Apresentação

 

As práticas interpretativas propiciam infinitas alternativas de investigação no campo da música, relacionadas a diferentes âmbitos e vertentes do conhecimento, de abordagens e perspectivas, agregando-se a discussões e a novas investidas analíticas, imersas em pressupostos interdisciplinares ou não, a exemplo da pesquisa artística e suas variadas abordagens e proposições.

Diante desta variedade de possibilidades, alguns autores optaram por traçar um quadro representativo do estado da arte dos estudos em práticas interpretativas e temáticas afins. Tal é o caso de Daniel Cerqueira, no artigo “Práticas interpretativas, performance musical, processos criativos: mais uma reflexão sobre o intérprete na academia” e de Bibiana Bragagnoloe Leonardo Pellegrim Sanchezem “Pesquisa artística no Brasil -mapas, caminhos e trajetos”. Apoiando-se em pesquisa bibliográfica, ambos os artigos têm como objeto a institucionalização das práticas interpretativas e a emergência da Pesquisa Artística no país, procurando apontar possíveis rumos e desdobramentos para este campo de estudos.

Paralelamente, questões relativas às práticas interpretativas em nível teórico, técnico, artístico, pedagógico e epistemológico podem ser levantadas sem que se perca de vista o diálogo entre intérprete, compositor e obra, e as inter-relações entre o ato de ensinar e o de aprender, de criar e interpretar.

Estudos que situam o sujeito no contexto social ou sócio-pedagógico conferem novos sentidos à experiência musical, como no artigo de Marta Brietzke, Mário Oliveira e Fabio Presgrave, “Performances com musicares enquanto performances de existência”, em que performances são concebidas como processos pedagógicos de representação de formas de existir, a partir do conceito de Musicares (Musickings) enquanto fenômeno sônico-social, conforme proposto por Christopher Small. Uma discussão sobre o professor de instrumento e seu papel na promoção da motivação dos alunos adolescentes é trazida pelas autoras Gabriela Silva Safraider e Rosane Cardoso de Araújo a partir opiniões e atitudes dos professores de instrumento sobre as Necessidades Psicológicas Básicas (DECI; RYAN, 2000), coletadas através do método de pesquisa Survey.

Por outro viés, diferentes métodos de pesquisa e recursos tecnológicos têm possibilitado a realização de estudos laboratoriais com medição de parâmetros sobre a participação de movimentos do corpo do instrumentista, enquanto meio condutor da realização sonora e seu efeito estético-musical. A organização da prática e seus efeitos sobre o desempenho instrumental e seus processos regulatórios não estão fora do cenário investigativo, assim como narrativas de experiências artísticas vivenciadas em diferentes contextos, formatos e meios de atuação.

Em “O vibrato no violoncelo -um estudo sistemático aplicado à performance”, os autores Henrique Lucena e William Teixeira propõem um estudo de recursos mecânicos e estilísticos a partir de metodologia autoavaliativa.

Já em “Técnicas estendidas e aspectos culturais presentes na Puneña n° 2, op. 45 para violoncelo solo de Alberto Ginastera”, artigo de María Verónica Fernández, Juan Ignacio Ferreras e Fabio Presgrave, procede-se a uma análise dos materiais e do idiomatismo da peça, a partir dos elementos estilísticos provenientes da música folclórica da Região da Puna (Argentina/Chile).

Também tendo como foco uma obra específica, o artigo de Adriana Lopes Moreira e Lucas Martins Pedro, “Sonata para flauta e piano de Lowell Liebermann -sugestões para a performance do flautista e análise musical em interlocução com o compositor”, adota uma abordagem combinada de pesquisa artística, análise musical e interlocução com o compositor por meio de entrevista.

Este dossiê contempla ainda um estudo de caso referente às transformações nas práticas interpretativas voltadas à adaptação ao contexto gerado pela pandemia de Covid-19, a partir de conceitos como cartografia social, pandemia intelectual, cartografia de saberes. Trata-se do artigo assinado por Klênio Barros, Samuel Barros e Antonio Seixas, “Saberes emergidos na pandemia -o caso do Coletivo Brasileiro de Trombonistas”.

Encerrando o dossiê, “Funções e perspectivas históricas de transcrições e arranjos para violão no Brasil: o caso de Melchior Cortez (1882-1947)”, de Humberto Amorim e Paulo Martelli apresenta, sob uma perspectiva historiográfica, um pioneiro nas transcrições para violão no Brasil e seu papel na consagração do violão como instrumento de concerto.

Como conclusão desta apresentação, uma síntese-sentido deste dossiê, a partir dos próprios termos em que foi definido: Práticas Interpretativas, seus Modos e Meios como viés de interesse investigativo e resultados de vivências e entrelaçamentos em Prospecções.

A seção Artigos, de temática livre, traz três artigos:

“Colonização, religião e música sacra no Planalto Norte de Santa Catarina (1891-1923)”, trabalho de musicologia histórica, baseado em fontes primárias: documentos paroquiais, cartoriais e iconografia, de autoria de Matheus Theodorovitz Prust;

“O Eugenismo e o Padre José Maurício Nunes Garcia -revisionismo histórico do Beethoven negro”, estudo que visa a desmistificar o processo de “embranquecimento” do Pe. José Maurício Nunes Garcia, compositor, professor e mestre de capela negro que viveu no Rio de Janeiro na passagem do XVIII para o XIX, é assinado por Pedro Razzante Vaccari;

“Composição pela concatenação de fragmentos independentes” descreve o processo de composição de uma peça pós-tonal para quinteto de sopros a partir do planejamento, composição e concatenação de fragmentos independentes, com a participação de cinco alunos e um professor de composição, Liduino Pitombeira de Oliveira, autor do artigo.

Na seção Resenhas, Ensaios e Entrevistas, a Resenha assinada por Helena Uzun e Vania Malagutti apresenta o livro “Piano.Pérolas: quem brinca já chegou!”, de Carla Reis e Liliana Botelho, obra didática que propõe práticas de performance e criação musical em peças solo e duos, em que o ensino por imitação é priorizado, sem, contudo, descartar a leitura musical.

Encerrando o v.7 n.2 da ORFEU, uma tradução: “Uma teoria formal de funções tonais generalizadas”, texto seminal de David Lewin (1982), traduzido e apresentado por Felipe Defensor Martins. Neste texto são introduzidas ideias que dariam origem à teoria transformacional e à teoria neorriemanniana, a partir de uma estrutura denominada Estrutura Riemann, resultado de processos de formalização matemática aplicados à música.

Guilherme Sauerbronn de Barros

Maria Bernardete Castelan Póvoas