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Performances sociais de influenciadoras digitais do movimento Body Positive: plateias imaginadas e percebidas
RESUMO
Este artigo tem como objetivo analisar a influência das plateias (imaginadas e percebidas) presentes na plataforma digital Instagram frente às performances sociais realizadas por influenciadoras digitais adeptas ao movimento Body Positive. Para tal, foram utilizados os conceitos da Teoria Dramatúrgica proposta por Erving Goffman, levando em consideração as particularidades das interações sociais mediadas por tecnologias digitais. Foi realizada a observação não participante com cinco perfis de influenciadoras digitais autodeclaradas adeptas ao movimento. Os dados coletados foram analisados a partir da perspectiva da análise de conteúdo, visando identificar os pontos considerados relevantes para atender à plateia imaginada, e para interagir com a plateia percebida. Concluiu-se que as performances sociais realizadas em ambientes digitais, quando embasadas em movimentos sociais de empoderamento, como o Body Positive, se complexificam por exigirem coerência dos atores sociais na adesão aos discursos, na necessidade de transmitir para as diversas plateias engajamento e conhecimento da causa e na adoção assertiva de estratégias protetivas. Ademais, evidenciou-se o importante papel das influenciadoras digitais tanto para a promoção quanto para a manutenção de pautas associadas aos movimentos sociais de empoderamento.
Palavras-chave: Performance Social, Plateias, Influenciadores digitais.
Social performances of digital influencers belonging to the Body Positive movement: imagined and perceived audiences
ABSTRACT
This article aims to analyze the influence of audiences (imagined and perceived) present on the digital platform Instagram on social performances carried out by digital influencers who are followers of the Body Positive movement. To achieve it, the concepts of Dramaturgical Theory proposed by Erving Goffman were used, considering the particularities of social interactions mediated by digital technologies. Non-participant observation was carried out with five profiles of digital influencers who self-declared followers of the movement. The collected data was analyzed from the perspective of content analysis, in order to identify the points considered relevant to serve the imagined audience, and to interact with the perceived audience. It is concluded that social performances carried out in digital environments, when based on social empowerment, such as Body Positive, become more complex because they require coherence from social actors in adhering to the discourses, in the need to transmit engagement and knowledge of the cause to all audiences, and in the assertive adoption of protective strategies. Furthermore, the important role of digital influencers was highlighted both in promoting and maintaining agendas associated with social empowerment movements.
Keywords: Social Performance, Audiences, Digital Influencers.
Presentaciónes sociales de influencers digitales del movimiento Body Positive: audiencias imaginadas y percibidas
RESUMEN
Este artículo tiene como objetivo analizar la influencia de las audiencias (imaginadas y percibidas) presentes en la plataforma digital Instagram en relación con las presentaciónes sociales realizadas por influencers digitales seguidores del movimiento Body Positive. Fue utilizado los conceptos de Teoría Dramatúrgica propuestos por Erving Goffman, teniendo en cuenta las particularidades de las interacciones sociales mediadas por tecnologías digitales. Se realizó una observación no participante con cinco perfiles de influencers digitales que se autodeclararon partidarios del movimiento. Los datos recolectados fueron analizados desde la perspectiva del análisis de contenido, con el objetivo de identificar los puntos considerados relevantes para atender a la audiencia imaginada e interactuar con la audiencia percibida. Se concluyó que las performances sociales realizadas en entornos digitales, cuando se basan en movimientos de empoderamiento social, como Body Positive, se vuelven más complejas porque requieren coherencia de los actores sociales en la adhesión a los discursos, en la necesidad de transmitir compromiso y conocimiento de la causa, y en la adopción asertiva de estrategias protectoras. Además, se destacó el importante papel de los influencers digitales tanto en la promoción como en el mantenimiento de agendas asociadas a los movimientos de empoderamiento social.
Palabras clave: Presentaciónes Sociales, Audiencias, Influencers Digitales.
Plataformas digitais, como o Instagram, fornecem aos seus usuários diversas possibilidades de usos, apropriações e interações sociais; tornando-se um meio significativo no qual os fenômenos sociais ocorrem. Dentre eles, destacam-se o gerenciamento de impressões, apresentações de si, coerência expressiva, influência social e necessidade de pertencimento.
Este artigo explora como as plateias, conforme compreendidas pela Teoria Dramatúrgica de Erving Goffman (1922–1982), configuram-se em elementos balizadores de performances sociais em um contexto específico no Instagram. A partir de perfis de influenciadoras digitais adeptas ao movimento Body Positive, visou-se compreender as trocas sociais passíveis de observação e as estratégias de manutenção de uma fachada que se apresenta para um público imaginado, porém não necessariamente conhecido.
Metodologicamente, este estudo fundamenta-se em observações não participantes conduzidas em perfis públicos no Instagram de cinco influenciadoras digitais que pautam suas performances sociais na plataforma no movimento Body Positive. Assim, promove-se a discussão sobre algumas particularidades associadas às interações ocorridas através da mediação das tecnologias digitais, uma vez que estes espaços integram o cotidiano dos indivíduos e proporcionam contextos que influenciam significativamente na criação e desenvolvimento das relações sociais.
2. PERFORMANCES SOCIAIS NO INSTAGRAM
2.1 Performances sociais e plateias no Instagram
Ao analisar as interações sociais ocorridas em contextos face a face, Goffman (2014) percebeu que os indivíduos, ao se engajarem em comportamentos de interações sociais, ainda que de forma não consciente, tendem a realizar performances sociais. Para o autor, ao fazê-las, os objetivos com determinada troca social são mais facilmente alcançados e as relações se tornam mais fluidas (Goffman, 2014).
O mesmo autor utilizou-se dos elementos teatrais para estabelecer a Teoria Dramatúrgica, que compreende as performances sociais como aquelas que são realizadas por meio da expressividade dos atores sociais, além de serem construídas e compostas por partes complementares e interrelacionadas, tais como: cenário, fachada pessoal e plateia (Goffman, 2014). O primeiro normalmente compreende a disposição física e outros elementos que funcionam como suporte de palco e, desta forma, sustentam uma representação. Já o segundo elemento, a fachada pessoal, se divide entre aparência (estímulos que revelam o status social dos atores, refletindo o panorama acerca do estado ritual temporário dos indivíduos) e maneira (estímulos que informam sobre o papel de interação que os atores desempenham em determinada situação). O terceiro elemento, a plateia, por sua vez, é constituída pelos indivíduos que têm acesso às performances realizadas pelos atores sociais.
No contexto das interações, atores e plateia constroem sentido a partir do gerenciamento dos diversos recursos dramatúrgicos expressivos (Bosson et al., 2006; Goffman, 2014; Polivanov; Carrera, 2019). Para uma melhor compreensão das diversas dinâmicas sociais envolvidas neste processo, Goffman (2014), em sua proposta teórica, divide geograficamente os espaços em duas regiões (de frente e de fundo), nas quais as representações ocorrem. A plateia, nesta divisão, localiza-se na chamada região de frente, aquela que abriga o cenário e as apresentações da fachada pessoal. De forma complementar, o autor identifica uma área na qual é vedada à plateia sua entrada, correspondendo à chamada região de fundo (ou de bastidores), sendo este o local que abarca e esconde os elementos que podem prejudicar a manutenção da representação, permitindo assim uma flexibilização da performance.
Ainda segundo Goffman (2014), a plateia forma expectativas acerca das performances sociais dos atores, inclusive sobre a veracidade da representação que está sendo efetivada. Isto significa que, diante de alguém que se autointitula adepto a um determinado movimento social de empoderamento, por exemplo, espera-se e cobra-se, enquanto plateia, comportamentos condizentes ao que se mostra socialmente esperado neste tipo de situação. Neste sentido, Polivanov e Carrera (2019) ressaltam que o nível de informação que a plateia detém a respeito dos atores sociais é crucial para o planejamento da performance, garantindo sua circunspecção dramatúrgica.
Sendo a aquisição de informações sobre os atores e suas plateias fator importante para a composição, disposição e fluidez das dinâmicas presentes nas situações sociais vivenciadas, observa-se nos ambientes digitais um incremento das diversas possibilidades de obtê-las. Na plataforma Instagram, por exemplo, os usuários fornecem informações sobre si e exercem performances sociais, desde quando escolhem as descrições dos perfis, através do preenchimento da bio1, até quando efetuam o compartilhamento de vídeos ou imagens de si ou de vivências associadas ao seu cotidiano.
Estando as performances sociais atravessadas por diversos aspectos característicos dos ambientes digitais quando ocorrem nestes locais, compreende-se que a Teoria Dramatúrgica proposta por Goffman (2014), ainda que tenha sido forjada em uma época na qual espaços digitais como o Instagram não estavam disponíveis, pode ser utilizada para auxiliar na análise dos diversos processos interacionais ocorridos ali, como a relação entre atores e plateia, o que já tem sido feito em diversos estudos (Jin; Tian; Wu, 2022; Lebel; Danylchuk, 2014).
A plataforma digital Instagram foi criada em 2010 como um aplicativo de compartilhamento de imagens, notabilizando-se, dentre outras características, pela possibilidade de utilização de filtros na edição de imagens (Instagram, 2024). Conforme sua popularidade aumentava, passou a se configurar gradativamente em um espaço de desempenho de performances particulares por meio da circulação de informações também singulares, propiciadas pelo uso de diversos recursos, tais como o feed (funcionalidade que exibe as postagens realizadas pelos perfis aos quais o usuário segue), os stories (recurso que disponibiliza conteúdos por um período de 24 horas), os comentários (função na qual mensagens que exprimem reações ou opiniões sobre algo podem ser deixadas para o detentor do perfil) e o reels (ferramenta que permite a criação de vídeos curtos, nos quais podem ser adicionados efeitos como músicas e filtros).
Todas estas possibilidades tendem a influenciar as performances sociais realizadas no Instagram, uma vez que os recursos oferecidos podem ser integrados ou até mesmo podem viabilizar as representações dos atores sociais na plataforma. Alguns estudos (Baker; Walsh, 2018; Ribeiro; Matos, 2021; Ribeiro; Matos, 2022) propuseram explorar as performances sociais e suas respectivas dinâmicas de configuração observadas no Instagram; uma das particularidades constatada foi a possibilidade de acesso às impressões da plateia, através de curtidas e comentários, por exemplo.
Entretanto, observou-se que as particularidades dos ambientes digitais que ampliam os recursos de monitoramento e controle do retorno obtido através das performances sociais ocorridas ali são costumeiramente as mesmas que também complexificam o processo. Marwick e Boyd (2011) identificaram algumas características que evidenciam esta questão, como a presença das “plateias imaginadas”, que consistem na conceitualização mental das pessoas com as quais estão se efetivando a comunicação (Litt, 2012). Ao criar um conteúdo em uma plataforma digital como o Instagram, usuários costumam procurar adequá-lo, por meio do exercício de performances específicas, para quem acreditam que irá consumir esse material – logo, para a plateia imaginada.
Além da conceitualização mental da plateia imaginada, que ajuda tanto na escolha das estratégias que irão compor a fachada pessoal e o cenário, quanto no direcionamento para o público-alvo mais propício a fornecer uma devolutiva positiva diante da representação, verifica-se também a existência de uma “plateia percebida”, estabelecida por meio da percepção dos rastros de retornos passíveis de conhecimento por parte dos atores – logo, composta pelas pessoas que demarcam sua presença. Constituem exemplos de plateia percebida no Instagram os usuários que comentam, curtem, visualizam stories ou compartilham os conteúdos dos influenciadores.
Há ainda uma plateia que, embora percebida, fornece aos atores retornos desagradáveis. Neste caso, esta plateia indesejada seria composta por pessoas que criticam, ameaçam, questionam ou destroem a performance social de um indivíduo. Tal como acontece em contextos não mediados por tecnologias digitais, quando se está diante deste tipo de plateia, tende-se a buscar meios de proteção. Lutz e Hoffmann (2017) citam algumas dessas estratégias que são comuns em interações ocorridas em plataformas digitais, como o Instagram: excluir, apagar, silenciar, ocultar ou mesmo denunciar os rastros que possam vir a evidenciar sua presença diante de uma representação.
As diversas plateias (imaginada e percebida), munidas de ferramentas próprias dos ambientes digitais (como a possibilidade de amplificar o alcance das performances sociais realizadas pelos atores, ou ainda de resgatá-las posteriormente), podem ser consideradas importantes pontos de cobrança, tanto para a manutenção de uma coerência expressiva por parte do ator (Goffman, 2014), ao avaliar constantemente se a representação possui elementos que a torna crível, quanto para o cumprimento das expectativas sociais de adequação às regras e aos padrões culturalmente vigentes, como aqueles referentes aos corpos adequados aos padrões de beleza.
Diante dos pontos levantados e da particularidade que, em nossa cultura atual, o corpo considerado belo costuma ser aquele que possui características relacionadas à magreza, à jovialidade e à presença de tônus muscular definido (Murari; Dorneles, 2018), optou-se por analisar, neste trabalho, a relação atores sociais/plateias em perfis de usuárias influenciadoras que se autodeclaram ativistas de um movimento de empoderamento, o Body Positive. Para tanto, levou-se em consideração o fato de que, neste caso, as representações são realizadas em uma plataforma que privilegia a imagem (como o Instagram), e por atores (no caso, influenciadoras digitais) que exploram, de forma ativista, questões e temas relacionados ao não atendimento às expectativas sociais de padrões de beleza associados ao peso corporal.
2.2 Performances Sociais de influenciadoras digitais frente ao movimento Body Positive no Instagram
Dentre as diversas possibilidades de usos e apropriações oferecidas pelo Instagram, uma das mais populares atualmente é acompanhar ou até mesmo se tornar um influenciador digital. Estes usuários se destacam por possuírem a capacidade de mobilizar um grande número de seguidores, por formar opiniões e influenciar comportamentos, através da criação de conteúdos diversos. Usualmente, a exposição de seus estilos de vida, experiências, opiniões e gostos acabam tendo uma grande repercussão em determinados assuntos (Silva; Tessarolo, 2016).
No que tange à relação entre os influenciadores digitais e as suas respectivas plateias, Taillon et al. (2020) ressaltam que, apesar dos esforços para transmitir impressões de proximidade e intimidade, não existe, de fato, uma relação íntima entre esses usuários e suas plateias. Neste sentido, Marshall (1997) percebe que a efetiva separação entre eles confere ao influenciador digital uma forma de distância aurática.
Sendo assim, em consonância com a Teoria Dramatúrgica proposta por Goffman (2014), os atores sociais, neste caso, os influenciadores digitais, precisam construir suas performances sociais no Instagram de modo a dar conta de manterem representações pautadas na sensação de intimidade com as plateias, ao mesmo tempo em que certa distância também precisa ser mantida, o que lhes garante um status de indivíduos especiais ou de celebridades naquele espaço.
Nesta perspectiva, Abidin (2015) destaca que os influenciadores digitais controlam conscientemente suas apresentações pessoais, o que acaba evidenciando o cuidado destes usuários também com as suas performances sociais, ao passo que, ao se apresentarem, precisam sustentar os elementos que transmitirão credibilidade e coerência relacionados aos seus papéis para as diversas plateias que acessarão suas atividades nos ambientes digitais.
Um exemplo da complexidade nas relações entre influenciadores digitais e suas plateias pode ser encontrado no estudo realizado por Ribeiro e Matos (2022), que, ao analisarem as performances sociais de influenciadoras digitais do nicho de moda plus size, perceberam que essas usuárias desempenham suas representações no Instagram para uma plateia imaginada composta por seguidoras que vivenciam uma condição corporal similar, que são consumidoras regulares da moda plus size e que se engajam com facilidade em atividades que combatem qualquer tipo de discriminação ou preconceito. Não foi percebido pelos autores quaisquer indícios de performances sociais voltadas para uma plateia aversa ao conteúdo idealizado.
Entretanto, quando analisaram os diversos conteúdos encontrados nos comentários, Ribeiro e Matos (2022) perceberam certa controvérsia entre o que se mostrou ser imaginado pelas influenciadoras (associado, portanto, às expectativas de atendimento à plateia imaginada) e a realidade constatada através dos comentários das seguidoras (vinculado, dessa maneira, ao retorno concreto realizado pela plateia percebida), que relataram, por exemplo, não encontrarem com facilidade peças de vestuários específicos indicados e precisarem de suporte para lidar com as eventuais situações constrangedoras derivadas desta situação. Já em relação à plateia indesejada, notou-se que esta não apenas se fez presente frente às performances sociais compartilhadas, como também exigiu das influenciadoras a necessidade de encontrar estratégias para não deixá-la evidente perante suas demais seguidoras, sobretudo pelo fato dela se destacar pelas críticas e ataques preconceituosos. Tais estratégias são chamadas por Goffman (2014) de práticas protetivas, que visam proteger e assegurar a fluidez e a coerência das representações exercidas.
Diversos estudos (De Brún et al., 2014; Slade Shantz et al., 2019; dentre outros) demonstram que as performances sociais de grupos estigmatizados, como é o caso daqueles compostos por pessoas que não atendem aos padrões culturais de beleza corporal, por exemplo, podem apresentar uma maior quantidade de práticas protetivas do que às demais. Uma das estratégias comumente utilizada para salvaguardar a representação é a associação com figuras ou grupos e movimentos relevantes, conforme identificado na literatura (Cialdini; De Nicholas, 1989; Schlenker; Leary, 1982), como é o caso do Body Positive.
As pautas que sustentam o movimento Body Positive são discutidas há muito tempo, mesmo sem estarem categorizadas por essa terminologia, uma vez que visam dar visibilidade à discussão sobre a não marginalização dos corpos fora dos padrões estéticos dominantes (Conde; Seixas, 2021). A origem do Body Positive é atribuída ao movimento feminista na década de 1960, que evidenciou questões da política corporal e discriminação contra corpos gordos, ganhando maior destaque em 1996, quando as ativistas Connie Sobczak e Elizabeth Scott fundaram o The Body Positive Institute, nos Estados Unidos, com o objetivo de resistir às pressões sociais pela padronização dos corpos, sobretudo femininos (Cwynar-Horta, 2016).
No Brasil, o movimento se restringiu às redes sociais, tendo sido publicado o primeiro livro voltado especificamente para as pautas apenas em 2018, pela ativista e jornalista Alexandra Gurgel. Para a autora, o Body Positive, enquanto movimento social, busca a equidade entre as várias formas de existência dos corpos, a fim de que todos sejam tratados na mesma maneira e com os mesmos direitos, independente de tamanho, peso, cor, marcas, limitações etc. (Gurgel, 2018).
Espaços como o Instagram se tornaram cruciais para a divulgação do movimento Body Positive, pois tanto facilitam a divulgação da causa associada, uma vez que ampliam o acesso para um maior número de pessoas por meio da disseminação de pautas específicas, quanto podem servir, em uma perspectiva mais ampla, como agentes de mudança de padrões, alterações legislativas ou mesmo de criação de novas políticas (Teixeira, 2023). É também no Instagram que diversas influenciadoras adeptas ao Body Positive encontram um espaço que as permite irem de encontro aos padrões de beleza tidos como opressivos. Para tal, constroem suas performances sociais para propagar a possibilidade do conforto e satisfação com o corpo grande, adotando estratégias que reforçam a autenticidade desses sentimentos. Contudo, de acordo com Polivanov e Carrera (2022), estas influenciadoras são cobradas por suas plateias para manterem a coerência expressiva, o que engloba a manutenção da condição corporal e a comprovação da adoção de posturas que demonstrem engajamento e militância frente à causa.
Para além das cobranças, o que é aqui chamada de plateia percebida das influenciadoras digitais adeptas ao movimento Body Positive foi estudado por Servos (2022), que identificou alguns paradoxos e dualidades na recepção desse público às performances sociais das influenciadoras, tais como: (1) a presença de admiração pelas representações exibidas (que fazem as influenciadoras serem consideradas como corajosas por se exporem, por exemplo), mas não a intencionalidade de participação ou adesão explícita por grande parte dos membros da plateia; e (2) a presença de críticas ao ideal magro, mas também o desejo de se enquadrar nele.
Assim, para atender aos objetivos deste artigo, foi considerado o fato de que as performances sociais realizadas por influenciadoras digitais adeptas a um movimento social de empoderamento, como o Body Positive, são atravessadas por uma série de dinâmicas e práticas comportamentais particulares, tais como: (1) a necessidade de manutenção da coerência expressiva; (2) a construção de uma representação que transmita comprometimento e veracidade com a causa, ao mesmo tempo que maneje funções que promovam e/ou fortaleçam a adesão ao movimento para as diversas plateias; (3) a expectativa de atender e agradar a plateia percebida, e (4) a adoção de estratégias protetivas em relação tanto às possíveis críticas, quanto ao esforço de manter a plateia indesejada imperceptível para as demais seguidoras.
3. METODOLOGIA
Para este estudo, de abordagem qualitativa e de natureza exploratória descritiva, utilizou-se a observação não participante como instrumento de coleta de dados, sendo escolhidos cinco perfis públicos de influenciadoras digitais no Instagram com base nos seguintes critérios de inclusão: serem mulheres, se autodeclararem adeptas ao movimento Body Positive e demonstrarem certa regularidade de uso, com postagens realizadas no máximo a cada dois dias. Neste sentido, elegeu-se para coleta de dados: Alexandra Gurgel (1 milhão de seguidores), Raissa Galvão (292 mil seguidores), Luiza Junqueira (203 mil seguidores), Isabella Trad (139 mil seguidores) e Bia Gremion (84 mil seguidores). A coleta de dados foi realizada entre os dias 19 de junho e 14 de julho de 2024, período no qual foi permitido aos pesquisadores obterem as informações necessárias para atenderem aos objetivos da pesquisa, conforme o critério de saturação dos dados (Fontanella; Magdaleno Jr, 2012). O material coletado foi analisado à luz da análise de conteúdo (Bardin, 2011), por meio de categorias embasadas nas particularidades da relação entre os atores sociais (no caso, as influenciadoras digitais escolhidas) e suas respectivas plateias imaginadas e percebidas.
Para tanto, foram consideradas também as diretrizes estabelecidas na política de dados disponibilizada pelo Instagram, que discorre acerca da criação de contas e do gerenciamento de privacidade das mesmas, estabelecendo que o usuário de um perfil público permite compartilhamentos de conteúdos por parte de terceiros (Instagram, 2024).
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com base na Teoria Dramatúrgica de Erving Goffman (2014), os dados obtidos por meio da observação não participante realizada em perfis públicos de influenciadoras autodeclaradas adeptas ao movimento Body Positive no Instagram foram agrupados em duas categorias de análise: (1) A construção da performance social para a plateia imaginada e (2) Os retornos da performance social perante a plateia percebida.
4.1 A construção da Performance Social para a Plateia Imaginada
Uma performance social, antes de ser desempenhada, é, em algum grau, planejada, idealizada e construída para que sejam alcançados os objetivos do ator com aquela interação. Tal como ocorre em contextos não mediados por tecnologias digitais, este cuidado é também considerado nas representações ocorridas nos ambientes digitais, como o Instagram. Nestes casos, diversos fatores são considerados para a construção de uma performance, desde a imagem que ilustrará o perfil do usuário, até as informações sobre si disponibilizadas na bio respectiva. No caso das influenciadoras digitais que se autodeclaram adeptas ao movimento Body Positive, percebeu-se que apenas uma, Bia Gremion, exibe seu corpo na imagem de perfil. Contudo, as informações sobre o tipo de conteúdo que as diversas plateias podem encontrar se mostram disponíveis em todas as bios analisadas, que trazem, inclusive, opções de contato para além do Instagram, o que sugere que uma das motivações para desempenhar uma representação seja ampliar o contato com a plateia imaginada.
Outro interessante elemento disponível nos perfis das influenciadoras é a exibição dos seus feitos por meio da seção “destaques”. Neste espaço, os conteúdos possuem o mesmo formato dos stories, mas se tornam permanentes, servindo como uma vitrine para atrair a plateia com os principais conteúdos. Ainda que seja utilizado de maneira similar por diversos tipos de usuários, ou mesmo que existam interesses comerciais/financeiros envolvidos, quando se trata de indivíduos estigmatizados, como é o caso das influenciadoras em questão, mostrar seus ganhos e vitórias adquire uma outra conotação, uma vez que, de acordo com Goffman (1988), essas pessoas tendem a serem vistas socialmente como incapazes ou não merecedoras de desfrutar de benefícios.
Para além dos aparentes desejos de expansão do trabalho de influenciadora digital e da validação social pelos feitos expostos, foi percebido também que a pauta relacionada ao movimento Body Positive fica evidente, em todos os perfis observados, de forma imediata também no feed. As postagens evidenciam os corpos das usuárias, e trazem conteúdos que propõem reflexões sobre amor-próprio, sororidade, machismo e dicas de práticas de autocuidado. Deste modo, foi também percebido a provável expectativa para atrair uma plateia imaginada que consumirá essas informações, seja como um meio de aprendizado, de simpatia pelas causas ou até mesmo por curiosidade.
De acordo com estudos sobre influenciadores digitais pertencentes ao movimento Body Positive no Instagram (Cwynar-Horta, 2016; Martins; Carrera, 2020), a divulgação de conteúdos que abarcam as principais pautas do movimento, como a realizada pelas usuárias observadas, tem um efeito de incentivo à luta pela modificação de elementos discriminatórios, presentes nas esferas da moda, da saúde, do transporte e em diversas outras camadas sociais (Jimenez, 2021), além de criar referências para a plateia que não se adequa aos padrões normativos corporais estabelecidos culturalmente.
Segundo Cwynar-Horta (2016), a ideia principal do movimento Body Positive é a propagação de qualquer forma de mensagem, seja visual ou textual, que desafie e questione a visão dominante de padrão de beleza corporal, e que encoraje a exaltação da própria imagem como se é. Deste modo, todas as influenciadoras digitais observadas demonstraram performances sociais coesas com a proposta da causa escolhida, o que lhes assegura mais segurança para defender suas coerências expressivas ou mesmo suas representações como um todo, caso estas sejam ameaçadas.
Por meio dos discursos encontrados nas performances sociais observadas, notou-se que uma outra expectativa criada pelas influenciadoras digitais é a de que a plateia imaginada saberia o que esperar ao se deparar com as diferenças entre os usos dos espaços (ou microambiências) oferecidos pelo Instagram para tratar das pautas que embasam o movimento Body Positive. Ao longo do período de coleta de dados, as questões que embasam o movimento não foram divulgadas, por exemplo, através dos stories, que abarcaram representações pautadas no compartilhamento de atividades cotidianas ou de publicidade. No entanto, tais questões associadas ao movimento se apresentaram, de forma predominante, no feed e no reels.
Conforme explicado por Goffman (2014), o palco (neste caso, as microambiências do Instagram) e os elementos cênicos que o compõe são partes cruciais da performance social, sobretudo por ajudarem na definição das situações sociais. Autores como Lillqvist e Louhiala-Salminen (2014), por exemplo, acreditam inclusive que o palco tem o potencial de estabelecer ou de modificar a própria natureza do processo interacional. No caso das influenciadoras observadas, por apresentarem pautas, comportamentos e conteúdos relativamente diferentes nos diversos espaços, notou-se que as representações foram construídas de modo a esperar a adesão (e aceitação) da plateia imaginada à diversidade no teor das performances.
A estética das postagens, sobretudo daquelas relacionadas ao movimento Body Positive, foi considerada aqui como parte dos elementos cênicos do cenário, principalmente pelo fato de parecer haver um padrão para este tipo de performance social nos perfis de todas as influenciadoras observadas. As imagens que representam os conteúdos apresentaram cores chamativas, efeitos de destaque (músicas de fundo, letras grandes ou fotos das usuárias) e um agrupamento que demonstra um esforço para a organização do feed de forma harmônica e integrada, o que tende a chamar a atenção da plateia imaginada.
No estudo realizado por Caldeira e De Ridder (2017), foi percebido que as possibilidades de edição fornecem maior visibilidade para determinada postagem. Isto se dá por meio dos usos de recursos esteticamente chamativos, que não apenas influenciam as performances sociais de usuários adeptos ao movimento Body Positive, como também consideram (e reconfiguram através de apropriações particulares) os próprios Termos de Uso do Instagram, favorecendo então maior controle por parte dos usuários sobre como uma representação pode ser construída para atingir objetivos específicos.
Por fim, elementos relacionados à aparência e à maneira, conforme compreendidos por Goffman (2014), também foram percebidos na observação não participante. No que tange à primeira, todas as postagens disponíveis nos feeds das influenciadoras e que se relacionam ao movimento Body Positive (nos cinco perfis observados, tal conteúdo corresponde a quase todas as publicações) destacaram suas figuras de forma a evidenciarem um trabalho na região de bastidores, como algum grau de preocupação com a maquiagem, o penteado e o vestuário que seriam incorporados à performance social – o que, por sua vez, facilitaria o agrado da plateia imaginada.
No caso da maneira (Goffman, 2014), evidenciou-se um padrão, por um lado, na tratativa das pautas concernentes ao movimento Body Positive, como uma postura de alguém dotada de conhecimento, de tom de voz mais incisivo e intolerante com certas práticas discriminatórias e certos vieses políticos, e por outro no emprego de estratégias de empoderamento e auxílio perante a plateia imaginada. Tais elementos corroborariam para a coesão e a coerência das performances sociais perante o público desejado, reforçando a transmissão de uma imagem pública confiável e engajada na causa.
4.2 Os Retornos da Performance Social perante a Plateia Percebida
Com todo um aparato de estratégias cautelosamente escolhidas para compor suas performances sociais no Instagram e alcançar seus objetivos perante uma plateia imaginada, as influenciadoras digitais autodeclaradas adeptas ao movimento Body Positive também se articulam para gerenciar as respostas do seu público percebido (a plateia percebida), ou mesmo daquele que lhes é indesejado.
De forma distinta dos achados de Ribeiro e Matos (2022), que, ao analisarem influenciadoras digitais do nicho de moda plus size no Instagram, perceberam que o retorno da plateia era significativamente maior quando as performances sociais exploravam algum grau de exposição corporal por parte das usuárias, obteve-se por meio da observação não participante dados que apontaram um movimento diferente: foram percebidas, de modo geral, uma quantidade maior de reações perante conteúdos associados ao movimento Body Positive do que diante de outros que exploraram outros temas – o que parece indicar que o pertencimento à causa exerce uma influência significativa para os retornos obtidos com as representações desempenhadas no Instagram pelas mulheres observadas.
Um exemplo associado ao engajamento da plateia percebida aos conteúdos compartilhados pelas influenciadoras digitais pôde ser observado no perfil de Alexandra Gurgel, onde em uma postagem embasada nas pautas do movimento Body Positive, a usuária obteve cerca de 27 mil curtidas e 299 comentários, enquanto uma outra que não trouxe nenhuma referência ao movimento, entretanto expôs sua silhueta, marcou em torno de 10 mil curtidas e 126 comentários.
Em relação aos vieses negativos percebidos nos comentários, apenas no perfil da influenciadora Bia Gremion foram identificados alguns poucos retornos com críticas sutis ao conteúdo. Uma possível explicação para isto está na perspectiva proposta por Martins e Carrera (2020), que ressaltam o fato de marcadores sociais estigmatizadores influenciarem, mesmo que indiretamente, nas performances sociais desempenhadas no Instagram de mulheres pertencentes ao movimento Body Positive. Neste caso, Bia Gremion também se autodeclara ativista do movimento LGBTQIAPN+, o que a torna um alvo da plateia indesejada, fazendo com que, neste caso, as manifestações preconceituosas ultrapassem as questões corporais.
Foi percebido um padrão de respostas adotado por parte das influenciadoras em relação às críticas recebidas, centrado na utilização de três estratégias. A primeira delas foi a realizada através do uso de vídeos, disponibilizados nos reels, assumindo uma performance social embasada no humor, nas notícias de celebridades ou na própria biografia. A segunda foi a de apresentar certa ambiguidade no discurso, uma vez que não ficou claro se estavam se referindo aos comentários direcionados para si ou para a sociedade em geral. Por fim, uma terceira estratégia foi a de adoção de uma postura firme, porém sutil e indireta, o que, com base nos comentários encontrados nesse tipo, pareceu lhes garantir a transmissão de impressões de pessoas seguras, empoderadas e preparadas para rebater quem, porventura, se opusesse às pautas levantadas, o que pode ser considerado também uma prática protetiva, conforme Goffman (2014).
Para além de práticas protetivas ou de eventuais necessidades de lidar com vieses negativos nos retornos da plateia, observou-se que um interessante termômetro para análise da eficácia das performances sociais esteve nas respostas encontradas na seção marcados. Neste espaço, as seguidoras podem associar a própria imagem com a da influenciadora digital ao marcar o seu perfil, o que aconteceu com postagens em sua maioria relacionadas a participações em eventos. Apenas os perfis de Alexandra Gurgel e Bia Gremion possuíam marcações ligadas ao movimento Body Positive, o que pode sinalizar certo recuo das seguidoras para assumirem publicamente que integram, acompanham ou simpatizam com a causa.
Um outro aspecto relevante foi observado nos comentários efetuados pelas seguidoras (plateia percebida). Neste caso, uma parcela significativa das observações demonstrou que as respostas serviram como desabafos, compartilhamento de indignações ou de possíveis soluções, concordância com o discurso da influenciadora ou com elogios. Com exceção de Alexandra Gurgel, todas as mulheres participantes respondiam às seguidoras, o que provavelmente aumentou a sensação de intimidade crucial na relação entre influenciadora e seguidora, conforme apontado por Karhawi (2022).
Segundo Cohen et al. (2019), perfis Body Positive tendem a oferecer um senso de comunidade online dedicada à promoção de quebra de padrões corporais impostos pela cultura que valoriza o corpo magro, jovial e atlético como sinônimo de belo, e, ao fazê-lo, podem desempenhar um papel importante no desenvolvimento e manutenção da imagem corporal positiva entre as seguidoras, o que de fato foi percebido através de retornos fornecidos através dos comentários observados.
Já em relação à composição da plateia, apenas nos perfis das influenciadoras Alexandra Gurgel e Raissa Galvão foi percebida a presença de alguns poucos usuários do sexo masculino na seção de comentários. Ademais, a partir das imagens representativas dos respondentes, a maioria aparenta não estar enquadrada nos padrões corporais atualmente estabelecidos. Neste sentido, o corpo da influenciadora que se propõe a pautar suas performances sociais no Instagram com base no movimento Body Positive mostrou-se ser um dos fatores cruciais para o sucesso da representação, pois, se este corresponde aos padrões hegemônicos, não apenas a performance é comprometida, mas também, perante a plateia, as próprias pautas do movimento passam a ser questionadas. Por esta razão, as próprias seguidoras cobram das influenciadoras que as mesmas as representem ao ocuparem lugares de fala baseados em experiências pessoais (Kuczamer-Kłopotowska; Kraus, 2023).
Estes cuidados necessários com as performances sociais parecem ir além da expectativa de agradar as plateias. Tais precauções mostram-se, de acordo com Gelsinger (2021), essenciais para a continuidade do movimento, já que há um crescente interesse por parte dos influenciadores digitais em alcançarem fama, ganharem publicidade, obterem ganhos financeiros e comercializarem seus conteúdos no Instagram, podendo tornar, assim, as pautas associadas ao movimento secundárias no que diz respeito ao grau de importância.
Considerando os pontos levantados, foram percebidos os usos de diversas estratégias nas performances sociais que garantissem que estas estariam, ao mesmo tempo, (1) embasadas nos preceitos do movimento Body Positive, (2) atendendo às expectativas da plateia imaginada, (3) sendo bem avaliadas pela plateia percebida e (4) garantindo a coerência expressiva das influenciadoras. Tais usos evidenciam a complexidade no processo de desempenho das performances e representações pautadas em um importante movimento social de empoderamento, o Body Positive, efetivado em ambientes digitais, como o Instagram.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando performances sociais são realizadas, adota-se estratégias e embasa-se as construções das representações de modo a se alcançar os objetivos com determinadas interações sociais, sendo cruciais o reconhecimento e a validação da plateia (seja imaginada ou percebida) para o sucesso da performance. Este fenômeno ultrapassa as fronteiras físicas entre os indivíduos, fazendo-se presente também em ambientes digitais, como na plataforma Instagram – hoje uma das principais ferramentas interacionais, que amplia possibilidades de usos e apropriações.
Dentre elas, a função de influenciador digital corresponde ao usuário que consegue não apenas influenciar comportamentos ou estabelecer tendências, como também destacar temas e pautas relevantes, uma vez que alcança comumente uma quantidade significativa de pessoas. Deste modo, o Body Positive, um dos movimentos sociais que embora discutido desde a década de 1960 ganhou relevância por ser destacado no Instagram. Nesta plataforma, o movimento adquire contornos ainda mais polêmicos, uma vez que cresce em um espaço criado para valorizar imagens, que em sua maioria reforçam os padrões hegemônicos que estabelecem corpos magros, atléticos e joviais como sinônimos de beleza.
Sendo assim, este estudo propôs analisar elementos das diferentes plateias (imaginadas e percebidas) que acessam as performances sociais de influenciadoras digitais que estruturam seus perfis de modo a torná-las representantes do movimento Body Positive. Neste sentido, a observação não participante realizada permitiu identificar questões que atravessam as plateias imaginadas e percebidas das usuárias, além dos esforços realizados tanto para agradarem quanto para se manterem coerentes com suas representações.
No que tange à plateia imaginada, constatou-se que diversos cuidados são tomados na construção do perfil para que as performances sociais ocorridas ali transmitam para o público tanto impressões de credibilidade, quanto de competência e conhecimento relacionados ao movimento Body Positive. Para tal, desde a aparência física das influenciadoras até a estética das postagens são estruturadas, de certa forma, para atenderem a quem se espera que acessará o conteúdo, normalmente outras mulheres simpatizantes ou pertencentes à causa.
Já a plateia percebida se mostrou acolhedora às propostas das influenciadoras, disponibilizando meios de validação por meio de curtidas, comentários, engajamento, marcações e compartilhamentos. Foram observados comportamentos comuns como elogios, desabafos, solicitações de conselhos ou de discussão de determinados temas, o que mostrou coesão, entendimento e aceitação por parte do público perante as performances sociais exercidas.
A coerência expressiva, por sua vez, mostrou-se ser um elemento crucial para o alcance do sucesso das performances sociais pautadas no movimento Body Positive. Além de embasar a escolha das estratégias que compõem as representações, apresentou-se ser também o que as tornam críveis e com potencial de influência, além de ser fundamental para a manutenção da força e do alcance do próprio movimento no Instagram.
Com a proposta de análise da influência das diversas plateias (imaginadas e percebidas) presentes nos ambientes digitais, este estudo amplia a compreensão dos elementos que compõem as interações sociais estabelecidas a partir de movimentos sociais de empoderamento, como o Body Positive. A relevância deste tipo de performance social desempenhada em uma plataforma significativa como o Instagram torna-se fundamental para a propagação da causa e até mesmo como um possível meio de promoção de progressivas mudanças socioculturais, seja através de denúncias, inspirações ou indicações de práticas de comportamento, seja pela criação ou fortalecimento de uma rede que visa combater os diversos efeitos negativos causados pelos padrões hegemônicos de corpos estabelecidos culturalmente.
Por fim, e de modo complementar, sugere-se pesquisas futuras que possam analisar as diversas particularidades das performances sociais associadas aos movimentos sociais nos diversos ambientes digitais. Acredita-se que a forma pela qual as pautas importantes são trabalhadas, tanto pelos atores sociais quanto por suas plateias em espaços privilegiados como o Instagram, configura em uma ferramenta propulsora de debates, visando o desenvolvimento e construção de uma sociedade mais acolhedora e compreensiva perante as diversas diferenças de práticas sociocomportamentais, subjetivas e existenciais.
Notas de fim de texto
¹ A bio do Instagram é a seção onde é possível incluir brevemente informações relevantes sobre si mesmo ou uma empresa.
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