Caixa de Texto:  e-ISSN 1984-7246   Tragédia socioambiental: o afundamento do solo em cinco bairros de Maceió/AL[i]

 

 

 

 

 

Cid Olival Feitosa[ii]

Universidade Federal de Alagoas (UFAL)

Maceió - AL, Brasil

lattes.cnpq.br/6060628420316378    

orcid.org/0000-0002-7436-5729  image   

cid.olival@feac.ufal.br      

 

 

Augusto da Silva Romeiro[iii]

Universidade Federal de Alagoas (UFAL)

Maceió - AL, Brasil     

lattes.cnpq.br/1740983040808684        

imageorcid.org/0000-0003-1591-8044         

augusto.romeiro@feac.ufal.br      

 

 

 

 

 

 

 

 

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Tragédia socioambiental: o afundamento do solo em cinco bairros de Maceió/AL

 

Resumo

Desde 2018, Maceió, capital de Alagoas, enfrenta um processo de subsidência do solo em cinco bairros, fenômeno decorrente da exploração mineral de sal-gema pela petroquímica Braskem. Milhares de pessoas e residências foram diretamente afetadas, resultando em remoções forçadas para outras localidades. Os impactos desse processo manifestam-se tanto na vida dos moradores quanto na reconfiguração socioespacial da cidade, gerando danos materiais e imateriais de proporções incalculáveis. Diante desse cenário, o presente artigo tem como objetivo analisar o processo de subsidência do solo em Maceió à luz da teoria da acumulação por espoliação, de David Harvey. Fundamenta-se em revisão bibliográfica e documental, bem como no levantamento de dados referentes às propostas de indenização apresentadas, aceitas e pagas pela Braskem às vítimas da tragédia. Conclui-se que a expulsão de milhares de pessoas dos seus locais de residência e a apropriação de parte do território de Maceió pela Braskem, a custos bastante reduzidos e com a anuência do Estado, evidenciam processos violentos de acumulação por espoliação, em que os interesses do capital prevalecem sobre os direitos e o bem-estar da população afetada.

 

Palavras-chave: acumulação por espoliação; exploração de sal-gema; crime da Braskem.

 

 

 

Socio-environmental tragedy: Land subsidence in five neighborhoods of Maceió/AL

 

 

Abstract

Since 2018, Maceió, the capital of Alagoas State in Brazil, has experienced land subsidence in five neighborhoods, a phenomenon caused by rock salt mining conducted by the petrochemical company Braskem. Thousands of people and homes have been directly affected, resulting in forced displacement to other locations. The impacts of this process are evident both in the lives of residents and in the socio-spatial reconfiguration of the city, causing tangible and intangible losses of incalculable proportions. Given this scenario, this article aims to analyze the process of land subsidence in Maceió in light of David Harvey’s theory of accumulation by dispossession. It is based on a literature and documentary review, as well as on data regarding the compensation proposals presented, accepted, and paid by Braskem to the victims of the tragedy. This analysis finds that the expulsion of thousands of people from their homes and the appropriation of part of the territory of Maceió by Braskem — at very low cost and with the consent of the State — constitute evidence of violent processes of accumulation by dispossession, in which the interests of capital prevail over the rights and well-being of the affected population.

 

Keywords: accumulation by dispossession; rock salt mining; Braskem’s crime.

 

 

 

1 Introdução

A mineração é uma atividade econômica de grande importância para a economia brasileira. Em 2020, representou algo em torno de 3,2% do PIB nacional, com destaque para os estados de Minas Gerais e Pará, que concentram a maior parte das jazidas minerais do país (Santos, 2021). Embora seja realizada desde o período colonial (Bertollo, 2023), ganhou novo impulso na primeira década do século XXI, em virtude do crescimento da demanda mundial por minérios, no contexto do que se convencionou chamar de boom das commodities[1] (Musa, 2024).

No entanto, a extração mineral é uma atividade potencialmente geradora de impactos negativos (econômicos, sociais, ambientais), uma vez que envolve a remoção intensiva de recursos naturais, a alteração de territórios e a utilização de processos que frequentemente desconsideram os limites ecológicos e sociais dos espaços explorados, tornando-os mais suscetíveis a tragédias (Gonçalves, 2018). Além disso, os modelos de exploração mineral, comandados por grandes corporações nacionais e internacionais (Svampa, 2012), consolidam estratégias de apropriação e controle dos territórios (Gonçalves, 2016), resultando no que Harvey (2012) caracteriza como acumulação por espoliação.

Um dos exemplos de tragédias socioambientais decorrentes da extração mineral ocorreu em 2018, em Maceió, Alagoas, quando moradores do bairro Pinheiro passaram a relatar uma série de rachaduras em imóveis e afundamento do solo em moradias e vias públicas (Bulhões, 2022). Os relatos foram intensificados após um abalo sísmico de 2,5º na escala Richter (Brasil, 2019), levando a Defesa Civil a investigar as causas das ocorrências e a adotar medidas emergenciais visando a segurança da população (Maceió, 2019). Em pouco tempo, registros semelhantes começaram a surgir nos bairros Bebedouro, Bom Parto, Mutange e algumas áreas do bairro Farol (Cavalcanti et al., 2023).

Tendo em vista a indefinição quanto à origem do problema e os impactos que ele poderia provocar, foi acionado o Serviço Geológico do Brasil/Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (SGB/CPRM), que passou a realizar uma série de pesquisas e análises para identificar se as causas da tragédia eram decorrentes de fenômenos naturais ou se havia alguma ação antrópica agravante (Feitosa; Romeiro, 2023). Um ano após o início das investigações, o SGB/CPRM constatou que os referidos bairros enfrentavam um processo de subsidência do solo[2], resultado da desestabilização de cavernas abertas para exploração de sal-gema, mineral utilizado na fabricação de PVC e soda cáustica, realizada pela petroquímica Braskem (Brasil, 2019).

Diante do risco iminente, teve início a remoção da população da maior parte da área afetada, atingindo diretamente cerca de 60 mil pessoas que viviam em aproximadamente 15 mil residências (IBGE, 2010). Para realizar a desocupação dos imóveis, foi criado o Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF), estabelecido a partir de um acordo firmado entre a Braskem, Ministério Público Federal (MPF) e Estadual (MPE-AL), Defensorias Públicas da União (DPU) e do Estado de Alagoas (DPE-AL) (MPF, 2019).

Os impactos da tragédia se manifestam em várias dimensões. Bulhões (2023) realiza um resgate histórico amplo da ocupação dos bairros afetados e analisa as implicações sociais e urbanísticas da subsidência (destruição de equipamentos urbanos, interrupção de vias, perda de espaços da vida pública etc.), a partir da fala dos moradores de bairro Pinheiro.

Santos e Viegas (2021) discutem a remoção dos moradores a partir da categoria de refugiados ambientais, argumentando que essas pessoas foram forçadas a deixar suas casas em virtude de problemas ambientais decorrentes da ação da Braskem, que colocavam em risco suas vidas ou comprometiam sua qualidade de vida.

Teles (2023) utiliza a categoria migração forçada para discutir a violação de diversos direitos humanos, assegurados constitucionalmente e internacionalmente, como o direito à moradia, ao trabalho digno, à saúde, à educação, dentre outros. Destaca a urgência do debate público e político que busque a prevenção e a precaução aos danos decorrentes da mineração, bem como, e, principalmente, a assistência humanitária às vítimas.

Santos et al. (2025) discutem os impactos econômicos, especificamente, as alterações no comportamento do mercado imobiliário diante da desocupação e destruição de milhares de imóveis, bem como da maior disponibilidade de recursos financeiros oriundos do PCF para o atendimento das demandas reais por moradia da população diretamente afetada.

O presente artigo tem como objetivo analisar o processo de subsidência do solo em Maceió à luz da teoria da acumulação por espoliação, de Harvey (2012). Busca-se compreender como a exploração de sal-gema, mediada por agentes públicos e privados, articulou dinâmicas do capital que resultaram em despossessão territorial e reorganização do espaço urbano. Para isso, fundamenta-se em revisão bibliográfica, análise documental e levantamento de dados referentes ao volume de propostas apresentadas, aceitas e pagas pela Braskem às vítimas, no âmbito do PCF. Entre os principais documentos analisados estão: o relatório do Serviço Geológico do Brasil, que identificou as causas da subsidência (Brasil, 2019); o Termo de Acordo que estabeleceu o Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (MPF, 2019); documentos públicos disponibilizados no site da Braskem; e o Relatório da CPI da Braskem, produzido pelo Senado Federal (Brasil, 2024).

 

2 Da acumulação primitiva à acumulação por espoliação

A acumulação primitiva de capital foi originalmente descrita por Marx (1996) como a gênese histórica do capitalismo, um processo violento que promoveu a separação de produtores diretos dos seus meios de produção, visando estabelecer as condições necessárias para a acumulação de capital. Desprovidos dos seus meios de subsistência, os produtores foram convertidos em trabalhadores assalariados, ao passo que os meios de produção se transformaram em capital.

Os mecanismos utilizados para a separação foram variados, incluindo formas legais e institucionalizadas de expropriação até relações extraeconômicas, como o roubo, a pilhagem, a colonização e outras formas de violência (Marx, 2013). Harvey (2012, p. 121) descreve de maneira detalhada os processos que caracterizam a acumulação primitiva de capital:

 

Estão aí a mercantilização e a privatização da terra e a expulsão violenta de populações camponesas; a conversão de várias formas de direitos de propriedade (comum, coletiva, do Estado etc.) em direitos exclusivos de propriedade privada; a supressão dos direitos dos camponeses às terras comuns; a transformação da força de trabalho em mercadoria e a supressão de formas alternativas de produção e de consumo; processos coloniais, neocoloniais e imperiais de apropriação de ativos (inclusive de recursos naturais); a monetização da troca e a taxação, particularmente da terra; o tráfico de escravos; e a usura, a dívida pública e, finalmente, o sistema de crédito.

 

Ao revisitar a teoria da acumulação primitiva, Harvey (2012) argumenta que as práticas identificadas na origem do capitalismo continuam a ocorrer no período contemporâneo, de maneira mais abrangente e sofisticada. Acrescenta que o sistema de crédito e o capital financeiro assumiram papéis centrais na atual expansão do capitalismo, a partir de práticas que envolvem fraude, expropriação e destruição de riqueza. No entanto, propõe a utilização do conceito de acumulação por espoliação[3], em substituição à noção de acumulação primitiva.

No que diz respeito aos mecanismos inteiramente novos da acumulação por espoliação, Harvey (2012) destaca, além da financeirização, os direitos de propriedade intelectual, a biopirataria, a sanha privatista de instituições e serviços públicos essenciais, como água, a apropriação cultural e a escalada de destruição e degradação dos recursos ambientais.

Segundo Sibemberg (2017), a acumulação por espoliação de Harvey não se define pela predominância de mecanismos extraeconômicos, como ocorre na acumulação primitiva, embora estes continuem a ser acionados, quando necessários, para fazer avançar a acumulação de capital. “No lugar disso, [...] as formas e os mecanismos de acumulação por espoliação seriam primariamente econômicos ao definir as finanças como o mais preponderante mecanismo de acumulação” (Sibemberg, 2017, p. 5).

Um dos exemplos mais emblemáticos de acumulação por espoliação diz respeito à atividade mineradora. Como destacou Gonçalves (2016, p. 40), “o modelo extrativista mineral exportador [...], baseado nos grandes projetos, fortalece estratégias de controle dos territórios e de acumulação por espoliação”. Em grande medida, utiliza mecanismos econômicos e legais para sua expansão, como a obtenção de vultosos financiamentos públicos e de concessões de uso e de exploração de grandes extensões de terras, permitindo às empresas privadas concentrar e ampliar seus lucros (Sant’Anna Júnior; Alvez, 2018), mas também recorre a mecanismos extraeconômicos, como a exploração intensa dos recursos naturais, a expropriação de comunidades tradicionais do seus territórios, a apropriação privada de terras comuns, dentre outros (Gonçalves, 2018).

Um aspecto relevante a se destacar é a influência que as mineradoras exercem sobre os aparelhos do Estado. Como a extração mineral é fortemente influenciada pela variação dos preços internacionais, na fase de preços altos, as empresas pressionam os órgãos licenciadores para acelerar os processos de licenciamento ambiental, visando expandir a produção (Milanez et al., 2015). Não é demais lembrar que o Estado é quem define os parâmetros de operação em que as empresas irão atuar e detém o monopólio de acesso aos bens minerais, que serão concedidos ao setor empresarial, por meio dos licenciamentos ambientais (Magno et al., 2024).

Por outro lado, quando os preços dos minérios estão em baixa, as empresas intensificam a produção para compensar as perdas financeiras, com pressões por redução de custos, que, muitas vezes, descumprem parâmetros técnicos mínimos necessários à redução dos riscos de tragédias (Milanez et al., 2015). Neste momento, parece haver negligência e omissão dos órgãos de fiscalização e controle, permitindo que as mineradoras continuem operando, mesmo descumprindo as normas técnicas e legislações vigentes.

Para Harvey (2012), o poder do Estado é frequentemente utilizado para forçar processos de acumulação por espoliação, inclusive contra a vontade da população. Deste modo, “o Estado, com seu monopólio da violência e suas definições da legalidade, tem papel crucial no apoio e na promoção desses processos [de acumulação de capital]” (Harvey, 2012, p. 121).

Laschefski (2020, p. 103) destaca que a negligência do Estado e a falência das instituições públicas quando ocorrem tragédias ambientais podem estar relacionadas a “um novo modo de produção não capitalista centrado no controle territorial que, por meio de uma articulação intensa com órgãos públicos, entidades da sociedade civil e o ministério público [...], busca soluções extrajudiciais”, como acordos diretos, Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), fundos ou comitês de reparação, dentre outros. Desse modo, as tragédias estariam sendo instrumentalizadas para a geração de lucro, ao mesmo tempo em que as mineradoras encontram novas formas de apropriação territorial fora das leis de mercado, configurando novas estratégias de acumulação por espoliação (Laschefski, 2020).

Todos esses elementos, em maior ou menor grau, podem ser observados no caso da tragédia de Maceió. A face mais evidente mostra que a extração indiscriminada de sal-gema pela Braskem provocou a expropriação de milhares de pessoas de suas residências, conferindo à Braskem os lucros decorrentes da exploração econômica ao mesmo tempo em que transferiu para toda sociedade, em especial aos moradores diretamente atingidos, o ônus da exploração mineral, num claro processo de acumulação por espoliação, conforme descrito por Harvey (2012).

 

3 Dinâmica regional e exploração mineral de sal-gema em Maceió/AL

O processo histórico-econômico que leva à exploração mineral de sal-gema em Alagoas está intimamente relacionado ao processo de organização socioespacial e aos padrões de acumulação e de reprodução do capital no Brasil (Macedo, 2023). Em linhas gerais, até a década de 1930, prevalecia no Brasil uma economia primário-exportadora (Furtado, 2007), cujo padrão de acumulação estava baseado no capital mercantil, com uma estrutura produtiva predominantemente voltada para fora. Os vínculos econômicos eram muito mais intensos com o mercado externo do que com o interno, formando o que Oliveira (1981) chamou de “arquipélagos” regionais, resultando em baixa integração do mercado nacional e em economias regionais relativamente autônomas.

A partir da década de 1930, impulsionado pela industrialização, observa-se um processo de integração do mercado nacional, que possibilitou uma articulação comercial, produtiva e financeira das economias regionais. Como destacou Macedo (2023), o padrão de organização socioespacial decorrente do avanço industrial será marcado pela concentração econômica e pela hierarquização territorial, com São Paulo exercendo poder de comando do novo padrão de acumulação. Esse processo vai redefinir a divisão territorial do trabalho em todo o país (Oliveira, 1981).

Cano (2008) discute o intenso processo de concentração industrial em São Paulo, que aumentou os desequilíbrios regionais e desencadeou fortes pressões políticas que culminaram na elaboração de uma política de desenvolvimento para o Nordeste. Para isso, foi criado o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), que articulava uma inteligente política de reforma agrária e de colonização com a industrialização da região, como forma de reduzir as desigualdades regionais (Araújo, 2000). Para implantar as políticas propostas, foi criada a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), em 1959. O golpe militar de 1964, no entanto, aniquilou qualquer perspectiva progressista, restringindo-se, de forma muito limitada, à expansão industrial (Araújo, 2000).

Para estimular a industrialização nordestina, foi instituído um sistema de incentivos fiscais (Sistema 34/18), que contribuiu para a transferência de capitais produtivos do Sudeste para o Nordeste, costurando os arquipélagos regionais, sob o comando do capital industrial, e conformando o que Guimarães Neto (1989) chamou de integração produtiva regional. A partir daí, observou-se um processo de desconcentração produtiva, que criou uma estrutura econômica integrada e complementar, ampliando o espaço de valorização do capital industrial em todo o território nacional (Araújo, 2000).

Ainda que os incentivos fiscais da Sudene, como o Sistema 34/18, e os fundos públicos, como o Finor, tenham desempenhado um importante papel no processo de desconcentração produtiva, Macedo (2023, p. 47) destaca que os fundos públicos de desenvolvimento regional foram verdadeiros mecanismos de acumulação por espoliação, posto que funcionaram como “instrumentos de acumulação descolados de qualquer projeto verdadeiramente democrático e inclusivo”.

Essas políticas tiveram contribuição relevante para a exploração de sal-gema em Alagoas (Feitosa; Matos, 2021). O mineral, matéria-prima básica para a fabricação de policloreto de vinila (PVC), foi encontrado pela primeira vez em 1943, durante prospecções petrolíferas em Maceió (Cavalcante, 2020). No entanto, a sua exploração comercial só teve início com a criação da Salgema Indústrias Químicas S.A., em 1966. No ano seguinte, a empresa teve seu projeto aprovado pela Sudene, enquadrando-se na faixa A, onde ficavam os projetos prioritários (Vieira, 1997) e, portanto, conseguindo obter recursos públicos, tanto federais quanto estaduais, para investimentos na região.

Lustosa (1997) mostra que as empresas que faziam parte do PCA foram contempladas com diversos incentivos fiscais e financeiros. Em âmbito federal, tiveram isenção do imposto de renda sobre o lucro de exploração por dez anos, reduções no imposto sobre importação e produtos industrializados, além de acesso a recursos do Finor e financiamentos do BNDES e BNB. No nível estadual, desfrutaram de reduções progressivas do imposto sobre circulação de mercadorias (ICM) e capital de giro subsidiado.

O propósito inicial da Salgema S.A. era produzir cloro e soda cáustica para suprir as demandas da matéria-prima da Dow Química e da Companhia Petroquímica da Camaçari, ambas na Bahia, e de indústrias de celulose do Sul do país (Lustosa, 1997), num processo de integração e complementaridade regional característico da industrialização do período. No entanto, problemas técnicos e logísticos, já que não havia domínio da tecnologia de transporte de cloro em alto mar e a Marinha mostrou-se relutante em aceitar o transporte do produto como uma operação segura, implicou na possibilidade de realizar o processamento da matéria-prima em Alagoas, dando início à concepção de um Complexo Químico Integrado, embrião do Polo Cloroquímico de Alagoas (PCA), instituído oficialmente em 1982, com a Salgema S.A. fornecendo insumos básicos e exercendo o papel de indústria-motriz (Lustosa, 1997).

A criação do PCA fazia parte da estratégia dos grandes polos industriais do regime militar, considerado prioritário para o desenvolvimento nacional e essencial para o processo de industrialização de Alagoas, que tinha expectativa de atrair empresas de diferentes setores industriais, promovendo a diversificação econômica do estado.

Ao longo das décadas de 1970 e 1980, a Salgema S.A. passou por mudanças em sua composição acionária. Embora tenha surgido como uma empresa privada, em 1975, a maior parte do seu capital foi adquirido por instituições públicas, dentre elas, o BNDES e a Petroquisa, uma subsidiária da Petrobrás. A partir desse período, o padrão de acumulação e reprodução de capital da economia brasileira se volta, cada vez mais, para a expansão do agronegócio e da indústria extrativa, conectando-se diretamente ao mercado internacional, sob o comando do capital financeiro (Macedo, 2023).

 Neste cenário, avançam as privatizações de diversas estatais brasileiras, inclusive daquelas que tinham forte ligação com a exploração mineral. Como destacou Harvey (2012, p. 62), “a acumulação por espoliação converteu-se em um traço muito mais central dentro do capitalismo global (com a privatização como um de seus principais mantras).” Desse modo, na década de 1990, com a privatização do setor petroquímico brasileiro, o grupo Odebrecht (atual Novonor) adquiriu a Salgema S.A., que foi renomeada como Trikem. Num processo de concentração e centralização de capital, houve a fusão da Trikem a outras empresas, resultando na formação da Braskem S.A., uma das maiores petroquímicas da América Latina (Diodato, 2017).

Segundo dados da empresa, em 2024, a Braskem mantinha unidades industriais no Brasil, Estados Unidos, Alemanha e México, consolidando-se como a maior produtora de resinas termoplásticas das Américas e a sexta maior petroquímica do mundo. Em Alagoas, a empresa atua em Maceió e Marechal Deodoro, gerando aproximadamente 750 empregos diretos. Juntas, essas unidades são as maiores produtoras de PVC da América Latina e de soda cáustica da América do Sul (Braskem, 2024).

Em 2017, as reservas de sal-gema no Brasil somavam aproximadamente 21.600 milhões de toneladas (Mt), abrangendo recursos medidos, indicados e inferidos. Esses depósitos estavam concentrados em cinco estados: Espírito Santo (61%), Sergipe (16%), Alagoas (13%), Bahia (6%) e Amazonas (4%) (Parahyba e Cavalcanti, 2025). No entanto, apenas Bahia e Alagoas já realizavam atividades de extração, enquanto os demais estados, embora apresentem potencial, ainda não haviam iniciado a exploração.

Em função da subsidência dos bairros, a partir de 2019, por decisão judicial, a Braskem encerrou suas atividades extrativas em Maceió. No entanto, nesse mesmo ano, protocolou vários requerimentos junto à Agência Nacional de Mineração (ANM) solicitando autorização de pesquisa para verificar a viabilidade da exploração de sal-gema em outros municípios, como Paripueira e Barra de Santo Antônio.

Diante desses elementos, fica evidente que a Braskem fez/faz uso de métodos espoliativos no seu processo de acumulação, cuja única preocupação é a manutenção dos seus lucros e distribuição de dividendos, mesmo que isso implique em incorrer em exploração de lavra ambiciosa, que é aquela “conduzida sem observância do plano pré-estabelecido, ou efetuada de modo a impossibilitar o ulterior aproveitamento econômico da jazida” (Brasil, 1967).

 

4 Tragédia ou crime socioambiental?

A tragédia socioambiental que atinge os bairros de Maceió, caracterizada por especialistas e segmentos da sociedade, como o Movimento Unificado de Vítimas da Braskem (MUVB), como um crime socioambiental (Pimentel e Pinho, 2024), representa um dos mais graves casos de subsidência do solo em área urbana no Brasil, afetando diretamente a dinâmica social, econômica e espacial da capital alagoana (Bulhões, 2022).

Desde o início, a instalação da fábrica da Salgema S.A. no bairro Pontal da Barra, em Maceió, enfrentou algumas resistências, em virtude dos riscos ambientais que ela representava (Vieira, 1997). A Secretaria Executiva de Controle de Poluição de Alagoas, órgão equivalente a uma Secretaria de Meio Ambiente, apresentou diversos informes técnicos alertando sobre os riscos ao meio ambiente, além de se manifestar contrária à instalação da fábrica na localidade, uma área de restinga, com uma diversidade ecossistêmica única e nas imediações de uma comunidade pesqueira que margeava a laguna Mundaú (Marques, 2022).

Contrariando todas as recomendações, os governos estadual e federal autorizaram as obras dentro do perímetro urbano, sem a realização de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e rejeitando alternativas locacionais (Marques, 2022). A localização favorecia os interesses dos grandes capitais, especialmente da multinacional DuPont, ao reduzir custos de transporte e oferecer facilidades portuárias, devido à proximidade com o Porto de Jaraguá e condições ideais para a instalação de um píer em frente à indústria, facilitando o escoamento de produtos e o recebimento de insumos (Lustosa, 1997).

Nos anos 1980, a Salgema S.A. ampliou seu parque industrial, aumentando a extração mineral nos bairros afetados e duplicando a capacidade operacional da empresa para atender às demandas do PCA. Essa expansão intensificou os perigos de exposição da população a processos químicos altamente nocivos, como os constantes registros de poluição atmosférica, além de liberação de substâncias tóxicas no ambiente lagunar, degradação da vegetação, efeitos cancerígenos causados por efluentes líquidos e sólidos da indústria (Vieira, 1997). Além disso, contribuiu para a gestação da subsidência ora observada.

Santos, Lima e Bulhões (2022) destacam que quando a Salgema S.A. foi instalada, a ausência de legislação específica para o desenvolvimento de atividades dessa natureza fez com que a regularização da extração mineral ocorresse apenas em 1986, com a obtenção da Licença de Operação e da Licença de Regularização de Operação, renovadas em 2006, 2011 e 2016, com validade até 2022.

Embora alguns aspectos legais tenham sido atendidos, a CPI da Braskem (Brasil, 2024) revelou que o Estado, por meio dos órgãos de regulação, fiscalização e controle, falhou gravemente na execução de suas funções públicas. As licenças de exploração da empresa foram renovadas sem a devida verificação do cumprimento de parâmetros técnicos e ambientais necessários para garantir a segurança das pessoas residentes na área. Além disso, os Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental (EIA e RIMA), exigidos para a obtenção das licenças, foram validados mesmo contendo informações inverídicas, pois haviam sido produzidos pela própria Braskem sem uma fiscalização efetiva.

Galindo (2022) afirma que até 1995, vinte anos após o início das atividades da Salgema S.A., não havia qualquer projeto técnico de localização das minas para realizar as perfurações, tampouco estudos de subsidência do solo da área explorada. A ausência de parâmetros técnicos adequados, aliada à negligência dos órgãos de fiscalização e controle, resultou no fato de que mais de 70% das minas foram projetadas e executadas com diâmetro muito acima do diâmetro seguro e com distância entre as minas menor do que a distância recomendada.

Esses dois elementos (o diâmetro e a distância das minas) provocaram o colapso das crateras de escavação, resultando em trincas, rachaduras e afundamentos nas residências e ruas, gerando o processo de subsidência do solo nos cinco bairros mencionados, afetando milhares de residências e provocando a expulsão de centenas de milhares de pessoas (Galindo, 2022).

Diante do que foi observado, o que aconteceu em Maceió não pode ser classificado apenas como uma “tragédia”. À luz da teoria da acumulação por espoliação, a situação evidencia como a lógica do capital é guiada por um processo de expansão que ultrapassa qualquer limite em sua busca incessante por valorização, negligenciando as consequências dessa dinâmica e deixando um legado de destruição. Assim, dada a intencionalidade e o caráter sistemático das ações envolvidas, parece-nos mais adequado defini-lo como um crime socioambiental.

 

5 A expropriação dos moradores, a face mais evidente da acumulação por espoliação em Maceió

Conforme mencionado anteriormente, os sinais mais evidentes do crime socioambiental da Braskem em Maceió começaram a ser observados em 2018, quando já se levantavam hipóteses de que os acontecimentos registrados poderiam estar relacionados à exploração de sal-gema, considerando a coincidência geográfica entre a localização das minas e o surgimento das rachaduras e crateras. Em resposta às especulações, a Braskem contratou estudos geológicos “independentes”, com o objetivo de comprovar a não existência de conexões entre as suas atividades e a tragédia anunciada.

Em janeiro de 2019, com base nos primeiros relatórios da SGB/CPRM, a Prefeitura de Maceió apresentou um mapa de feições que detalhava as áreas de instabilidade, classificando-as em graus de intensidade (Bulhões, 2022). A gravidade e a continuidade das ocorrências geraram pânico generalizado na região, demandando respostas rápidas das autoridades públicas e da comunidade científica. Em resposta à crise, a Prefeitura de Maceió declarou estado de calamidade pública nos bairros afetados (Maceió, 2019).

Um ano após o início dos estudos, as investigações da SGB/CPRM confirmaram que a extração de sal-gema realizada pela Braskem era a principal causa da subsidência em curso. Nesse contexto, a Defesa Civil revisou o mapa de risco, instrumento utilizado para identificar as áreas e os moradores que precisavam ser realocados, destacando as regiões de maior risco devido ao iminente perigo de alagamento e colapso das minas (Bulhões, 2022). Entre as medidas adotadas, destacam-se a remoção imediata de moradores das áreas mais críticas e a suspensão das operações de extração de sal-gema, culminando no fechamento definitivo dos poços, no final de 2019.

No início, de forma bastante pontual, a Defesa Civil avaliava se o imóvel apresentava riscos aos moradores e, quando confirmado, ordenava a evacuação. Entretanto, o medo e a incerteza quanto às consequências do afundamento fizeram com que algumas pessoas deixassem suas casas, mesmo sem orientação oficial. Com o agravamento da situação e a identificação de novas áreas vulneráveis, o mapa de risco foi gradualmente revisto e ampliado.

Cabe destacar que mudar de casa para preservar a integridade física e, no limite, a própria vida, não era uma opção acessível a todos. Feitosa e Romeiro (2023), ao analisarem os dados de rendimento, classificaram a região em dois grandes grupos. O primeiro, composto pelos bairros Bebedouro, Bom Parto e Mutange, apresentava rendimento muito baixo, com 69,6%, 78,7% e 82,9% dos domicílios, respectivamente, com rendimento nominal mensal domiciliar per capita de até um salário mínimo. O segundo grupo, formado pelos bairros Pinheiro e Farol, caracterizava-se por rendimentos mais elevados, com 10,7% e 15,3% dos domicílios, respectivamente, registrando rendimento domiciliar per capita superior a cinco salários mínimos.

A incapacidade de grande parte da população de arcar com os custos da desocupação, somada à inação do poder público em responsabilizar a Braskem, levaram à judicialização da questão. Várias Ações Civis Públicas (ACP)[4] foram movidas contra a Braskem, responsabilizando-a e exigindo o bloqueio de recursos para pagamento de indenizações justas à população diretamente afetada, bem como a recuperação da área degradada, a adoção de uma série de medidas emergenciais e a condenação por danos morais coletivos.

O aumento progressivo do número de residências classificadas como pertencentes à área de risco, aliado à incerteza sobre a quantidade total de moradores que poderiam vir a ser impactados, levou à substituição das ACPs por Termos de Acordo firmados entre os órgãos públicos e a Braskem, sem qualquer participação da população diretamente afetada (Bulhões, 2022). Essa mudança teve como objetivo principal extinguir os processos judiciais coletivos em andamento. Dentre os acordos celebrados, destaca-se o que deu origem ao PCF. Esse programa foi criado para "apoiar a desocupação" e viabilizar o "pagamento de valores a título de compensação aos proprietários e moradores das áreas de risco", conforme definido no Termo firmado entre o MPF, MPE-AL, DPU, DPE-AL e a Braskem (MPF, 2019).

A análise do PCF revela aspectos fundamentais da sua estrutura e finalidade. Em primeiro lugar, a construção das condições do Acordo não teve a participação das vítimas, que foram reduzidas a meras receptoras das decisões, evidenciando a assimetria de poder entre as partes envolvidas. Além disso, o PCF condicionava a indenização à aceitação de acordos individuais, pressionando as famílias, especialmente as mais vulneráveis, a concordarem com as condições impostas. Essa pressão era agravada pelo fato de que, caso discordassem dos valores oferecidos, os proprietários precisariam buscar uma revisão judicial, com processos demorados e custosos.

O PCF previa indenizações por danos materiais e morais. No caso dos danos materiais, os valores dos imóveis eram determinados por avaliações realizadas por consultores contratados pela Braskem, o que gerou diversas controvérsias. Isso porque qualquer laudo apresentado pelos moradores, com valores divergentes, era sumariamente recusado. Para os danos morais, adotou-se o núcleo familiar como referência, em vez de considerar seus componentes individualmente. Ademais, houve padronização dos valores pagos, ignorando as particularidades das famílias afetadas, categorizados da seguinte forma: R$ 10.000,00 para comerciantes e empreendedores das áreas afetadas, R$ 20.000,00 para residentes de aluguel e R$ 40.000,00 para proprietários.

Em seu site, a Braskem informa que até dezembro de 2024 foram identificados 14.549 imóveis residenciais situados nas áreas destinadas à desocupação e ao monitoramento, com apresentação de 19.181 propostas de indenização. Desse total, 19.040 foram aceitas e 18.931 tiveram suas indenizações pagas. Além disso, foram identificados 4.513 imóveis comerciais e mistos e apresentadas 6.149 propostas de compensação voltadas para comerciantes e empresários (Braskem, 2025).

O que os números não revelam é a natureza coercitiva de algumas condições impostas, com cláusulas contratuais que eximiam a culpa da empresa e permitiam que as vítimas fossem processadas, caso descumprissem alguns termos estabelecidos no acordo. Um deles dizia respeito à obrigatoriedade de entrega de toda a documentação necessária para a transferência de posse do imóvel para a Braskem, conforme mostrou Felizardo (2023). Esse fato é especialmente relevante, pois mostra que o PCF não caracteriza um simples processo de indenização, mas sim uma transação de compra e venda disfarçada, já que as pessoas eram obrigadas a transferir a propriedade de seus imóveis para a Braskem, muitas vezes a preços reduzidos.

Diante desses fatos, fica evidente que o PCF, embora tenha sido criado para promover a reparação dos danos causados pela Braskem às famílias, consolidou um processo de acumulação por espoliação em Maceió.

 

6 Considerações finais

A análise do processo de subsidência do solo em Maceió, causado pela exploração de sal-gema pela Braskem, deve ser caracterizada como um crime socioambiental. A não observância das normas técnicas necessárias, a apresentação de relatórios com dados incorretos e a omissão de informações aos órgãos de fiscalização e controle demonstram que a única preocupação da empresa era a expansão de seus ganhos financeiros, negligenciando suas responsabilidades socioambientais e os impactos gerados por suas operações.

Essa busca pela acumulação desenfreada fica ainda mais evidente quando se observa que em 2019, mesmo envolvida em toda a tragédia que acomete a população de Maceió, a Braskem enviou requerimento à Agência Nacional de Mineração solicitando autorização para realizar pesquisas de exploração de sal-gema no litoral norte de Alagoas, nos municípios de Barra de Santo Antônio e Paripueira, que fazem parte da região metropolitana de Maceió.

Não restam dúvidas de que todas as ações da empresa, desde a implantação da primeira fábrica, no Pontal da Barra, até a não responsabilização criminal pelos danos causados às famílias e ao município de Maceió tiveram a anuência do Estado. No que diz respeitos, especificamente, ao PCF, ao intermediar negociações que excluíram as vítimas diretamente afetadas e priorizaram soluções que preservaram os interesses econômicos da Braskem, o Estado atuou como mediador e garantidor da reprodução do capital, minimizando a efetiva responsabilidade civil e criminal da empresa, mesmo diante das evidências dos danos causados. Esse processo foi particularmente violento, uma vez que a vulnerabilidade financeira observada em muitas famílias refletia não apenas as diferenças no padrão habitacional e de renda, mas também facilitava a aceitação dos termos dos acordos impostos pela Braskem, dada a ação pouco efetiva do poder público na garantia e preservação dos direitos das vítimas.

No que diz respeito às remoções dos moradores das suas residências, embora estas tenham sido justificadas como medidas para garantir a integridade física das pessoas, a decisão de sair, no limite, pertence à Braskem. Um dos exemplos é o fato de que desde 2021, cerca de 3.000 pessoas das comunidades dos Flexais, Vila Saem, Rua Santa Luzia e Marquês de Abrantes, de baixo poder econômico, reivindicam a sua realocação, sem sucesso. À medida que o entorno dessas regiões foi sendo desocupado, os moradores passaram a enfrentar um verdadeiro isolamento social e econômico, agravado pela irregularidade ou ausência de serviços públicos essenciais, como transporte, iluminação, limpeza urbana e segurança, além da ausência de escolas, farmácias, supermercados e diversos outros serviços essenciais à qualidade de vida e à urbanidade.

Com o colapso de uma das minas, em dezembro de 2023, que retirou às pressas dezenas de famílias de suas residências, sob uso de força policial, mais uma vez os moradores dessas regiões reivindicaram a sua remoção, mas até janeiro de 2025, nada foi feito. Os moradores relatam um clima constante de medo e incerteza sobre o que pode acontecer com suas vidas caso outras minas venham a colapsar.

Por fim, pode-se dizer que os acontecimentos descritos confirmam a ocorrência de um processo de acumulação por espoliação em Maceió, conforme teorizado por David Harvey, no qual a expropriação de milhares de famílias de suas residências e a apropriação de uma parcela expressiva da cidade pela Braskem, a custos bastante reduzidos e com a anuência explícita do Estado, resultaram na violação de direitos e na deterioração das condições de vida da população afetada, em favor da acumulação de capital. Longe de ser um evento isolado, a subsidência em Maceió reflete padrões estruturais típicos do capitalismo contemporâneo, nos quais as relações de poder e a lógica do capital subordinam territórios e populações vulneráveis a interesses econômicos hegemônicos.

 

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[1] Segundo Musa (2024, p. 315), No início do século XXI, o crescimento econômico chinês e a sua imensa demanda mineral, atrelado à grande financeirização do mercado de commodities, resultaram em um expressivo aumento, ou boom, dos preços dos recursos minerais”.  

[2] Segundo Cabral, Santos e Pontes Filho (2006, p. 148), “A subsidência é um fenômeno de rebaixamento da superfície do terreno devido a alterações ocorridas nas camadas subterrâneas, ou seja, redução do nível do terreno devido à remoção de suporte subterrâneo”.

[3] Harvey (2012) destaca que os termos “primitivo” ou “originário” podem transmitir a ideia de um fenômeno limitado ao início do capitalismo, o que considera inadequado para descrever as dinâmicas atuais de apropriação contínua do excedente social por um grupo minoritário de privilegiados.

[4] Informações sobre as ações movimentadas pela sociedade civil podem ser encontradas na linha do tempo do site do MPF, em https://www.mpf.mp.br/grandes-casos/caso-pinheiro/linha-do-tempo.



[i] Artigo recebido em 20/12/2024

  Artigo aprovado em 21/07/2025

 

O artigo é uma versão ampliada e revisada de artigo que autores apresenaram no “"VII Seminário de Desenvolvimento Regional, Estado e Sociedade”, que ocorreu em Florianópolis, no período de 25 a 28 de setembro de 2024.

 

 

[ii] Contribuições da autora: conceituação; curadoria dos dados; investigação; análise formal; metodologia; administração de projeto; visualização; escrita -rascunho original; e escrita -análise e edição.

 

[iii] Contribuições do autor: conceituação; curadoria dos dados; investigação; análise formal; metodologia; administração de projeto; visualização; escrita -rascunho original; e escrita -análise e edição.