres técnicos das instituições de preservação e salvaguarda do patrimônio edificado.

Este trabalho apresenta um pequeno estudo de caso de dois empreendimentos situados na área central de Florianópolis (Figura 1), denominados Top Vision (Antiga Fábrica de Bordados e Rendas Hoepcke) e Armazém Rita Maria (Antigos Armazéns da Navegação Hoepcke e da Fábrica de Pontas Rita Maria).

 

Figura 1 - Imagem de localização dos empreendimentos

Fonte: PREFEITURA DE FLORIANÓPOLIS. GeoPortal.  Florianópolis: Prefeitura Municipal, c2023. Disponível em: https://geoportal.pmf.sc.gov.br/. Acesso em: 06 ago. 2023. (Editado pelos autores, nov. 2023).

 

Os dois empreendimentos analisados fazem parte de um dos dez conjuntos tombados através do Decreto Municipal 270/1986, classificados como P-2 pelo Decreto Municipal 521/1989 e inseridos em Área de Preservação Cultural (APC-1) desde o plano Diretor de 1997 (LC 001/1997). O tombamento trata-se, portanto, de um “conjunto de valor histórico arquitetônico”, denominado X – Conjunto “Rita Maria” (Florianópolis, 1986). Logo, não deveriam ter sido analisados de forma isolada, além da necessidade de aprovações prévias pelo Serviço do Patrimônio Histórico, Artístico e Natural do Município (SEPHAN), que não foram encontradas na pesquisa. Ao contrário, os processos das aprovações são bastante confusos e não respeitam os pareceres técnicos do órgão responsável.

 

2 Patrimônio industrial: conceitos e pressupostos

A Revolução Industrial transformou de forma significativa as relações sociais, técnicas e econômicas nas condições de produção da humanidade. Partindo dessa premissa, diversos estudos têm sido realizados para compreender o real impacto dessas transformações, seja por meio da valorização dos vestígios materiais existentes, seja pelo reconhecimento de sua importância imaterial. Os estudos sobre patrimônio industrial seguem a mesma lógica de espacialização que marcou a Revolução Industrial, ou seja, começam na Europa e, à medida que se difundem pelo mundo, acompanham também os deslocamentos e o posterior sucateamento dos complexos industriais.

Nos últimos séculos, parte da população passou a compreender e aceitar que as atividades relacionadas ao processo industrial têm seu valor histórico e, por isso, devem ser estudadas. O TICCIH – The International Committee for the Conservation of the Industrial Heritage (Comitê Internacional para a Conservação do Patrimônio Industrial), que é a organização mundial dedicada ao patrimônio industrial e atua como consultor especial do ICOMOS – International Council on Monuments and Sites (Conselho Internacional de Monumentos e Sítios) para esta categoria de patrimônio, considera que os exemplos mais significativos e característicos devem ser inventariados, protegidos e conservados, de acordo com o espírito da Carta de Veneza, para uso e benefício do presente e do futuro. Os delegados do TICCIH aprovaram o texto da Carta de Nizhny Tagil sobre o Patrimônio Industrial durante a Assembleia Geral do TICCIH, realizada em Nizhny Tagil, Rússia, em 2003, sendo o documento, posteriormente, apresentado ao ICOMOS para ratificação e eventual aprovação definitiva pela UNESCO.

Em 2004, durante o I Congresso Nacional para Conservação do Patrimônio Industrial, foi criado o Comitê Brasileiro para a Conservação do Patrimônio Industrial (TICCIH – Brasil), que foi oficializado apenas em 2018 por profissionais de várias áreas, preocupados em desenvolver ações concretas contra a destruição e deterioração do nosso parque industrial, bem como em enfrentar os inúmeros riscos que ameaçam a preservação desse patrimônio.

Com base nas discussões dos eventos organizados pelo TICCIH – Brasil desde 2004 e nas definições da Carta de Nizhny Tagil de 2003[1], este trabalho adota os conceitos que remetem às principais referências documentais relacionadas à preservação e à conservação, como as Cartas de Atenas, Veneza, Restauro, Paris, Amsterdam, entre outras[2]. O foco é, especialmente, nas diretrizes relacionadas ao “Patrimônio Industrial e Transformação Urbana”.

Silva (2018) nos alerta que os diversos contextos e as múltiplas formas de representatividade devem determinar abordagens diferenciadas, por meio de diferentes interpretações de suas manifestações. Para o autor, “tal patrimônio compreende tanto um fator de desenvolvimento social e urbano como um elemento que determina e compõe uma identidade pessoal e social” (Silva, 2018, p. 122). Dessa forma, é necessário ampliar qualitativa e quantitativamente os elementos que devem ser valorizados como patrimônio cultural, a partir de novas perspectivas que considerem a identidade de diferentes grupos sociais em relação às questões patrimoniais, revelando a identidade social própria de cada lugar (Castriota, 2009).

Entre os objetos que serão analisados, destaca-se um trabalho de referência em arqueologia industrial, intitulado A Fábrica de Pontas "Rita Maria": Um Estudo de Arqueologia Industrial[3]. Quanto às intervenções no patrimônio industrial e seu reuso, consideramos as discussões de Beatriz Kühl, que refletem sobre posturas conceituais inadequadas, quando estas se afastam das razões que motivaram sua preservação, esvaziando a obra de sua capacidade de funcionar como um suporte material efetivo do conhecimento e da memória. Com relação aos usos, suas compatibilidades deveriam considerar também o lugar e o contexto em que estão inseridos, além de suas características e significados (Kühl, 2018). Além das classificações e intervenções restritas aos edifícios tombados, é necessário um olhar mais atento para as demais formas de expressão dos elementos imateriais, como as relações sociais e urbanas que o território nos apresenta, uma vez que diversos elementos se manifestam de maneira não material (Choay, 2001).

 

3 Reutilização do patrimônio em contexto urbano

Em relação à reabilitação e reutilização do patrimônio cultural em contextos urbanos, a fundamentação teórica e os conceitos adotados baseiam-se nas contribuições de autores renomados no campo do patrimônio cultural, como Beatrice Vivio, Beatriz Mugayar Kühl, Françoise Choay, Leonardo Castriota e Ulpiano Bezerra de Meneses. Esses autores destacam o protagonismo do patrimônio cultural em novas intervenções e seus contextos urbanos, sendo favoráveis à reutilização dos bens patrimoniais edificados preexistentes e às possíveis novas intervenções arquitetônicas, desde que essas relações sejam harmônicas e respeitem o protagonismo do patrimônio e seu contexto.

Partindo do pressuposto de que apenas a valorização do objeto em si — no caso, o patrimônio edificado não é suficiente para que o bem patrimonial adquira a grandeza necessária para se tornar uma referência urbana e social, de pertencimento e apropriação coletiva, é fundamental destacar a importância do seu contexto e das relações sociais. O reconhecimento dos valores do patrimônio e as alternativas para sua integração à vida contemporânea são essenciais, conforme abordado por teóricos como Françoise Choay, e documentado, por exemplo, na Recomendação de Nairóbi de 1976[4] (Recomendação relativa à proteção dos conjuntos históricos e tradicionais e ao seu papel na vida contemporânea). É o valor social do patrimônio que confere sentido à sua preservação, permitindo que suas particularidades funcionem como elementos de resistência à massificação e padronização da vida e da paisagem na sociedade globalizada (Choay, 2001).

Ao tratar da reutilização do patrimônio edificado, Choay (2001) afirma que essa operação consiste em reintegrar um edifício desativado a um uso compatível com a vida contemporânea. Para a autora, esse tipo de operação deve considerar tanto o estado material dos edifícios quanto a dinâmica dos usuários potenciais. Essa perspectiva está alinhada com as recomendações de Meneses (2009) sobre a importância de reconhecer os valores e a significação social do bem patrimonial para desencadear um processo que promova relações de pertencimento entre o objeto cultural e os habitantes locais. Esse processo gera assimilações afetivas, estéticas e cognitivas que garantem uma justa articulação entre práticas e representações, evitando o uso perverso do patrimônio cultural, ou o “uso cultural da cultura”, referido como “cultura-cólica”, que desassocia o patrimônio do cotidiano da vida urbana e esvazia seu conteúdo existencial.

No contexto desta pesquisa, o atual modelo de intervenção crítica no patrimônio pode ser descrito como reabilitação urbana, sob a perspectiva de “patrimônio ambiental urbano”. Isso envolve associar o valor histórico e artístico do bem cultural às questões sociais, econômicas e ambientais, relacionadas à coletividade e ao desenvolvimento urbano sustentável (Castriota, 2007). Portanto, a crítica mais aguda deste trabalho se volta para as oportunidades perdidas pelo poder público, que, enquanto agente de planejamento urbano e responsável pela preservação do patrimônio, deveria ter integrado a preservação física do patrimônio com políticas públicas voltadas para o desenvolvimento social. Essas políticas deveriam articular "projetos urbanísticos, culturais, socioeconômicos, ambientais e de desenvolvimento social, além de incorporar de forma decisiva o princípio da cooperação público-privada em torno de tarefas concretas e a efetiva participação da comunidade" (Castriota, 2007, p. 23). Nesse cenário das intervenções que estamos apresentando, fica difícil utilizar a expressão reabilitação urbana, pois o poder público não conseguiu articular os diversos atores, especialmente os agentes relacionados ao patrimônio, ao desconsiderar suas contribuições. Isso impediu que, em conjunto com os demais atores, se alcançassem os cenários de desenvolvimento futuro que Castriota (2007) nos apresenta nesse debate.

Com relação às intervenções nos bens patrimoniais, é importante considerar as recomendações de Beatrice Vivio (2010) sobre a importância de adotar uma postura inicial de escuta e reconhecimento dos valores implícitos. A proposição de novos usos requer necessariamente a reflexão sobre os critérios de intervenção nas preexistências, destacando a importância de sua morfologia, características, singularidades e significados. Esses elementos preexistentes (naturais e construídos) não devem ser considerados meros condicionantes projetuais, mas sim como agentes ativos da intervenção, capazes de estimular o ato criativo (Kühl, 2012).

Para amarrar a análise da reabilitação e reutilização do patrimônio cultural inserido em contextos urbanos com a produção do espaço urbano, recorremos brevemente ao conceito de "caminho" (ou eixo) utilizado por Carsalade (2014). Esse conceito se apresenta como uma possibilidade de movimento, uma continuidade entre passado e futuro, e uma chance de integração urbana e social das distintas realidades sociais a partir de seus usos. O caminho, conforme visto pelos autores, é uma possibilidade de percurso que, quando não se propõe um uso restritivo ou excludente, reflete a dinâmica urbana que poderia ter sido gerada pela reabilitação.

 

4 Espaços de produção e a produção do espaço urbano

A discussão teórica começa com a análise de como os espaços de produção organizam os espaços urbanos, com base nas contribuições de Lefèbvre, Castells e Milton Santos. Esses autores oferecem uma perspectiva sobre a espacialização da cidade, afirmando que a organização espacial urbana é moldada pelas atividades de produção. Segundo eles, a concentração espacial surge do modo de produção capitalista, que reflete diretamente na dinâmica urbana das cidades. O pensamento de Lefèbvre (2001) explica que a importância do espaço é determinada pela dialética entre valor de uso e valor de troca, resultando na produção de um espaço social de usos e um espaço abstrato de expropriação. O espaço continua a ser um protótipo permanente do valor de uso, opondo-se às generalizações do valor de troca na economia capitalista sob a autoridade de um Estado homogeneizador. Ao discutir a importância da preservação dos espaços industriais e suas diversas formas de influência, especialmente nas relações sociais resultantes desses espaços, é fundamental considerar também seu valor de uso para evitar que se tornem apenas mercadorias. Se os espaços forem destinados exclusivamente à troca, ou seja, transformados em mercadoria, sua apropriação e modo de uso serão subordinados ao mercado, limitando-os a formas de apropriação privada e restrita, em lugares vigiados, normatizados, privados ou privatizados (Lefèbvre, 1972).

Claval (1999) discute a importância da cultura no desenvolvimento e nas transformações do meio e da paisagem. Halbwachs (1990) desenvolve seus conceitos sobre memória coletiva, enfatizando a importância da memória compartilhada na formação de uma verdadeira memória urbana, baseada nos fatos sociais vivenciados no cotidiano. Jeudy (1990) contribui nessa mesma linha, destacando a valorização das memórias sociais e introduzindo a discussão sobre novas formas de preservação, onde os espaços devem ser restituídos e reapropriados para o fortalecimento da identidade coletiva. O acervo material e imaterial, tanto o edificado quanto o presente na memória coletiva, deve ser considerado patrimônio. No entanto, a globalização da economia mundial e a flexibilidade produtiva (Harvey, 1992) representam ameaças constantes ao patrimônio industrial brasileiro, devido às formas contemporâneas de intervenção, caracterizadas pelo modo de acumulação especulativo e pela financeirização de praticamente tudo, que espacializam as contradições no território. É crucial ter cautela nesses processos de renovação, seja da edificação ou de seu uso, para que o patrimônio não seja meramente adaptado às práticas de consumo contemporâneas, vinculadas ao turismo e aos grupos de poder. Esses processos de especulação imobiliária e verticalização desenfreada, sem consideração pelo patrimônio, pela memória coletiva e pela paisagem local, resultam na dominação territorial que ignora e compromete esses bens.

A preservação do patrimônio edificado e da memória urbana se contrapõe à lógica capitalista, que busca transformar o espaço e a cidade em mercadoria, priorizando o valor de troca em detrimento do seu real valor de uso. Lefèbvre (2001) argumenta que a cidade, como "obra", se opõe à redução do espaço urbano ao mero valor de troca. A cidade, em sua essência, é mais do que uma mercadoria; é um ambiente social que deve ser valorizado pelo seu uso e significado para as pessoas que a habitam. A cidade possui um conjunto significante que, apesar das sucessivas intervenções ou agressões em sua paisagem, tem o potencial de se reconstituir como linguagem a partir de seus referenciais reconstruídos, evocando o passado de forma reflexiva e servindo como ambiente para a recuperação de uma identidade social presente.

Reconstituir a memória urbana de Florianópolis não significa apenas valorizar as lembranças mortas ou individuais através de textos, imagens ou espetáculos teatrais. Significa, então, intervir nas ações de determinados sujeitos sociais, substituindo a fútil ocupação intensiva e especulativa do solo pela preservação dos espaços que ainda representam uma identidade, valorizando a memória urbana da coletividade e deixando-a viva, num processo cuja lógica de mercado necessite do real valor de uso dessa obra que é a cidade, portanto, deve pensar o espaço e suas alterações no contexto das transformações decorrentes das intervenções de distintos sujeitos sociais.

 

5 Patrimônio, proteção e possíveis ilegalidades

Com relação aos impactos diretamente relacionados aos bens tombados, no seu entorno imediato e na paisagem, foi possível verificar que as presentes intervenções não obtiveram suas aprovações pelo SEPHAN, setor responsável pela aprovação prévia de interferências em áreas tombadas pelo município. Esses bens foram tombados em nível municipal pelo Decreto Municipal 270/1986 como “conjunto de valor histórico arquitetônico” (Florianópolis, 1986), denominado X – Conjunto “Rita Maria” (Figura 2), onde o conjunto todo, incluindo os antigos galpões, foram classificados como P-2 pelo Decreto Municipal 521/1989.

 

 

 

 

 

Figura 2 - Imagem dos 10 conjuntos tombados pelo DM 270/1986 e Conjunto X Rita Maria


Fonte: PREFEITURA DE FLORIANÓPOLIS, 1986.

 

O tombamento através do Decreto Municipal 270/1986 trata, portanto, de “conjunto de valor histórico arquitetônico”, denominado X Conjunto “Rita Maria”, enquanto o Decreto Municipal 521/1989 classifica o conjunto todo como P-2: Imóvel partícipe de conjunto arquitetônico, cujo interesse histórico está em ser parte desse conjunto, devendo seu exterior ser totalmente conservado ou restaurado, mas podendo haver remanejamento interno, desde que sua volumetria e acabamento externos não sejam afetados, de forma a manter-se intacta a possibilidade de aquilatar-se o perfil histórico urbano (Florianópolis, 1989).

Esse conjunto foi inserido como Área de Preservação Cultural (APC-1) a partir do Plano Diretor de 1997 (LC 001/1997), que “destinam-se à preservação do patrimônio cultural, abrangendo o arquitetônico, artístico, paisagístico, tecnológico, urbanístico dentre outros, incluindo assentamento, conjuntos, espaços, edificações, monumentos e objetos” (Florianópolis, 2014). Justamente por isso, quaisquer interferências em área tombada ou entorno necessitam ter a aprovação prévia do SEPHAN, conforme consta no Plano Diretor atual (Florianópolis, 2014).

Logo, as intervenções que serão apresentadas não deveriam ter sido analisadas de forma isolada, visto que se trata de um tombamento de um conjunto de valor histórico arquitetônico, além da necessidade de aprovações prévias pelo SEPHAN que não foram encontradas na pesquisa.

6 Antiga fábrica de bordados e rendas Hoepcke

 Num conjunto arquitetônico de aproximadamente 4.000m², localizado na área central da cidade, tombado como patrimônio histórico de Florianópolis, que abrigou por décadas a Fábrica de Bordados e Rendas Hoepcke, foi proposto um grande complexo gastronômico e de entretenimento com forte apelo turístico, com bares, cafés, restaurantes, sports bar, wine bar, supermercado e espaço para eventos, denominado Top Market.

Além da transformação do espaço industrial em diversas praças de alimentação, o restante do terreno foi altamente adensado e verticalizado, pois além das funções comerciais no nível térreo com gabarito limitado pela altura da cobertura dos antigos galpões, foram autorizadas a construção de três novas torres praticamente sobre os galpões, com mais de quinze pavimentos cada, com vista para o mar e ponte Hercílio Luz, denominado Top Vision (Figura 3).

A grande maioria dos apartamentos e estúdios serve para locação e rentabilidade, ou seja, para investidores gerarem renda a partir da localização privilegiada na área central e com vista panorâmica. Essas autorizações no terreno e entorno imediato do patrimônio tombado desde 1986 mostram como os “donos do poder” conseguem algumas negociações privilegiadas a partir da “revitalização” do patrimônio e com a implantação de atividades e práticas voltadas ao consumo.

 

Figura 3 - Imagens do exterior da Antiga Fábrica de Bordados e Rendas Hoepcke

 

 

 

 

 

 

Fonte: TOP MARKET FLORIPA. Top Vision Market: divulgação. Florianópolis: Top Market Floripa, 2024. Disponível em: https://topmarketfloripa.com.br/. Acesso em: 06 ago. 2024.

 

Como não há uma aprovação de Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) para esse empreendimento, que também requer aprovação prévia para obtenção de qualquer alvará, além da já mencionada aprovação do SEPHAN, torna-se difícil acessar informações públicas detalhadas. No entanto, a pesquisa de campo revela que não foram adotadas medidas para minimizar os impactos urbanos do empreendimento. Pelo contrário, o projeto parece se isolar, restringindo o acesso público pelas esquinas das vias principais. De um lado, a parte externa do empreendimento foi fechada com gradil por um supermercado "gourmet", enquanto do outro lado, a entrada é limitada a uma "trattoria" italiana, excluindo a interação com a rua e a comunidade.

 

7 Antigos armazéns da empresa nacional de navegação Hoepcke e fábrica de Pontas Rita Maria

Num conjunto arquitetônico de aproximadamente 4.000m², localizado na área central da cidade, tombado como patrimônio histórico de Florianópolis, que a partir de 1895 abrigou os armazéns onde eram armazenadas as cargas da Empresa Nacional de Navegação Hoepcke e a Fábrica de Pontas de Paris Rita Maria, foi proposto um grande complexo gastronômico e de entretenimento com forte apelo turístico, com bares, cafés, restaurantes, sports bar, wine bar e espaço para eventos, denominado Armazém Rita Maria (Figuras 4 e 5).

Além da transformação do espaço industrial em diversas praças de alimentação, o restante do terreno foi altamente adensado e verticalizado, onde foram autorizadas a construção de quatro novas torres, praticamente sobre os galpões, que variam entre três, seis e nove pavimentos, com vista para o mar e ponte Hercílio Luz, denominado Centro Executivo Carl Hoepcke. Assim como no empreendimento anterior, nos pareceres técnicos do SEPHAN, constava que as novas edificações teriam seus limites de altura determinados pelas alturas máximas das edificações preservadas, que neste caso, deveriam obedecer às alturas máximas dos edifícios históricos. Em ambos os casos, essas recomendações não foram respeitadas.

 

Figura 4 e 5 - Imagens ilustrativas do exterior dos Antigos Armazéns Hoepcke


Fonte: HOEPCKE   ADMINISTRAÇÃO   E   INCORPORAÇÃO.  Home. Florianópolis: Hoepcke Imóveis, 2024. Disponível em: http://www.hoepckeimoveis.com.br/. Acesso em: 6 ago. 2024.

 

São salas comerciais exclusivamente para locação e rentabilidade, ou seja, também para os investidores gerarem renda a partir da localização privilegiada na área central e com vista panorâmica. Essas autorizações no terreno e entorno imediato do patrimônio tombado desde 1986 novamente mostram como os “donos do poder” conseguem algumas negociações privilegiadas a partir da revitalização do patrimônio.

 

8 Resultados e discussões

A reabertura e o restauro da Ponte Hercílio Luz em 2019, situada nas proximidades dos dois empreendimentos analisados, aumentaram significativamente a atratividade desses espaços. No entanto, essa atração é direcionada a um público homogêneo, sem promover o encontro da diversidade. As intervenções realizadas funcionaram como uma forma de “higienizar” o espaço urbano, substituindo usos e públicos e promovendo ainda mais a verticalização dos espaços ao redor do patrimônio histórico. Essa verticalização ocorreu, inclusive, dentro dos limites do próprio terreno tombado, resultando em um impacto desastroso na ambiência e na paisagem local.

As aprovações desses projetos seguiram um processo não convencional, caracterizado pela ausência de aprovação prévia do SEPHAN. Em vez disso, a aprovação se baseou em um “projeto conceitual” aprovado pela COTESPHAN[5], um órgão colegiado de caráter consultivo e não deliberativo. Com relação aos Estudos de Impacto de Vizinhança, fica evidente que foram utilizados para tentar legitimar uma possível aprovação irregular, uma vez que a aprovação prévia do SEPHAN era obrigatória e os estudos foram realizados apenas após a conclusão das obras, quando a aprovação prévia era necessária para obtenção de licenças e autorizações. O Top Vision (Antiga Fábrica de Bordados e Rendas Hoepcke) não possui aprovação do seu EIV disponível para consulta pública (obrigatório), enquanto o Armazém Rita Maria (Antigos Armazéns da Navegação Hoepcke e da Fábrica de Pontas Rita Maria) possui somente a aprovação do estudo elaborado posteriormente à sua construção.

A reutilização desses espaços de valor históricos e socialmente herdados para finalidades majoritariamente de consumo – e não mais socialmente produzidos – passou a atender um público exclusivo, por meio das novas práticas socioespaciais do turismo e da especulação imobiliária. Assim, perdeu-se a oportunidade de democratizar o acesso coletivo aos bens patrimoniais, de ser resistência, de ser criação coletiva e de promover o direito ao território para todos. Ou seja, com a produção do espaço na sua totalidade, e não de forma excludente.

A grande maioria dos apartamentos, estúdios e todas as salas comerciais servem para locação e rentabilidade, ou seja, para investidores gerarem renda a partir da localização privilegiada na área central e com vista panorâmica. Essas autorizações no terreno e entorno imediato do patrimônio tombado desde 1986 mostram como os “donos do poder” conseguem algumas negociações privilegiadas a partir da “revitalização” do patrimônio e com a implantação de atividades e práticas voltadas ao consumo, prioritariamente de lazer e turismo.

Em ambos os casos a proposta é a praticamente a mesma: a conversão do seu espaço para abrigar novos usos, de acordo com as demandas dos dias atuais, porém sem maiores características inovadoras ou maior respeito ao seu passado, memória coletiva e paisagem. Esses espaços, aos poucos, vão se tornando grandes reprodutores da mesma lógica hegemônica de reprodução do capital presente em qualquer espaço destinado ao consumo, com destaque para as famosas praças de alimentação e a verticalização desenfreada, que alteram seus usos e públicos, além de afetarem a memória coletiva e a paisagem histórica.

 

Referências

 

CARSALADE, Flavio de Lemos. A pedra e o tempo: arquitetura como patrimônio cultural. Belo Horizonte: UFMG, 2014.

 

CASTELLS, Manuel. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. (Pensamento Crítico).

 

CASTRIOTA, Leonardo Barci. Intervenções sobre o patrimônio urbano: modelos e perspectivas. Forum Patrimônio: amb. constr. e patr. sust., [s. l.], n. 1, p. 9-31, set./dez. 2007. Disponível em: https://api.semanticscholar.org/CorpusID:176681706. Acesso em: 9 ago. 2024.

 

CASTRIOTA, Leonardo Barci. Patrimônio cultural: conceitos, políticas, instrumentos. Belo Horizonte: IEDS, 2009.

 

CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Editora UNESP, 2001.

 

CLAVAL, Paul. A geografia cultural. Florianópolis: Editora da UFSC, 1999.

 

FLORIANÓPOLIS. Decreto municipal nº 270, de 30 de dezembro de 1986. Tomba, como patrimônio histórico e artístico do município, conjuntos de edificações existentes na área central do território municipal. Florianópolis: Prefeitura Municipal, 1986.

 

FLORIANÓPOLIS. Decreto municipal nº 521, de 21 de setembro de 1989. Classifica, por critérios diferenciados de valor histórico, artístico e arquitetônico, os prédios integrantes dos conjuntos históricos tombados pelo decreto municipal nº 270/86. Florianópolis: Prefeitura Municipal, 1989.

 

FLORIANÓPOLIS. Lei complementar nº 001, de 3 de outubro de 1997. Dispõe sobre o zoneamento, o uso e a ocupação do solo no distrito sede de Florianópolis, e outras providências. Florianópolis: Prefeitura Municipal, 1997.

 

FLORIANÓPOLIS. Lei Complementar nº 482, de 17 de janeiro de 2014. Institui o Plano Diretor de Urbanismo do Município de Florianópolis que dispõe sobre a política de desenvolvimento urbano, o plano de uso e ocupação, os instrumentos urbanísticos e o sistema de gestão. Florianópolis: Prefeitura Municipal, 2014.

 

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.

 

HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1992.

 

JEUDY, Henri-Pierre. Memórias do social. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990.

 

KÜHL, Beatriz Mugayar. Projetos de intervenção em bens arquitetônicos de interesse cultural: por um diálogo construtivo entre o novo e a pré-existência. In: O ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO, 2., 2012, Natal. Anais [...]. Natal: ANPARQ, 2012. (Tema: Teorias e práticas na arquitetura e na cidade contemporânea). Disponível em: https://repositorio.usp.br/item/002306931. Acesso em: 2 ago. 2024.

 

KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação do patrimônio arquitetônico da industrialização: problemas teóricos de restauro. Cotia: Ateliê Editorial, 2018.

 

LEFÈBVRE, Henri. La vida cotidiana en el mundo moderno. Madrid: Alianza Editorial, 1972.

 

LEFÈBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro Editora, 2001.

 

MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. O campo do Patrimônio Cultural: uma revisão de premissas. In: FÓRUM NACIONAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL: SISTEMA NACIONAL DE

 

PATRIMÔNIO CULTURAL, 1., 2009, Ouro Preto. Anais [...]. Brasília, DF: IPHAN, 2012. p. 25-39. (Tema: desafios, estratégias e experiências para uma nova gestão).

 

SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo: Editora da USP, 2023.

 

SILVA, Ronaldo André Rodrigues da. O Patrimônio industrial brasileiro: reflexões à memória e história do século XX. In: MIGLIORINI, Jeanne Mafra (org.). Sítios históricos e centros urbanos. Ponta Grossa: Atena Editora, 2018. p. 119-134.

 

VIVIO, Beatrice. O novo no antigo hoje: modalidades de abordagem da intervenção na preexistência arquitetônica. Revista do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, v. 17, n. 27, p. 231-246, jun. 2010. Disponível em: https://repositorio.usp.br/item/002140563. Acesso em: 5 ago. 2024.



[1]   TICCIH. Carta de Niznhy Tagil sobre o patrimônio industrial. Niznhy Tagil: The International Committee for the Conservation of the Industrial Heritage, 2003.

[2]  Essas Cartas Patrimoniais estão disponíveis no site do IPHAN em: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/226.

[3]  PIAZZA, M. F. F; BARRETO, M. T. S.; SOUZA, S. R. S. A fábrica de pontas "Rita Maria": um estudo de arqueologia industrial. Florianópolis: EdUFSC, 1980.

[4]  Essas Cartas Patrimoniais estão disponíveis no site do IPHAN em: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/226.

 

[5]  FLORIANÓPOLIS. Decreto Municipal nº 25.816, de 4 de dezembro de 2023. Altera o Decreto Municipal Nº 23.080 de 2021, que regulamenta a Comissão Técnica do Serviço do Patrimônio Histórico, Artístico e Natural do Município (Cotesphan). Florianópolis: Prefeitura Municipal, 2023.



[i] Artigo recebido em 16/02/2025

  Artigo aprovado em 23/06/2025

 

O artigo é uma versão ampliada da comunicação que autores apresentaram no VI Encontro Internacional Interdisciplinar de Patrimônio Cultural (ENIPAC), que ocorreu nos dias 23 a 27 de outubro de 2023, em Joinville-SC e é uma versão ampliada e revisada de artigo que autores apresentaram no “"VII Seminário de Desenvolvimento Regional, Estado e Sociedade”, que ocorreu em Florianópolis, no período de 25 a 28 de setembro de 2024.

 

 

[ii] Contribuições do autor: conceituação; investigação; metodologia; supervisão; validação; e escrita - rascunho original.

 

[iii] Contribuições do autor: investigação; e escrita - rascunho original.