Dossiê – Artes, Moda e Cultura Visual
V.16, N.38 — 2023
DOI: E-ISSN 1982-615x
ModaPalavra, Florianópolis, V. 16, N. 38, p. , jan./jun. 2023
Uma escrita ilustrada do vestuário: de
Schwarz a João Affonso
Fernando Hage
Doutor em Artes, Fundação Armando Alvares Penteado - FAAP - SP / fernandohage@gmail.com
Orcid: 0000-0002-9535-8878 / Lattes
Submissão: 30/06/2022 // Aceito: 11/11/2022
http://dx.doi.org/10.5965/1982615x16382023171
171-226
ModaPalavra, Florianópolis, V. 16, N. 38, p. , jan./jun. 2023
172
ModaPalavra e-periódico / Dossiê Artes, Moda e Cultura Visual
Uma escrita ilustrada do vestuário: de
Schwarz a João Affonso
RESUMO
Este artigo1 tem como objetivo central apresentar uma cronologia
de obras ilustradas com viés histórico sobre o vestuário, desde
a publicação de Trachtenbuch (1560), de Matthäus Schwarz.
Serão elencados um conjunto de obras consideradas canônicas
por apresentarem aspectos importantes do processo de uso e
circulação de imagens de trajes, divididas nas categorias: livros
de roupas, livros de trajes, livros de gravuras e costumes, grandes
livros ilustrados, livros românticos/historicistas e livros modernos.
Esse mapeamento e classicação, realizado em tese de doutorado
por meio de revisão bibliográca e pesquisa documental, resultou
em 35 obras levantadas e será apresentado nestas páginas um
recorte com 25 exemplares, além do destaque ao livro Três Séculos
de Modas (1923), de João Affonso, obra pioneira do gênero no
Brasil. Essas produções ajudaram a ponderar sobre como se deu
a construção de um imaginário sobre o vestuário presente em
publicações que darão origem ao campo da história do vestuário.
Palavras-chave: História da moda. Ilustração do vestuário. Livros
ilustrados.
171-226
ModaPalavra, Florianópolis, V. 16, N. 38, p. , jan./jun. 2023
173
ModaPalavra e-periódico / Dossiê Artes, Moda e Cultura Visual
Clothing historical illustration: from
Schwarz to João Affonso
ABSTRACT
This article aims to present a chronology of illustrated works with
a historical bias on clothing, since the publication of Trachtenbuch
(1560), by Matthäus Schwarz. A set of works considered canonical
will be listed because they present important aspects of the process
of use and circulation of costume images, divided into categories:
clothing books, costume books, habits engraving books, great
illustrated books, romantic/historicist books and modern books.
This mapping and classication, carried out in a doctoral thesis
through bibliographic review and documental research, resulted in
35 works surveyed and a clipping with 25 books will be presented
in these pages, in addition to the highlight of the book Três Séculos
de Modas (1923), by João Affonso, a pioneering work of the genre in
Brazil. This production helped us to reect on how the construction
of an imaginary about clothing was present in publications that will
give rise to the eld of clothing history.
Keywords: Fashion history. Clothing illustration. Illustrated books.
171-226
ModaPalavra, Florianópolis, V. 16, N. 38, p. , jan./jun. 2023
174
ModaPalavra e-periódico / Dossiê Artes, Moda e Cultura Visual
Una escritura ilustrada del vestuario: de
Schwarz a João Affonso
RESUMEN
El objetivo principal de este texto es presentar una cronología de
obras ilustradas con un aspecto histórico sobre la indumentaria,
desde la publicación de Trachtenbuch (1560), de Matthäus Schwarz.
Se listará un conjunto de obras consideradas canónicas porque
presentan aspectos importantes del proceso de uso y circulación
de imágenes de vestuario, divididas en categorías: libros de ropa,
libros de vestuario, libros de costumbres, grandes libros ilustrados,
libros románticos/historicistas y libros modernos. Este mapeo y
clasicación, realizado en una tesis doctoral a través de revisión
bibliográca e investigación documental, resultó en 35 obras
relevadas y un recorte con 25 ejemplares será presentado en estas
páginas, además del destaque del libro Três Séculos de Modas
(1923), de João Affonso, obra pionera del género en Brasil. Esta
producción nos ayudó a reexionar sobre cómo la construcción de un
imaginario sobre la indumentaria estuvo presente en publicaciones
que darán origen al campo de la historia de la indumentaria.
Palabras clave: Historia de la moda. Ilustración de la ropa. Libros
ilustrados.
171-226
ModaPalavra, Florianópolis, V. 16, N. 38, p. , jan./jun. 2023
175
ModaPalavra e-periódico / Dossiê Artes, Moda e Cultura Visual
1. INTRODUÇÃO
A construção de narrativa por meio de imagens é uma ação
dos seres humanos desde as civilizações mais antigas, quando
produziam pinturas rupestres ou desenhos milenares orientais.
Diante disso, obras plásticas, como também esculturas, gravuras,
entre outros, são responsáveis pela constituição de um material
visual que exemplicará em diversas situações modos de vestir de
determinadas pessoas e também de grupos às quais pertencem.
Esse material visual, com o desenvolvimento de processos e
técnicas, terá o livro como um dos seus principais meios de registro,
muitas vezes com viés de registro histórico.
O vestuário (ou a ausência dele) é um dos componentes
que forma o conjunto do corpo humano em sua representação.
Inegavelmente, a imagem que temos de nós está relacionada às
próprias representações que criamos e que nos ajudam em um
processo de reconhecimento.
Anne Hollander (1993) aborda o vestuário como uma forma
de objeto visual que se estabelece historicamente em um uxo de
imagens, visto que, para ela, a roupa é experimentada, muitas
vezes, socialmente, a partir do campo das imagens, de como é
vista de modo coletivo e de como é traduzida na hora de se vestir
ou representar um ser vestido.
Roland Barthes (2009) delimita que podemos entender a
moda por meio da separação que existe entre seu vestuário real,
praticado diariamente pelas sociedades, e o sistema retórico que
o representa, por meio de imagens (vestuário-imagem) ou pela
forma escrita — dimensões imaginadas que acabam por congurar
o que pode-se compreender como “sistema da moda”.
As imagens são, nesse sentido, operárias do vestuário e
também da indústria da moda e, por conseguinte, de sua constituição
histórica. Elas formam uma iconosfera, “[...] um caudal de imagens
em circulação, cotidianamente alimentado, reapropriado e recriado
pelos agentes sociais” (CARVALHO; LIMA, 2012, p. 57).
O intuito deste artigo é apresentar, por meio de uma
cronologia, considerações sobre a dimensão imaginada que se
construiu do vestuário, a partir do século XVI, dentro de obras
impressas interessadas em capturar aspectos históricos ou sociais
171-226
ModaPalavra, Florianópolis, V. 16, N. 38, p. , jan./jun. 2023
176
ModaPalavra e-periódico / Dossiê Artes, Moda e Cultura Visual
por meio da ilustração de trajes, o que poderíamos chamar de
histórias ilustradas do vestuário.
Esse tipo de gênero teve sua primeira manifestação no
Brasil em 1923, com Três Séculos de Modas, uma crônica acerca
das mudanças do vestuário desde o século XVII ao início do século
XX, contendo 56 ilustrações produzidas pelo próprio autor, o
maranhense radicado em Belém, João Affonso (1855-1924).
Muito antes disso, desde o século XVI, como no Trachtenbuch
(1560), de Matthäus Schwarz, esse campo de representação do
vestuário já vinha constituindo uma linguagem visual e conceitual
própria. Portanto, buscamos aqui apresentar um percurso, dividido
em categorias, que abrangerá diferentes acepções sobre obras
pioneiras que visavam registrar modos de vestir, entendendo seu
papel na constituição de uma visualidade histórica para o campo
do vestuário.
Nas próximas páginas serão apresentados, de forma
suscinta, alguns aspectos da escrita ilustrada do vestuário, a partir
das seguintes categorias: “livros de roupas”, “livros de trajes”,
“livros de gravuras e costumes”, “livros românticos/historicistas”,
“grandes livros ilustrados” e “livros modernos”, chegando até a obra
Três Séculos de Modas, para compreender suas relações visuais e
conceituais com essa produção histórica.
Essa cronologia é apresentada de forma completa na tese
Imagens na História do Vestuário (HAGE, 2022), sendo criada
a partir de um levantamento bibliográco baseado em obras
consideradas canônicas para a área, como os livros dedicados às
origens de estudos da moda, de Valerie Cumming (2004) e Lou
Taylor (2004), e as análises qualitativas mais pontuais encontradas
em textos de autores como Millia Davenport (1948), Gilles
Lipovetsky ([1989]2009), Aileen Ribeiro (1994), Massimo Baldini
(2005) e Daniela Calanca (2010).
Segundo Teixeira Coelho (2012), dene-se o cânone como
algo que representa um conjunto que agrupa obras reconhecidas
como as mais importantes de uma determinada tradição artística.
Como o autor comenta, “[...] essa operação está longe de revelar-
se cômoda e incontrovertida” (COELHO, 2012, p. 92), mas o
vestuário, enquanto linguagem, possui modelos autônomos que
171-226
ModaPalavra, Florianópolis, V. 16, N. 38, p. , jan./jun. 2023
177
ModaPalavra e-periódico / Dossiê Artes, Moda e Cultura Visual
devem ser reconhecidos, e busca-se levantar, nesse sentido,
um conjunto de obras consideradas canônicas por apresentarem
aspectos importantes do processo de uso e circulação de imagens
de trajes.
O levantamento apresentado aqui irá elencar um recorte de
25 das 35 obras ilustradas compiladas no estudo, que na referida
tese tiveram suas edições digitalizadas localizadas em acervos
como Internet Archive (archive.org) e Gallica (gallica.bn.fr) e
disponibilizadas em tabelas com links completos de acesso2.
Esse conjunto de obras, que vai do século XVI até as
primeiras décadas do século XX, período da publicação do primeiro
livro brasileiro já comentado, tem o intuito de ajudar a discutir
aspectos sobre o campo das imagens do vestuário e sua escrita
histórica, ao organizar um conteúdo que encontrava-se disperso ou
ainda sem tradução.
No Quadro 1, apresenta-se um conjunto visual com algumas
das obras levantadas que serão discutidas conforme a apresentação
das categorias estabelecidas nas próximas páginas. Por meio de
exemplos de páginas coletadas das publicações digitalizadas, estão
destacadas aqui as obras de Schwarz (1560), inserido como livro
de roupas; Vecellio (1590) como representante dos livros de trajes;
Rétif de La Bretonne (1789) como exemplar de livro de gravuras e
costumes; Planché (1876-79) como autor de uma obra romântico/
historicista; Hottenroth (1896) como representante dos grandes
livros ilustrados; e por m, as obras de Köhler (1956) e Hughes
([1913]2011) como livros modernos.
171-226